30 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 34

 Capítulo 34

*No Coração da Mina, onde a Realidade começava a dissolver-se...*

A temperatura descia a cada passo, mas não era frio comum - era uma ausência de Tempo, de Forma, de Certeza. Lauriel e Nicolás avançavam, lado a lado, em direcção ao Centro Cristalino onde o Olho de Hórus cintilava, suspenso num Vórtice de Energia Viva.

As Runas brilhavam em Azul e Dourado, formando padrões que apenas a Alma conseguia ler. Aion, ainda num Estado Latente, pulsava suavemente no Centro do Diamante Maior, como se estivesse prestes a nascer de novo.

Lauriel parou subitamente.

- Este é o Último Véu - sussurrou. - A partir daqui… Nada poderá ser apagado!

Nicolás passou à frente dela, firme. Os ombros, outrora inclinados pela dúvida, estavam agora erguidos. A sua energia não era mais apenas de contemplação - Era de decisão.

- Então é aqui que a história muda - disse, com voz grave. - Não vou esperar que seja outro a fazer o que precisa de ser feito. Já assisti demais. Agora é a minha vez de agir! Em nome do meu pai, o deus Hórus! Em nome do Amor Maior, o Amor de Hórus e Mikel!

Fechou os olhos por um instante. O rosto de Leo surgiu-lhe na mente: apesar de ter estado apenas algumas horas com Leo, reconheceu os olhos que sorriam mesmo quando o Mundo era duro, as mãos calejadas pela Terra, fruto das suas aventuras em minas do Mundo inteiro, o cheiro das tardes quentes da aldeia onde se cruzaram.

- Se ele ainda estiver vivo, vou encontrá-lo. Se não estiver… Vou fazer com que o sacrifício dele tenha valido a pena. Assim como o meu pai fez pelo Mikel. Por ele. Por mim. Por todos nós. Pelo que ainda pode nascer daqui!

Lauriel fitou-o com respeito renovado. Pela primeira vez na vida, não via em Nicolás apenas um canal ou discípulo. Via um igual. Um Guardião da Nova Luz! Um Sombras da Luz!

A parede de energia à frente deles oscilava como um Espelho Líquido. Nicolás foi o primeiro a aproximar-se. Estendeu a mão. Ao tocar a superfície, esta brilhou - e separou-o de Lauriel, arrastando-o para o Interior do seu próprio Véu.

*Do outro lado da mina, num túnel instável...*

Doña Bárbara, González e Leo avançavam. Sparky tinha desaparecido, depois de escutar a mensagem telepática. Leo tropeça numa rocha, e o tecto de rocha começa a ruir. González, atrás dele, vê o perigo iminente.

- Leo, salta! - grita.

Leo hesita, mas González empurra-o com força, atirando-se sobre ele no último segundo.

CADABOUUUUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMMMM!!!!

Um estrondo. 

Poeira. 

Silêncio.

Quando Leo se levanta, tonto, coberto de pó e sangue seco, ouve um som abafado. Vira-se. Vê apenas o braço de González entre os escombros - o resto do corpo soterrado sob toneladas de pedra.

- González?! - grita, ajoelhando-se ao lado. - Não! Espera! Vamos tirar-te daí! Vamos... Vamos...

- Vai… Termina o que começámos… E sê melhor do que eu fui. 

Estas foram as últimas palavras proferidas, num sussurro rouco.

Leo tenta afastar pedras, mas elas estão coladas umas às outras como se a própria mina as tivesse selado. Ele grita. Soca a parede. Bate com os punhos até sangrar.

- Filho da mãe... Porquê tu?! - grita, com a voz embargada. - Não eras tu! Era eu quem devia...!

Sparky aparece e aproxima-se devagar, uivando baixo, sentindo a despedida.

Leo permanece ali, em silêncio, por instantes que parecem horas. O seu rosto endurece. As lágrimas caem, mas os olhos queimam com um novo tipo de fogo.

Ele levanta-se. Vira-se lentamente para Doña Bárbara.

- Vamos. Ele morreu por algo maior. E eu não vou desperdiçar isso.

Doña Bárbara apenas assentiu, com os olhos semicerrados, sem disfarçar a dor. O som dos cristais ao redor deles pulsava em tons escuros, como se a mina também chorasse. Mas dentro de Doña Bárbara, não havia lágrimas. Só uma ferida que nunca deixaria sarar. Perder um leal é mais cruel do que perder um amor - porque os leais nunca nos deixam, mesmo quando partem.

Leo seguia com Doña Bárbara, mais calado que o habitual. O silêncio entre eles não era hostil, mas carregava o peso de algo que ainda não tinha sido dito. Sparky caminhava adiante, farejando caminhos invisíveis.

- Estás estranho - comentou Bárbara. - Desde que González… - calou-se por um instante. - Ele foi um bom homem.

- Ele morreu por minha causa - disse Leo, abruptamente.

Doña Bárbara parou, olhando-o com firmeza.

- Não. Ele morreu para que tu vivesses. Usa isso como honra, não como peso.

