24 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 28

Capítulo 28

O Fiat rugia pela estrada deserta, engolindo a noite como um animal acossado. Juca não tirava os olhos do porta-luvas entreaberto, onde a lâmina manchada brilhava sob a luz da lua. O mapa com o “Não venhas” do pai pulsava na sua mente, cada curva da letra de Leo representando uma facada.

A respiração de Juca parou, e o medo tomou conta dele, gelando-lhe os ossos. Ele olhou para Juán, que, ao perceber o que Juca segurava, ficou branco como cal. O sorriso de antes desapareceu, e algo mais sombrio e profundo tomou o lugar da fachada de confiança. Juán desviou o olhar, mas a tensão era palpável.

- O que é isto, Juán? - Juca perguntou, a voz quase inaudível, mas carregada de uma inquietação feroz.

Juán mordeu o lábio, e a sua expressão, que sempre fora tão difícil de decifrar, agora parecia de uma honestidade dolorosa.

- É... É o caminho para o Fim - disse ele, com as palavras a saírem de forma arrastada, como se estivesse a lutar contra algo dentro dele. - O fim da minha história... E da tua, se não tiveres cuidado.

Juca, sem saber se queria saber a verdade ou não, sentiu o peso das palavras a cair sobre ele, como uma âncora que o puxava para uma realidade que ele não estava preparado para enfrentar. Ele olhou para o mapa, para o X vermelho, e pensou no pai e em tudo o que estava em jogo. O que estava por trás daquela mensagem? Porque é que Juán estava tão profundamente envolvido nisso?

Mas antes que pudesse fazer mais perguntas, uma curva na estrada fez com que o carro derrapasse ligeiramente, e Juán teve de concentrar-se para manter o veículo sob controlo. O medo de serem seguidos, de estarem prestes a ser descobertos, tornava a atmosfera ainda mais pesada. Cada quilómetro percorrido parecia uma corrida contra o Tempo e contra um Destino desconhecido.

Juán apertou ainda mais a mão de Juca, como se estivesse a tentar garantir-lhe que estavam juntos, que ainda havia uma hipótese de escaparem daquilo. Mas a dúvida estava plantada em Juca. Ele olhou novamente para o mapa, para a faca, e, sem saber o que o futuro lhe reservava, apenas questionou-se: 

Estaria ele pronto para enfrentar aquilo que estava à sua frente? Ou já seria tarde demais para voltar atrás?


[Continua...]

23 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 27

Capítulo 27

O Fiat avançava pela estrada enevoada, engolindo quilómetros de asfalto rachado. Juca observava Juán pelas pestanas, o perfil afiado do espanhol iluminado pelo clarão intermitente dos postes. O silêncio entre eles era espesso, cortado apenas pelo ronco do motor.

- Precisamos de gasolina - Juán bateu no painel, onde a luz do combustível piscava como um aviso. - Há um posto ali adiante.

Juca assentiu, os dedos a brincar com o zíper do casaco. O posto era uma ilha de luz amarela no meio do nada, com um velho cartaz de “Coca-Cola” descascado. Enquanto Juán abastecia, Juca entrou na loja para comprar água. Na prateleira, viu um jornal local com a manchete: 

“Desaparecimentos em El Callao: Autoridades Suspeitam de Contrabando!”

Estendeu a mão, mas um estalo seco do lado de fora fê-lo estremecer.

Era apenas Juán, batendo com a tampa do tanque. Juca respirou fundo, comprou duas garrafas e voltou. Encontrou Juán debruçado sobre o capot, a mão suja de graxa.

- Mierda, o carburador está a fumegar - resmungou ele, limpando as mãos nas calças. - Isto vai demorar. É melhor pernoitarmos ali. - Juán apontou para um motel decadente do outro lado da rua, com um néon rosa a piscar “VA*ÂNCIA”.

O quarto cheirava a mofo e cigarro. Tinha uma cama velha, uma TV dos anos 80, uma pequenina casa de banho e uma cortina rasgada. Juca sentou-se na beirada da cama, enquanto ouvia Juán a falar com o mecânico pelo telefone público no corredor. Quando este voltou, trazia dois pacotes de batatas e um sorriso desconcertante:

- Nada como um jantar romântico, não? - brincou, atirando um pacote para Juca.

Juca riu, surpreso pela primeira vez. O som pareceu desarmar algo entre eles. Juán sentou-se no chão, encostado na cama, e começou a falar de Maracaibo, a sua terra natal. Contou sobre o cheiro do mar, as ruas onde aprendera a roubar antes de aprender a ler. Juca escutava, fascinado e temeroso.

- O meu pai deixou-me num orfanato quando eu tinha doze anos. - suspirou Juán de repente, virando o rosto para esconder a expressão.  Disse que voltaria. Nunca mais voltou.

Juca baixou os olhos para as próprias mãos, imaginando Leo nas minas, perdido.

- Talvez ele tenha voltado - murmurou. - Talvez tu só não estavas lá.

Juán olhou para ele, os olhos de gavião suavizados pela sombra.

- Talvez alguns pais sejam só... Pais. - A voz dele falhou, e Juca viu as marcas roxas no pulso quando a manga deslizou. Sem pensar, ajoelhou-se ao lado dele.

- O que aconteceu? - perguntou, tocando levemente nos hematomas.

Juán retraiu-se, mas depois deixou.

- Coisas que nós fazemos por amor… - sussurrou, com a respiração acelerada.

A mão de Juca pairou no ar, até Juán segurá-la, guiando-a de volta ao seu pulso. A pele estava quente, pulsando. O quarto parecia menor, o ar carregado de uma electricidade que Juca nunca sentira. Juán inclinou-se, os seus lábios a um centímetro dos dele, quando a TV explodiu em estática, seguida de um noticiário:

...A polícia está à procura de dois adolescentes ligados ao desaparecimento de Leonardo Oliveira, minerador em El Callao...

A foto de Juca apareceu no ecrã. Juán ergueu-se de um salto, apagando a televisão com um pontapé.

- Fodasse! - Ele correu para a janela e espreitou pelas frestas. - Precisamos de ir. Agora.

Juca agarrou a mochila, as mãos trémulas. Enquanto corriam para o carro, Juán puxou-o bruscamente para trás de um contentor, segundos antes de uma viatura passar. Os corpos dos dois rapazes estavam colados e o coração de Juca batia loucamente no peito de Juán.

- Desculpa - Juán sussurrou, o hálito quente no pescoço dele. - Não queria envolver-te nisto.

Juca engoliu em seco.

- Envolver em quê, exactamente?

Antes que Juán respondesse, um farol alto varreu o estacionamento. Os dois rapazes arrastaram-se para o Fiat e fugiram na noite, deixando o motel desaparecer como se fosse um pesadelo. Na estrada, Juán esticou a mão, encaixando os dedos nos de Juca por um segundo.

- Confia em mim - disse, e pela primeira vez, Juca quis acreditar.

Enquanto aceleravam, Juca notou algo a brilhar no porta-luvas entreaberto - uma faca manchada de sangue seco, e um mapa marcado com um X vermelho onde reconheceu a letra do pai. Este escrevera: 

Não venhas.”

[Continua...]

22 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 26

Capítulo 26

O dia, que começara promissor sob um céu limpo, foi rapidamente engolido por nuvens cinzentas e pesadas, como se a própria Esperança estivesse a ser abafada pelo Destino. O vento cortante assobiava entre os edifícios antigos. Juca, um rapaz de 11 anos, tinha uma presença encantadora que cativava as pessoas ao seu redor. Muito parecido com o pai, exibia cabelos loiros e cacheados que caíam de maneira despreocupada sobre a testa. O seu sorriso sedutor revelava uma confiança inocente, enquanto os olhos verdes, profundos e brilhantes como esmeraldas, tinham uma pureza que misturava curiosidade e um toque de teimosia. Aqueles que se cruzavam com ele não conseguiam evitar um sorriso, como se a vitalidade do rapaz fosse contagiante.