Um cristal à frente deles estalou, revelando um símbolo: o símbolo da Mentira Desfeita.

- Estamos a entrar na zona onde nada pode ser escondido - disse ela. - Prepara-te. A partir daqui, nem a verdade se esconde atrás da dor.

*No exterior do labirinto…*

Juca e Juán caminhavam agora ao lado de Don Alfonso, que os guiava por um novo plano: uma galeria ancestral onde os nomes dos Antigos Portadores estavam inscritos em luz viva. As paredes pulsavam suavemente, como se respirassem - como se reconhecessem a juventude que ali chegava agora à beira da maturidade.

- Este é o Teste da Escolha - explicou Don Alfonso, com a voz serena como um sino antigo. - Aqui, não vencerão o medo. Vencerão a ilusão de que há apenas um caminho.

No centro da sala, três portais erguiam-se como sentinelas de cristal:

Um feito de fogo e espinhos, que crepitava como o desejo contido.

Um feito de gelo e vidro, frio e translúcido como as emoções não ditas.

Um feito de luz dourada… Mas oco, sem qualquer sensação - uma promessa vazia de perfeição.

- Cada portal leva-vos a um fragmento de vocês mesmos - disse Don Alfonso. - Nenhum é o certo. Todos são válidos. Mas só um, vos devolverá aqui… Transformados.

Juán aproximou-se do portal de gelo. O frio cortava-lhe a pele, mas os olhos não desviavam.

- Sempre fugi da dor - murmurou. - Talvez seja tempo de atravessá-la. De frente. Sem disfarces.

Juca, por sua vez, caminhou até ao portal de fogo. Sentiu o calor puxar-lhe as memórias, os desejos, os medos escondidos no corpo.

- Talvez seja tempo de sentir tudo… E não queimar. De deixar queimar só o que já não serve.

Eles olharam um para o outro. A ligação entre eles era feita de muitas coisas: carinho, impulso, espelho e desafio. Mas agora era clara.

- Amigos? - disse Juán, a voz embargada, mas firme.

- Para sempre - respondeu Juca, e os olhos dele brilhavam com algo novo. Não amor romântico. Mas amor verdadeiro.

E então, com um último olhar de respeito mútuo, entraram. E desapareceram.

*A Consciência da Mina falou…*

- “Todos foram convocados para este lugar com um propósito. 

Mas só os que forem Verdade… Serão Luz. 

O Arco-Íris não nasce da cor - nasce da Fractura. 

Quando tudo se quebra, a Luz revela-se inteira.


*Em outro plano, no Universo da Narrativa…*

Arcanus observava o Olho de Hórus a girar com um misto de fascínio e fúria. As páginas flutuantes da sua biblioteca cósmica tremiam, como se o próprio Tecido da Criação estivesse a reagir àquilo que ele não conseguia mais controlar.

Eyden, sentado num trono desleixado feito de tinta derramada e palavras rasuradas, ria-se baixinho.

- Olha para ti, velho escriba… Achavas mesmo que podias reescrever o Destino e controlar todos os portadores da Luz?

Arcanus apertava a Pena Dourada na mão, mas esta recusava-se a escrever.

- Eles estão a escapar-me - murmurou. - A Narrativa... Deixou de me obedecer. Está a tornar-se… Autónoma.

Eyden inclinou-se para a frente, com os olhos a brilhar de malícia.

- Não é que deixaste de escrever, Arcanus. É que já não te querem como Escritor.

Arcanus virou-se lentamente para o Infinito Espelho à sua frente. No reflexo, não via mais a figura imponente do Criador. Via apenas um homem... Um homem fragmentado entre o Poder e o Medo.

- Talvez… Talvez este sempre tenha sido o meu teste - sussurrou. - Ser digno… De deixar ir.

*Nas minas…*

As paredes tremiam. O Olho de Hórus começava a girar lentamente, como se despertasse.

Nicolás estava diante de uma figura que tinha o seu rosto… Mas os olhos de Eyden. O reflexo sorria, carregado de um sarcasmo velho como o Caos.

- Sabes que, no fundo, sempre quiseste mais do que ser um canal. Quiseste escrever a tua versão da história. Ser o centro. O Criador.

Nicolás ergueu o queixo. Havia firmeza nos olhos, mas sem rigidez. Ele já não era um discípulo. Era um Mestre de si mesmo.

- Todos querem ser ouvidos. Mas poucos querem escutar. Eu escutei. Aprendi. Agora, é tempo de agir.

O reflexo ergueu uma pena negra.

- Então… Escreve. Mas escreve com a tua Essência. Sem te esconderes atrás do Amor, do Medo ou da Memória.

Nicolás estendeu a mão e a pena brilhou - mas não era negra, era translúcida, feita da mesma luz que corria nas veias da mina. Ele escreveu no ar, e as palavras flutuaram como chamas:

Eu sou o portador da história que não me pertence.

Eu aceito ser ponte, mesmo que nunca chegue do outro lado.

Eu guio, mesmo que não me sigam.