Naquele momento, porém, não havia nada de encantador em Juca. Apertava o casaco contra o corpo, os dedos a tamborilar nervosamente no telemóvel, sem sinal. A última mensagem que o pai lhe enviara ainda lhe queimava na mente:

- “Estou bem. Amo-te”.

Três palavras. Três dias de silêncio.

Desde que recebera a mensagem que ficara com um mau pressentimento. Juca insistiu com a avó que queria ir ter com o pai. Para isso, convenceu esta com uma ligação falsa, feita por um amigo de Juca, que sabia imitar pessoas. Facilmente “Leo” falou com a mãe, pedindo-lhe que mandasse o filho ter com ele à Venezuela, que ele o encontraria. Juca, naquele momento, não estava longe de El Callao. Estava já a poucos quilómetros de distância, sentado num parque de uma pequena cidade, quando… 

- Juca Oliveira?

A voz era suave, quase melíflua, mas havia uma aspereza por trás, como o farfalhar de folhas secas sob uma bota. Juca ergueu os olhos.

Um rapaz, dos seus 16 anos, tinha a beleza cruel de alguém que sabe o poder que exerce sobre os outros - uma mistura de encanto e ameaça que deixava Juca inquieto. O seu sorriso era largo, mas os olhos... 

- “Olhos de gavião!” - pensou Juca.

…Eram afiados, esverdeados, fixos nele como se calculassem cada músculo do seu rosto.

- Quem és tu? - perguntou Juca, recuando no banco, a madeira gelada a penetrar-lhe as calças.

O rapaz abriu um sorriso acolhedor e respondeu:

- Eu sou o Juán. O teu pai mandou-me buscar-te. Ele falou com a tua avó e já soube o que tu fizeste. Estás com sorte, ele não está zangado, nem chateado… Na verdade, achou a tua atitude muito corajosa!

O espanhol rolava na língua dele como um doce envenenado, doce demais para ser verdade. Juán sentou-se ao lado de Juca, com o casaco de couro a ranger. Juca sentiu o cheiro dele: tabaco, suor e algo metálico, como moedas velhas.

- Porquê que ele não veio?

A voz de Juca saiu mais aguda do que gostaria.

Juán inclinou-se para frente, os cotovelos apoiados nas coxas. Sacou um cigarro, acendeu-o, deu uma baforada e respondeu:  

- El Callao... Há coisas que ele não pode resolver sozinho. Ele precisa de ti. 

O adolescente deu um suspiro teatral. 

- Afff… Ele falou tanto de ti. Disse que és corajoso. Mas talvez eu tenha entendido mal...

Juca mordeu o interior da bochecha. Alguém gritou ao longe, e ele estremeceu. Juán riu-se, um som baixo que mais parecia um rosnado. 

- Tens medo de mim, chico? Eu saltei de um barco em Maracaibo para estar aqui. Tudo pelo teu pai!

A mão de Juán pousou no seu ombro - fria, pesada, os dedos finos como garras. Juca engoliu em seco. Havia algo naquele toque... Uma vibração estranha, como se a pele de Juán pulsasse com energia contida.

- Como... Como é que eu sei que tu não estás a mentir-me?

Juca olhou para o telemóvel, desesperado por um sinal, uma luz, qualquer coisa.

Juán puxou algo do bolso. Um pingente de prata, em forma de cruz - igual ao que Leo sempre usava no pescoço. 

- O teu pai deu-me isso. Disse que tu reconhecerias.

Juca esticou a mão, mas Juán fechou o punho rapidamente. 

- Depois. Quando estivermos a caminho.

O vento aumentou, arrastando um jornal velho que se colou aos pés de Juca:

EL CALLAO: NOVAS GREVES PARALISAM MINAS!” - podia ler-se na manchete embaçada.

- Porquê que ele não me ligou? - insistiu Juca, mas já se levantava, as pernas trémulas.

Juán levantou-se também, ajustando o casaco. 

- Sabes, niño... El Callao é um buraco perdido no mundo. Nem o diabo arranja sinal lá.

O rapaz riu-se com naturalidade e as suas feições ficaram bem mais leves. Naquele instante, ele parecia um qualquer adolescente despreocupado de 16 anos. Porém, em menos de nada, os seus olhos estreitaram-se. 