Eu ilumino, mesmo que me consuma.

Porque a Luz… 

… Não espera ser compreendida. 

Apenas revelada.

O reflexo desapareceu, como pó que regressa à origem. E Nicolás atravessou o véu com o coração em chamas - não de saudade, mas de missão.

Lauriel, por sua vez, enfrentava a sua mãe - uma visão espectral feita de poeira e hieróglifos vivos. Ela falava com a voz do Passado:

- A tua luz só brilha porque escondes a tua sombra, filha.

Lauriel sorriu, mas os olhos ardiam.

- A minha luz brilha porque fiz as pazes com ela. E tu, mãe? Foste inteira, ou apenas perfeita?

A imagem vacilou. E Lauriel avançou, fundindo Luz e Sombra num só passo. 

Quando atravessou o Véu, já não era apenas uma Sacerdotisa - era uma Guardiã Ancestral reencarnada. A sua aura expandia-se, como se todas as memórias das suas vidas passadas se unissem num só ponto. O Tempo já não a dividia.

O Olho de Hórus abriu-se por completo.

Luz arco-íris irrompeu do núcleo da mina, subindo em espiral até aos Planos Invisíveis da Realidade. E Aion, pela primeira vez desde o colapso… 

…Ergueu o olhar e respirou. 

E então, o silêncio tornou-se prenúncio. 

Porque a Luz ia falar. 

Mas não ainda.


[Continua...]

29 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 33

 Capítulo 33

*Nas entranhas da mina…*

O som dos seus passos era engolido pela vastidão escura. O ar era denso, cortante, quase irrespirável. Os cristais âmbar davam uma luz ténue, mas nada reconfortante. Leo limpava o suor da testa com o antebraço sujo de terra, enquanto González seguia como um cão de guarda silencioso.

- Estes cristais... - murmurou Leo. - Eles estão a reagir à nossa presença. Não sei como, mas estão.

Doña Bárbara ajoelhou-se diante de uma formação mais brilhante. Observou-a com um olhar clínico, mas os olhos dela pareciam brilhar mais do que simples ambição. Talvez... Reverência?

- Isto não são simples pedras - disse, pensativa. - São receptores. Sentem os nossos desejos, as nossas intenções. Se formos fracos, devolvem-nos o medo. Se formos firmes, abrem os caminhos.

González, desconfiado, passou a mão pela parede coberta de Runas parcialmente ocultas pela poeira. Ao tocá-las, um leve brilho percorreu a superfície.

- Alguém esteve aqui antes. Alguém... Que não queria ser encontrado!

Doña Bárbara ergueu-se com um sorriso duro.

- Ou que não queria ser seguido. Continuemos. E atenção: a mina tem ouvidos! E nem tudo o que nos persegue aqui é humano!

*Entretanto, noutro sector da mina...*

Rodrigo e Lúcia caminhavam lado a lado, em silêncio. A lanterna já dava sinais de fraqueza. O peso da revelação ainda pairava entre eles como um espectro invisível.

- Quando sairmos daqui... - começou Lúcia, com a voz baixa - …Não vamos voltar a falar disso, pois não?

Rodrigo parou. Queria dizer algo. Mas tudo parecia errado.

- Vais seguir a tua vida, eu seguirei a minha. - completou ela. - Mas, por favor... Protege-me até lá fora!

Rodrigo assentiu em silêncio. 

Antes de retomarem a marcha, ele tirou do bolso um lenço dobrado - antigo, com as iniciais de Lúcia bordadas a fio dourado. Ela deixara-o no seu quarto. Devolveu-lho sem dizer uma palavra. Ela recebeu-o com os olhos a brilhar e o gesto emocionou-a. Uma promessa muda de que, mesmo magoado, ele continuava a protegê-la.

*No Labirinto do Vale...*

O ar dentro da névoa parecia denso, como se respirassem memórias. Juán e Juca andavam lado a lado, mas a cada passo, o caminho distanciava-os de tudo o que conheciam.

- Isto... Não é um labirinto comum! - disse Juán. - Acho que estamos dentro de nós mesmos!

As paredes vivas do labirinto tremeluziram. Ecos de risos, gritos e sussurros ressoavam como vindos do Passado. À frente, o caminho dividia-se em dois.

- Temos de nos separar. - disse Juán, com um pesar evidente. - Este teste é pessoal.

Juca hesitou, mas sabia que era verdade. Abraçaram-se brevemente, e cada um seguiu por um corredor distinto.

Juca caminhou por entre formas que se transformavam à medida que se aproximava. Viu a imagem do pai. A mãe. O seu primeiro medo. A sua maior vergonha.

Juán, por outro lado, enfrentava imagens do Futuro: ele mesmo a envelhecer, sozinho, derrotado. Viu Juca a desaparecer, e uma voz que sibilava: 

- “Não és digno de o amar! Não és digno de amar ninguém!

Ambos caminhavam de cabeça erguida, mas com os corações apertados. Tinham que atravessar o labirinto inteiro... Se quisessem reencontrar-se.