- Tu queres ajudá-lo, não queres? Ele está em apuros!

A palavra “apuros” ecoou na mente de Juca como um sino funesto. Antes que pudesse responder, Juán já caminhava em direcção a um carro estacionado na curva, um Fiat antigo com os faróis partidos.

- Vamos, niño. 

Juca hesitou. Era um erro. Tinha a certeza disso. Mas a saudade do pai e o desejo de ser corajoso como ele gritavam mais alto. Juca engoliu o medo e seguiu Juán, ignorando o frio que lhe percorreu a espinha. O carro parecia engolir a luz da rua, as portas traseiras como bocas abertas. Mas então lembrou-se da gargalhada de Leo na última chamada de vídeo, tempos atrás, mostrando-lhe um mapa rabiscado. 

- “Ah ah ah ah ah! Os diamantes arco-íris, meu filho! Eles vão mudar as nossas vidas!

Diamantes. Um pai desaparecido. E um estranho com olhos de predador.

Juán girou a chave na ignição, o motor a tossir. 

- Sabes... Cariño… Eu também tenho um pai. 

A voz dele mudara. Estava mais suave, quase vulnerável. Assim como as suas feições. 

- Não o vejo desde os doze anos. Trabalhei duro para... Para ele se orgulhar de mim.

Juca apertou o cinto de segurança, com os dedos a tremer. 

- E ele orgulha-se de ti?

O sorriso de Juán foi um raio de lâmina.

- Oh… Ele vai.

Sem saber, Juca ignorou o detalhe mais gritante de todos: o pingente não tinha o corte irregular que o seu pai remendava com arame. O carro arrancou, engolindo a rua estreita. Juca olhou pelo retrovisor, mas a praça vazia já parecia parte de um pesadelo que se dissipava. enquanto as palavras de Juán ecoavam na sua mente, misturando-se com o ronco do motor. 

O som do motor misturava-se com o zumbido na sua cabeça, e o medo sussurrava que talvez o seu pai nunca tivesse enviado mensagem alguma. E, tampouco viu, sob a manga erguida de Juán quando este virou o volante, as marcas roxas no pulso - como se alguém o tivesse arrastado para ali, através de cordas invisíveis.

[Continua...]

21 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 25


Capítulo 25


Assim como tinha aparecido no quarto de Rodrigo, Lúcia desapareceu com a mesma naturalidade. Voltou às suas funções, circulando pela casa com o olhar de quem sabe manter segredos. Os patrões, ocupados a preparar a visita às minas, nem se aperceberam da ausência dela.

Rodrigo, por sua vez, vestiu o melhor conjunto de explorador que trouxera, com a sensação de leveza que só o prazer poderia proporcionar. Enquanto abotoava a camisa, suspirou. Talvez aquele banho tivesse mesmo lavado mais do que o cansaço. Antes de sair do quarto, olhou-se ao espelho. Rodrigo encarou o próprio reflexo. O sorriso travesso escapou-lhe antes que pudesse evitar. Tinha vivido algo especial, e, por mais que tentasse disfarçar, o brilho no olhar denunciava-o.

Ao cruzar-se com Leo, este comentou:

- Foda-se Rodrigo, parece-me que o banho te fez muito bem! O que te aconteceu?

- Ora… Tu achas que, se realmente nós encontrarmos o diamante arco-íris, não vamos tirar uma fotografia para a posteridade? Eu tenho de estar impecável, pá! 

- Hummmm… Não tinha pensado nisso! Tens toda a razão, como sempre! - concordou Leo, dando uma sonora gargalhada. - Agora que falas nisso… Se nós realmente encontrarmos o mineral, eu gostava de tirar uma fotografia para o meu filhote… Rodrigo… Essa tua cabeça funciona mesmo!! Ah ah ah ah!

Leo deu por si a pensar no seu filho, Juca. Lembrou-se de como ele adorava pedras brilhantes, coleccionando qualquer pedrinha que encontrava nos passeios. Por um instante, Leo quase desejou que o diamante arco-íris não existisse - que tudo não passasse de uma lenda. Assim, poderia voltar para casa são e salvo. 

- “Voltar para casa são e salvo...” - pensou Leo, com um aperto no peito. 

A última coisa que queria era que Juca crescesse sem pai - sem as histórias, sem as brincadeiras, sem os conselhos atrapalhados. A saudade apertou, mas logo sacudiu o pensamento, tentando focar-se no que estava por vir. O que andaria o “menino dos seus olhos” a fazer?

*Algures no Universo da Narrativa, naquele preciso momento…*

Na penumbra de uma viela, Eyden Sandiego esperava. O luar mal iluminava as paredes húmidas, e o silêncio pesava no ar, interrompido apenas pelo gotejar distante da chuva acumulada nas calhas.

- Duvidavas que eu viria?

Uma voz surgiu das Sombras, sibilante como uma serpente. A figura feminina aproximou-se, envolta num manto escuro que mal deixava entrever os traços do rosto.

Eyden cruzou os braços, tentando esconder a inquietação.

- Honestamente? Eu começo a duvidar de muitas coisas... Mas… Tu disseste que eu teria o que quero. Então, sou todo ouvidos.

A mulher riu, um som frio e cortante.

- E terás. Desde que continues a seguir o Plano. Tudo está a desenrolar-se como devia. As peças estão a encaixar-se... Inclusive tu.

Eyden bufou e sentiu uma pontada no peito. Desde que tivera um sonho estranho sobre a Luz, já não sabia bem qual o lado que deveria seguir. Queria realizar os seus sonhos, mas também não queria prejudicar ninguém… Pelo menos, não muito.

- E o miúdo? - perguntou, tentando manter firmeza na voz.

- Ele irá até El Callao. Será irresistível para ele, como um doce diante de uma criança. Confia em mim.

Eyden estreitou os olhos. 

- Juán... Tens a certeza de que ele é confiável?

A misteriosa mulher girou a cabeça, levemente.

- Ele não tem escolha. 

A resposta foi duram fria e cortante. Eyden sentiu-se como se lhe tivesse colocado uma lâmina no pescoço. Naquele momento, ele hesitou. Uma lembrança breve surgiu na sua mente: a noite do sonho, quando a Luz lhe falou sobre Destino e Escolhas. Entre ir para a equipa dos bons ou manter-se no grupo dos vilões. Ele sentia-se dividido, como se uma parte dele quisesse abandonar tudo e salvar os protagonistas. Moveu-se, desconfortável. 

O vento sussurrava segredos entre as paredes estreitas da viela, levantando folhas mortas que dançavam como espíritos inquietos. Eyden sentia um arrepio rastejar-lhe pela espinha. Não gostava de se sentir um peão num jogo maior, mas era impossível negar que algo dentro de si queimava de curiosidade.

A mulher de negro inclinou ligeiramente a cabeça, como se o estudasse.

- Tens medo, Eyden?

Ele crispou os lábios.

- O medo mantém-nos vivos. O que me preocupa é o que não me estás a contar. Não gosto de sentir que estou a ser usado.

A mulher riu-se de novo, cruel, um som que lembrava vidros a estalar sob uma bota pesada.

- Existem verdades que esperam séculos para emergirem. E há segredos que desafiam até mesmo o Tempo... Segredos que tu, simplesmente, não deves conhecer... Ainda. Aceita a Realidade, Eyden: o Caos não se curva, e o Destino já se ajoelhou perante mim. Não há força no Universo capaz de mudar o que eu decidi...

Eyden sentiu o sangue gelar nas veias. Que espécie de força seria capaz de subjugar até o Destino? Como alguém poderia desafiar o Caos e sobreviver? A resposta estava ali, diante dele, com olhos que pareciam enxergar além da realidade. E mesmo assim, o orgulho impedia-o de se ajoelhar perante ela.

- E Juán? - insistiu, com a voz mais firme.

A mulher girou ligeiramente sobre os calcanhares, como uma sombra que se alonga à luz da lua.

- Juán acredita naquilo que precisa acreditar.