*Na câmara central...*

Lauriel e Nicolás avançavam com cuidado após o confronto com a figura encapuzada. O diamante irradiava agora uma luz suave e reconfortante.

- Aion está a acordar. - sussurrou Lauriel. - Mas o Tempo está contra nós!

Ao longe, sentiram o tremor de uma nova ameaça. Algo se mexia no subsolo, uma força antiga, talvez anterior à própria narrativa!

- Há outros aqui dentro - disse Nicolás, cerrando os punhos. - E nem todos são aliados!

Lauriel levou as mãos ao peito e murmurou:

- Que a Luz da Matriz nos guie. Que o Equilíbrio nos sustente. O Próximo Véu será o mais difícil de atravessar!

*Nas profundezas do Coração da Mina...*

Doña Bárbara deteve o grupo bruscamente. Os cristais âmbar piscaram em tons escuros - sinal de que algo ou alguém estava a interferir com a vibração da mina.

- Está aqui alguém... - disse, com os olhos semicerrados. - E não é um estranho.

De repente, surgiu Sparky - um majestoso leopardo-das-neves, de pelagem branca salpicada de manchas negras, como se fosse feito de neve e sombra. Os seus olhos, de um azul glacial, brilhavam com inteligência selvagem e uma força ancestral. 

Movia-se com a leveza de um fantasma, mas cada passo deixava claro que era uma criatura de poder letal. Havia algo de mágico nele, como se não pertencesse totalmente a este mundo - um Guardião Antigo, feroz e leal, cuja presença impunha respeito e admiração. 

Doña Bárbara tinha-o adquirido ainda em criança e ele ficará responsável pela protecção do Coração da Mina. Ele apareceu vindo de um dos túneis e embora estivesse feliz por rever a sua dona, ele rosnava baixinho, enquanto farejava o ar carregado de memória antiga. Um vulto emergiu da sombra à frente, coberto de poeira e vestes rasgadas.

- Noooo! Não é possível…! Diego...! - sibilou Doña Bárbara, gelada como gelo de Obsidiana.

Don Diego, suado, arfante, trazia um pedaço de pergaminho antigo na mão. Tentou parecer confiante.

- Eu… Eu estava a proteger-te, Bárbara. O desmoronamento foi um... Acidente controlado!

Ela aproximou-se lentamente, com o som das botas a ecoar como batimentos de fúria.

- Mentiroso. Tu sabias! Tentaste soterrar-me! A mim! E tudo isso para que eu não descobrisse os teus negócios! Eu já desconfiava… Tu andas a vender as rotas internas da mina... Estás a trocar diamantes por algo!

Don Diego hesitou. E pela primeira vez, deixou cair a máscara. Os olhos marejaram.

- Eu… Fiz isso por medo. Não do Caos. Mas de te perder. Sempre foste mais forte do que eu, Bárbara. A mina reconheceu-te. A Luz escolheu-te. E eu… Fiquei para trás. Senti-me pequeno. Irrelevante. E então... Vendi rotas, fiz alianças com quem nunca deveria ter confiado. Acreditei que te estava a proteger - mas no fundo, eu queria que precisasses de mim. Nem que fosse como vilão.

Ela parou. Uma breve oscilação passou-lhe pelos olhos. Memórias antigas: o Diego dos tempos de juventude, o primeiro beijo roubado na caverna junto ao lago, as promessas no escuro. Depois, o silêncio. A ambição. O medo.

- Perdeste o direito de dizer “nós” - murmurou. - Mas nunca deixaste de ser frágil.

Sparky rugiu como um trovão nevado e empurrou Don Diego contra a parede. A garra afiada pressionava-lhe o pescoço.

- Se tivesse sido só medo... Eu perdoava-te - continuou Bárbara, com voz baixa. - Mas mentiste. E usaste a mina como arma.

Com um gesto firme, Sparky puxou de um cristal escuro que trazia ao pescoço - o mesmo usado nos rituais do Juízo Ancestral. Tocou no peito de Don Diego. A mina tremeu. Reconhecera a traição.

Don Diego gritou, mas não resistiu. Não lutou. Apenas fechou os olhos e deixou-se ir. A câmara engoliu-o num rugido de pedra viva.

Sparky voltou para junto de Bárbara. Ela acariciou-lhe as orelhas.

- Obrigada, meu amor. És uma boa criatura. Agora… Vamos terminar isto.

*No Labirinto da Reflexão…*

Juca seguia por uma passagem feita de espelhos. Cada reflexo mostrava versões de si: mais velho, mais frágil, mais cruel. Era difícil distinguir o Real da Ilusão. Ao seu lado, uma figura surgiu - Don Alfonso, envolto num manto branco, com os olhos a brilhar com uma luz serena.

- A Luz Verdadeira reconhece a sua Sombra. - declarou Don Alfonso. - Estás disposto a ver quem poderias ser… E ainda assim, escolher o que és?

Juca engoliu em seco.

- Se for preciso. Mesmo com medo!