Eyden não gostou da resposta. A incerteza corroía-lhe o peito, apertando-lhe o estômago como uma mão invisível. O suor começava a formar-se na sua testa, e um tremor discreto percorreu-lhe os dedos. Tinha consciência de que estava a trilhar um caminho perigoso, mas, ao mesmo tempo, uma estranha atração pelo desconhecido pulsava dentro dele. O medo e o fascínio duelavam no seu íntimo, deixando-o num limbo inquietante. Estaria a vender a sua alma sem sequer perceber? 

Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, a mulher virou-se e começou a afastar-se, o manto esvoaçando ao redor dela como fumo negro dissolvendo-se no vento. 

- Aguarda e vê, Eyden. O desfecho está mais próximo do que pensas.

E assim, sem sequer um som, ela desapareceu nas sombras, como se nunca tivesse estado ali.

Eyden permaneceu ali, com os punhos cerrados e o coração acelerado. As palavras dela permaneciam no ar, colando-se a ele como um manto invisível de incerteza. Na sua mente, a dúvida era uma fera que roía as suas entranhas, dilacerando cada pedaço de coragem que ele tentava manter. Suspirou, olhando para o céu. As nuvens moviam-se lentamente, como se o próprio Universo estivesse a preparar-se para algo grandioso. O receio de estar a cair numa armadilha crescia a olhos vistos, mas a atracção pelo perigo e pelo Desconhecido era mais forte. No fundo, ele sabia que já estava envolvido demais para recuar. Mas… Ainda tinha uma derradeira oportunidade para se redimir.

- Que venha o espectáculo… Mas não vou cair sem lutar!! - murmurou para si mesmo, decidido a enfrentar o que viesse.


[Continua...]

13 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 24

 


Capítulo 24


*NT, 21 de Janeiro de 2024*


O quarto estava mergulhado numa penumbra azulada, a luz do amanhecer filtrada pelas cortinas de linho. Leo abriu os olhos devagar, como se despertasse de um coma. A camisa estava encharcada em suor, colada ao peito, e os dedos tremiam ao tocar o lençol. A respiração ofegante ecoava no silêncio, enquanto fragmentos daquilo que acabara de sonhar aglutinavam-se na sua mente como cacos de vidro: Lauriel, Nicolás, Arcanus... O Universo da Narrativa... Um portal. Um aviso.

Engoliu em seco, sentindo o gosto metálico do medo na língua.

- Foi só um pesadelo... - sussurrou, esfregando os olhos até ver estrelas.

Mas algo doía nele.

Uma pontada no plexo solar insistia:

- “Isso não foi só um sonho!

Uma voz familiar ecoou na mente de Leo:

- “Não importa o que aconteça, Leo. Eu estou aqui. E sempre estarei! Para Além Do… Para Sempre!

No chão, próximo à cama, uma pena dourada brilhava sob a luz fraca. Leo esticou a mão, hesitante. A pena desfez-se em pó antes que ele lhe tocasse, deixando apenas um rasto de cinzas no ar.

- Alucinações… - murmurou, levantando-se com esforço.

No espelho acima da cómoda, o seu reflexo encarou-o: olhos injectados, cabelos despenteados, uma subtil cicatriz no queixo, mais visível do que nunca. Como se tivesse lutado contra algo... Ou fugido de alguém.

Ao abrir a porta, Leo quase colidiu com Rodrigo. Este estava parado no corredor, a mão suspensa no ar, prestes a bater na porta. Os seus olhos, normalmente tão controlados, estavam dilatados, e a pele pálida sob a barba por fazer.

Leo tentou quebrar o silêncio, mas a voz falhou.

- Tu também...?

Rodrigo apertou os lábios, os dedos fechando-se em punho, a tensão percorrendo-lhe os ombros.

- Também o quê, caralho? - respondeu, mais ríspido do que o habitual.

Leo hesitou, engolindo o receio.

- Sonhaste... Com... Aquilo?

Rodrigo desviou o olhar, um músculo pulsando na mandíbula. Em vez de responder, passou por Leo sem dizer nada, como se o peso da pergunta fosse demasiado para lidar naquela manhã.