Don Alfonso abriu os braços. Um feixe de luz atravessou o tecto do labirinto, revelando um altar circular. No centro, uma chama azul dançava.

- Apaga esta chama - ordenou. - Mas fá-lo com um sopro de Verdade. Só assim serás digno de sair daqui!

Juca aproximou-se. Lembrou-se dos momentos com Juán. Das mentiras que contou e que escutou. Dos sentimentos confusos. E sussurrou:

- Eu gostei dele. Mas não era Amor. Era Carência. E… Curiosidade.

A chama extinguiu-se. 

O labirinto abriu uma nova porta. Juca abriu-a e seguiu em frente. 

*No Núcleo Espiritual do Labirinto…*

Juán enfrentava um campo de sombras. Vozes familiares gritavam-lhe: 

- “És inútil. És fraco. Traíste os teus princípios.

Don Alfonso apareceu ao seu lado também.

- Queres provar que mudaste? Caminha através da tua própria Vergonha sem esconder o rosto!

Juán tirou a camisa. Percebeu rapidamente que teria de ficar totalmente nu. Sentiu-se vulnerável por instantes. No entanto, decidido, atravessou as Sombras, despido de Orgulho e revestido apenas da sua Intenção.

*Instantes depois, à saída do labirinto…*

Juca e Juán reencontram-se.

- Então... - disse Juca, quebrando o silêncio - Somos amigos, certo?

- Sim. - sorriu Juán, com lágrimas. - E isso, é mais do que suficiente!

*No Núcleo da Mina…*

A mina tremia. Como se estivesse a despertar. Os cristais pulsavam em sequência, como se um batimento cardíaco começasse a ecoar nas Entranhas da Nova Terra.

A Consciência da Mina começava a manifestar-se. Uma voz antiga, feita de Pedra, Memória e Luz, falou nas mentes de todos os que ali estavam:

- “Aqueles que Desejam a Luz, devem provar que não a querem por Ambição. Aqueles que Enfrentam a Escuridão, devem reconhecer que ela Vive dentro deles. Só quem Caminha entre os Dois Reinos com Verdade, é digno de carregar o Brilho de Hórus.

A mensagem ecoou para todos - Bárbara, Leo, Rodrigo, Nicolás, Lúcia, Lauriel, González, Juca, Juán, Don Alfonso. A mina era o próprio Julgamento Divino.

*Momentos depois…*

Nicolás tocou no Diamante Abençoado, sentindo que parte da energia de Aion começava a recompor-se. Mas havia um pensamento que não o deixava.

- Leo... Estarás bem? - sussurrou. - Espero que ainda estejas entre nós.

Lauriel observava-o em silêncio. O irmão tinha-se tornado um espantoso canal.

- Se ele estiver em perigo, a mina vai mostrá-lo - disse ela. - Mas agora... Agora precisamos seguir em frente. O Derradeiro Véu está prestes a abrir-se!


[Continua...]

28 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 32

Capítulo 32

Dentro das minas, a escuridão era densa e a tensão crescia a cada passo. Lúcia e Rodrigo, separados do resto do grupo pela derrocada, caminhavam com cautela pelos túneis estreitos, iluminados apenas pela luz bruxuleante de uma lanterna velha que Rodrigo encontrara entre os destroços.

- Que merda... Estamos presos aqui! - murmurou Rodrigo, tentando manter a calma.

Lúcia olhou para ele com preocupação, tentando esconder o medo.

- Há sempre uma saída... - disse, tentando manter a esperança.

Enquanto avançavam, os ecos de vozes distantes reverberavam pelas paredes. De repente, Lúcia comentou, meio sem pensar:

- Nunca conheci o meu pai... A minha mãe sempre me disse que ele a deixou, antes de eu nascer. Ela vive na Suíça agora.

Rodrigo parou, como se tivesse levado um soco no estômago.

- Suíça? - perguntou, com a voz ligeiramente trémula.

- Sim. Ana. A minha mãe… Chama-se Ana Martins. Ela sempre me disse que o meu pai era um jovem aventureiro sem rumo, mas... Nunca contou muita coisa sobre ele. Ela partilhou que eles viveram algo bonito no Douro vinhateiro, os pais dela não gostaram quando descobriram e depois ele desapareceu. 

Rodrigo sentiu o mundo girar. Ana. Suíça. Vinte e dois anos atrás... A lembrança veio com a força de um trovão. A mulher com quem passara um Verão intenso e inesquecível antes de… Antes de Ana partir misteriosamente. Mais tarde Rodrigo viera a descobrir que Ana tinha ido para a Suíça, mas desconhecia porquê.

- Espera... - Rodrigo murmurou, virando-se para Lúcia. - Quantos anos tens?

- Vinte e um. - Lúcia respondeu, sem entender o motivo da pergunta.

Rodrigo deixou a lanterna cair, o coração acelerado.

- Oh meu Deus...! - sussurrou. - Ana Martins...? Se for quem eu penso… e as histórias batem certo… Eu... Eu conheci a tua mãe!

Lúcia franziu a testa, surpresa.

- Como assim?

- Há vinte e dois anos... Eu estava numa quinta, no Douro Vinhateiro... E vivi um amor com a mais linda mulher que já conheci na minha vida! Ela era uma mulher chamada Ana Martins... Ela... Desapareceu misteriosamente. Ela nunca disse que estava grávida.

Os olhos de Lúcia arregalaram-se enquanto a ficha caía.

- Não... O Rodrigo está a dizer… Está a dizer que... Você é o meu pai?!

Rodrigo não conseguiu responder. Um turbilhão de emoções colidiu dentro dele, e lágrimas brotaram nos seus olhos. À medida que olhava com mais atenção para Lúcia, ia percebendo cada vez mais semelhanças com aquela mulher que um dia arrebatara o seu coração!

- Acho que sim... - murmurou, tocando o rosto de Lúcia com cuidado. - Eu... Eu nunca soube! Perdoa-me!

Os dois abraçaram-se, sentindo um alívio inesperado misturado à confusão! Afinal, algum tempo antes, tinham-se envolvido no quarto de Rodrigo!

Lúcia sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha enquanto as palavras de Rodrigo se assentavam na sua mente como pedras pesadas. O rosto dele estava contorcido numa expressão de dor e arrependimento, e os olhos marejados reflectiam o turbilhão de sentimentos que o consumia.

Não...! - recuou, como se fugisse da verdade.

Rodrigo esfregou as mãos no rosto, tentando processar o que acabara de descobrir.

- Eu... Eu nunca soube... - balbuciou, num tom quase inaudível. - Ana... Ela nunca me contou... Ela desapareceu, antes de eu sequer imaginar...

Lúcia cruzou os braços, sentindo uma náusea inesperada. A revelação atingira-a como uma avalanche, esmagando todas as certezas que carregava consigo. Sentia-se suja, traída pelo Destino, incapaz de olhar para Rodrigo sem sentir um nó na garganta.

- Tu... Tu és o meu pai? - repetiu, a voz embargada, como se esperasse que ele negasse, que dissesse que era um engano.

Rodrigo assentiu, os olhos cravados no chão, incapaz de encará-la.

- Acho que sim... - murmurou. 

A voz falhava. 

- Eu... Não consigo acreditar...

O silêncio que se seguiu foi denso, sufocante. A mina parecia ainda mais estreita, como se as paredes se movessem para os esmagar. Lúcia segurou-se numa viga de madeira, respirando com dificuldade, enquanto a mente revivia os momentos em que estivera com Rodrigo, os toques, os beijos, os sussurros íntimos que agora soavam como uma profanação.

- Meu Deus... - sussurrou ela, deixando que as lágrimas corressem pelo rosto. - Eu... Estive contigo…

Rodrigo sentiu um arrepio gélido percorrer-lhe a espinha ao ouvir aquilo. A verdade era insuportável. Lúcia, a mulher que ele tanto admirara pela coragem e determinação, era sua filha! E ele, sem saber, permitira que algo inominável acontecesse entre eles!

- Eu não sabia... - repetiu, como se aquilo pudesse amenizar o horror que ambos sentiam. - Se eu soubesse... Nunca teria...

Lúcia apertou os braços contra o corpo, como se quisesse esconder-se da Realidade que agora os confrontava. O choro tornou-se mais intenso, e Rodrigo não sabia o que fazer. Aproximou-se, hesitante, querendo confortá-la, mas o peso da culpa esmagava-o.

- Lúcia... - tentou dizer, mas ela levantou a mão, pedindo que ele não falasse.

- Por favor... Não agora... - soluçou. - Só... Só deixa-me pensar...

Rodrigo assentiu, recuando, respeitando o espaço dela. Sentia-se enjoado, como se o chão sob os seus pés tivesse desaparecido. Queria encontrar as palavras certas, algo que pudesse ao menos aliviar o sofrimento que ambos partilhavam. Mas nada vinha. 

O Tempo parecia ter parado dentro daquela mina fria e escura. O som da respiração ofegante de Lúcia misturava-se com o eco distante de água a pingar. Rodrigo queria voltar atrás, impedir que tudo aquilo acontecesse, mas o Destino fora cruel.

De repente, Lúcia ergueu o rosto, os olhos vermelhos de tanto chorar.

- O que fazemos agora? - perguntou, a voz trémula.

Rodrigo balançou a cabeça, perdido.

- Não sei... - admitiu, com um suspiro pesado. - Mas... Vamos sair daqui primeiro. Temos que sobreviver... Depois... Depois vemos como lidar com isso.

Lúcia assentiu, tentando recompor-se. Mesmo que o choque não tivesse passado, precisava de encontrar forças para continuar. O perigo ainda os cercava, e morrer ali não resolveria nada.

Rodrigo estendeu-lhe a mão, hesitante. Por um instante, ela hesitou, mas acabou por segurar, com delicadeza. O toque não era mais o mesmo. Agora, cada movimento trazia uma angústia latente, uma dor que não saberiam como apagar.