Do andar de baixo, o aroma de café fresco subiu, envolvendo-os. Doña Bárbara chamou, docemente:

- ¡Muchachos! ¡El desayuno está listo!

Rodrigo murmurou algo ininteligível e desceu as escadas, enquanto Leo ficou parado por um momento, tentando processar a inquietação que pairava no ar.

A sala de jantar era um contraste grotesco com o turbilhão interno de Leo. Luz solar dourada inundava a mesa posta com loiças de porcelana, frutas tropicais dispostas como jóias e suco de maracujá em taças de cristal. Don Diego mastigava uma torrada com geleia, os olhos cravados em Leo como um falcão à espreita.

- ¿Durmió bien, señor Leo? - perguntou Doña Bárbara, servindo-lhe um pedaço de mamão.

- Oh, sim! Obrigado! - mentiu Leo, forçando um sorriso, embora o suor escorresse-lhe pela coluna.

- Hoje é um dia especial! - anunciou Don Diego, erguendo a xícara. - Vamos mostrar-lhes o coração de El Callao: nuestras minas!

A faca de Rodrigo tilintou contra o prato, e Leo notou o olhar que os anfitriões trocaram, como se soubessem mais do que deixavam transparecer.

- Finalmente vamos ver as vossas minas? - repetiu Rodrigo, a voz neutra, mas os olhos atentos.

- Sí. Diamantes raros, únicos... Alguns até brilham como o arco-íris! - disse Doña Bárbara, sorrindo de forma quase ensaiada, dentes perfeitos demais para serem reais.

Leo sentiu um arrepio na espinha e lançou um olhar discreto para Rodrigo, que retribuiu com um levantar de sobrancelha quase imperceptível: algo estava errado. A mesma suspeita pulsava entre eles: Era uma armadilha.

Leo sussurrou rapidamente:

- É melhor comeres algo… Afinal, não sabemos quando voltamos a meter algo pela goela abaixo! Ao descer as escadas, a Lúcia comentou que os homens do Don Diego não tardam a chegar para nos acompanharem à mina!

- Força, come por mim! Não me apetece comer nada! Vou tomar um banho, a ver se esta neura me passa! - rematou Rodrigo, virando costas.  

Assim que este ficou sozinho, pensamentos ardentes invadiram-no. Uma mistura de desejos, sonhos, vontades loucas… Os pensamentos faziam-no percorrer o corpo daquela misteriosa mulher que ele observara na noite anterior. De repente, eis que alguém entra no quarto de Rodrigo. 

Era Lúcia. 

Ela era uma mulher de espírito indomável, uma verdadeira guerreira na forma como enfrentava a vida. Nada nela era morno ou previsível. Tinha fogo no olhar, uma determinação inquebrantável e um jeito de falar que desarmava qualquer um. Quando queria algo, ia até ao fim, e agora os seus olhos estavam postos em Rodrigo.

Os seus longos cabelos castanhos desciam em ondas suaves pelas costas, como uma promessa de caos e desejo. A pele dourada pelo sol carregava um brilho natural, realçado pelo toque de perfumes discretos, mas marcantes. O sorriso dela era uma armadilha - ora doce, ora malicioso, um sorriso capaz de fazer Rodrigo perder o fôlego sem que ela precisasse de tocar nele.

Havia uma tensão inevitável entre os dois, um jogo perigoso que se intensificava a cada troca de olhares, a cada palavra dita com segundas intenções. Lúcia não era mulher de esperar que as coisas acontecessem; ela fazia as coisas acontecerem. E quando finalmente cruzou a linha entre a provocação e a acção, o mundo pareceu parar.

Os dedos dela traçaram o contorno do rosto de Rodrigo antes que ele pudesse sequer reagir. O calor da sua pele encontrou a dele, e a proximidade tornou o ar rarefeito. Era inevitável. Quando os lábios de ambos se encontraram, não houve hesitação, apenas o choque eléctrico de duas forças que se reconheciam e se consumiam. Lúcia queria sentir tudo - o desejo, o perigo, a promessa silenciosa de que nada seria igual depois daquele encontro. E Rodrigo, mesmo sabendo que poderia perder-se nela, não queria parar. Rapidamente ele percebeu que a mulher que tinha visto na noite anterior era Lúcia. Esta colocou um dedo nos lábios dele e encaminhou-o para debaixo do chuveiro, à medida que o despia.

Rodrigo sentia-se mero espectadora daquela cena, em êxtase! Definitivamente, aquilo melhoraria o seu humor!

A água quente escorria pelo corpo de Rodrigo, mas o calor que o consumia não vinha apenas do vapor que embaçava o espelho. Lúcia estava ali, diante dele, com aquele olhar de predadora que lhe roubava o fôlego. Sem dizer uma única palavra, ela deslizava os dedos molhados sobre o peito dele, desenhando caminhos invisíveis na pele arrepiada. Rodrigo sentiu cada toque como um incêndio a alastrar-se pelo seu corpo.

Os lábios de Lúcia encontraram a curva do pescoço dele, depositando beijos húmidos e quentes que o fizeram prender a respiração. O perfume dela, misturado com o vapor do chuveiro, invadia os sentidos de Rodrigo, deixando-o tonto, completamente entregue ao momento. As mãos dela percorriam os ombros dele, descendo pelas costas, explorando cada músculo tenso, cada detalhe da sua pele quente.

Rodrigo deslizou as mãos até à cintura de Lúcia, puxando-a para mais perto, sentindo o calor dos seus corpos colidirem! A água caía sobre eles como uma tempestade abençoando aquele encontro proibido. Lúcia arqueou o corpo contra o dele, pressionando-se sem medo, sem hesitação. Ele sentiu a suavidade e a firmeza dela, um contraste viciante que lhe despertava os instintos mais primitivos.

Os lábios dela encontraram os dele com urgência, e o beijo foi avassalador. Línguas que se procuravam, dentes que mordiscavam com desejo e provocações silenciosas. As mãos de Rodrigo apertavam a cintura de Lúcia, explorando, memorizando cada curva. Os gemidos abafados misturavam-se ao som da água caindo, tornando o ambiente ainda mais intoxicante.

Lúcia pressionou Rodrigo contra a parede fria do chuveiro, deslizando as unhas pelo abdómen dele, arrancando-lhe um suspiro rouco. Os olhos dela brilhavam de prazer e desafio, um convite para que ele tomasse o controle do jogo. E Rodrigo não precisava de mais nada. Ele girou o corpo, prendendo-a contra os azulejos, os olhos cravados nos dela, intensos, famintos.

- Quero sentir tudo em ti... - murmurou ele, a voz rouca de desejo.

Lúcia sorriu, aquele sorriso malicioso que lhe prometia mundos e pecados. Ela enlaçou as pernas ao redor da cintura dele, os corpos encaixando-se como se sempre pertencessem um ao outro. As mãos dele deslizaram pelas coxas dela, subindo, apertando, arrancando-lhe suspiros e arrepios.

O mundo desapareceu. Não havia mais nada além do calor sufocante entre eles, da pele contra pele, dos beijos molhados e das mãos que exploravam cada centímetro um do outro. Rodrigo e Lúcia entregaram-se sem reservas, sem medo, como se aquele momento fosse a última chance de existirem juntos.

A cada movimento, a cada gemido abafado, o desejo entre eles atingia novos picos, elevando-se até um clímax inevitável. E quando finalmente se perderam um no outro, quando o prazer os tomou por completo, Rodrigo soube que Lúcia não seria apenas mais um nome na sua vida.

Ela era uma tempestade. E ele não queria escapar.


[Continua...]

1 de maio de 2025

Previsão Astrológica para o mês de Maio

Olá lindos,

Muita coisa tem acontecido na minha vida ultimamente - um destes dias, se eu lá chegar - com mais tempo e vagar, eu partilho tudo. Entretanto, fiquem com as previsões astrológicas para o mês de Maio!

Cuidem-se, protejam-se, e... 
Preparem-se. 
Desta vez vai mesmo acontecer

Que Deus vos abençoe a todos.