Juntos, ainda que dilacerados pela verdade, avançaram pela mina. A Escuridão parecia gozar com o dilema deles, como se o Destino estivesse a rir-se de uma piada cruel.

Enquanto caminhavam, Lúcia fechou os olhos por um instante, tentando lembrar-se do rosto da mãe. Será que Ana sabia? Teria fugido? Estaria rodrigo a dizer a verdade? Será que ela escondera a verdade de propósito? As perguntas formigavam-lhe a mente, mas ela sabia que precisava manter o foco. Não poderia permitir-se fraquejar ali.

Rodrigo sentia-se um fantasma de si mesmo. O que antes era uma busca por sobrevivência agora tornava-se um caminho de redenção. Precisava de proteger a Lúcia, mesmo que ela nunca pudesse perdoá-lo. Mesmo que ele nunca pudesse perdoar-se.

O que faria quando encontrassem os outros? Contariam? Ocultariam para sempre o que descobrira? As dúvidas eram como espinhos cravados na carne. Rodrigo sabia que nada seria como antes, mas não tinha escolha. Precisavam de seguir em frente, mesmo sabendo que, agora, mesmo saindo da mina, nunca mais estariam livres daquele fardo.


*Nas profundezas da mina…*


Lauriel e Nicolás avançavam por outro túnel, guiados pelas Runas Ancestrais que brilhavam nas paredes. Nicolás mantinha-se atento aos sinais, enquanto Lauriel sentia uma conexão crescente com o lugar.

- As forças aqui estão desalinhadas... Algo perturbou a Essência da Mina… - comentou Lauriel, com os olhos a brilhar em tons dourados.

- Será que isso tem a ver com o colapso da Narrativa? - questionou Nicolás.

- Pode ser. Se Aion realmente foi derrotado, isso compromete a estrutura de tudo o que conhecemos. Mas...! Se conseguimos restaurar a sua força vital, talvez o Equilíbrio possa ser restabelecido!

- Mas como? - Nicolás franziu a testa.

Lauriel suspirou, tocando o talismã no pescoço.

- Precisamos de encontrar um Artefacto Primordial. Algo que possa canalizar a Energia Narrativa directamente para Aion. Eu tenho um pressentimento de que o que procuramos estará nesta mina.

Nicolás assentiu, determinado.

- Vamos encontrar isso e trazer o nosso querido Aion de volta! Sem ele nada disto seria possível!

Lauriel fechou os olhos por um instante, permitindo que a energia da mina fluísse pelo seu corpo como uma corrente eléctrica. Havia algo antigo ali, uma pulsação rítmica que vibrava com o seu próprio Poder Interior. Quando abriu os olhos novamente, eles brilhavam como ouro líquido.

- Aion não pode ser restaurado com objectos comuns - disse ela, a voz suave, mas firme. - Precisamos de algo que carregue a Essência Primordial. E se estamos na Mina dos Diamantes da Meia-Noite... Talvez possamos usar os próprios diamantes!

Nicolás arqueou uma sobrancelha, intrigado.

- Como assim? Queres usar o nosso poder nos diamantes?

Lauriel olhou para as paredes cobertas de Runas. Alguns símbolos eram familiares, pareciam fragmentos de um Antigo Ritual Egípcio.

- Ora… Tu sabes bem que os diamantes aqui não são apenas minerais comuns - explicou ela, aproximando-se de uma abertura no chão que revelava pequenos cristais azulados. - Eles têm uma ligação directa com a Matriz da Realidade. 

Nicolás sorriu.

- Sim, é verdade. Eles são fragmentos do primeiro Brilho da Criação. Se canalizarmos a nossa Magia neles, podemos criar um Fluxo Contínuo de Energia Narrativa. Mas aí… Vamos estar a abusar dos nossos poderes! Poderemos criar um grande veio de Diamantes Arco-Íris! E tu sabes o que precisamos para os criar! Temos de incinerar seres humanos para o fazer!

Lauriel ponderou, tentando compreender a grandiosidade do que Nicolás dizia.

- Mas Aion não é apenas um Narrador... Ele é o Eixo da história. Se ele for destruído, tudo começa a desfazer-se. Precisamos de garantir que a Energia seja Pura e não contaminada pela Corrupção deste lugar!

Nicolás concordou, observando atentamente os cristais.

- Precisamos escolher um diamante que ainda não tenha sido tocado pelo Caos. Um que mantenha a essência original intacta. A essência do nosso pai, Hórus!

*Muito longe dali Arcanus, Eyden e a misteriosa mulher observavam a cena - cada um num determinado local do Universo da Narrativa, totalmente cativados!*

- Isto… Ainda é melhor do que eu poderia conceber!! - congratulou-se Arcanus. - Eles vão restaurar o Aion! Eles são filhos de Hórus!

Eyden não entendia a alegria de Arcanus. Já a mulher esfregava as mãos de contente e controlava-se para não desatar a rir às gargalhadas! 


*De volta à mina…*


Os dois avançaram pelo túnel, enquanto a energia mágica de Lauriel ressoava com as pedras ao redor. Nicolás carregava uma adaga ritual presa ao cinto, presente do pai, Hórus, e sentia que a lâmina também pulsava com um brilho esverdeado.

- O poder dos diamantes precisa de ser catalisado com um sacrifício voluntário - declarou Lauriel, como se lesse os pensamentos de Nicolás. - Não precisa de ser vidas humanas, embora fosse o ideal… Mas... Talvez um fragmento da nossa própria Força Vital sirva o propósito.

Nicolás hesitou.

- Se fizermos isso, estaremos vulneráveis, Lauriel.

Eu sei. Mas Aion é nosso aliado, Nicolás! E se ele cair, Arcanus dominará a trama por completo. Precisamos de arriscar! É o tudo ou nada!

Os dois chegaram a uma câmara muito ampla, onde um diamante maior brilhava no centro, envolto por uma teia de raízes cristalinas. Lauriel estendeu a mão, sentindo a pureza da pedra.

- Este é o escolhido! - afirmou.

Nicolás aproximou-se, retirando a adaga do cinto.

- Vamos fazer isto juntos.

Lauriel sorriu, encorajando-o.

- Coloca a lâmina sobre o diamante e concentra-te na conexão que temos com Aion. Eu farei o mesmo.

Ele obedeceu, posicionando a adaga enquanto Lauriel se ajoelhava ao seu lado. Ela começou a entoar palavras numa língua antiga, um cântico que falava de Equilíbrio e Renascimento, enquanto deixava algo líquido e espesso, que vinha de dentro da sua caverna, cair sobre a adaga do irmão. A adaga começou a brilhar intensamente, e Nicolás sentiu a sua energia vital ser drenada aos poucos. Não tardou para ele mesmo sacar o seu ceptro e, em nome do seu pai, soltar o seu precioso néctar, ali mesmo, sobre o diamante, misturando-se assim os dois líquidos.

De repente, um feixe de Luz Dourada e Esverdeada irrompeu do diamante, espalhando-se pela mina como um Rio de Vida. Lauriel sentiu a energia fluir para Aion, que estava em algum lugar Para Além do Tempo e do Espaço, na linha ténue entre a Existência e o Esquecimento.

- Está a funcionar! - exclamou Nicolás, segurando firme a adaga e recolhendo o seu precioso ceptro.

Mas então, um tremor percorreu a mina, e as Runas nas paredes começaram a brilhar, em tons de vermelho-escarlate. Lauriel abriu os olhos, alarmada.

- Não estamos sozinhos. Algo está a tentar impedir o Ritual Ancestral!

No fundo da câmara, uma sombra tomou forma, revelando-se uma figura encapuzada que os observava com olhos famintos.

- Vocês não podem trazê-lo de volta! - sibilou a figura. - O Caos já reina aqui!

Lauriel levantou-se, protegendo o diamante enquanto Nicolás erguia a adaga.

- Quem és tu? - perguntou ele, tentando manter a voz firme.

A figura riu-se, e a câmara pareceu escurecer.

- Eu sou a voz do Caos. O Equilíbrio já não existe! O poder dos diamantes arco-íris será meu!

Lauriel concentrou a sua magia, fazendo as Runas ao redor brilharem com intensidade.

- Tu não entendes! - respondeu ela, com firmeza. - O Poder do Equilíbrio não pode ser dominado pela Força Bruta. Ele nasce da Harmonia!

A figura riu-se novamente, mas antes que pudesse atacar, uma onda de luz explodiu do diamante, atingiu o encapuzado, fazendo-o dissipar-se instantaneamente. Nicolás sentiu a energia regressar, e a lâmina da adaga voltou ao normal.

- Conseguimos? - perguntou ele, ainda com o coração acelerado.

Lauriel assentiu, ofegante.

- Aion está a acordar. Podemos sentir o seu poder restaurando-se aos poucos. Mas precisamos continuar em frente! Esta mina… Guarda muitos segredos... E mais perigos!

Nicolás guardou a adaga, sentindo-se mais leve.

- Vamos, então! A trama ainda não terminou!

Os dois continuaram a avançar, com a certeza de que Aion, mesmo em recuperação, estaria do lado deles na luta contra o Caos. Mal sabiam eles que os próximos passos seriam ainda mais arriscados, pois o Equilíbrio da Narrativa ainda estava por um fio.


*No Universo da Narrativa...*


Eyden segurava a Pena Mágica novamente. Ele escrevera aquela parte da figura encapuzada e assistira ao desenrolar dos eventos com um sorriso sinistro. Arcanus, ao seu lado, começava a questionar a própria decisão de eliminar Aion.

- Não vês, Eyden? Não percebes? Sem o Aion, não há Enredo, só Caos. E eu não consigo controlar isso. E… Muito menos tu! Tu não passas de uma Criação minha! 

Eyden riu-se, saboreando a Desordem.

- A Ordem é uma Ilusão, Arcanus. A Narrativa agora respira Livre. Está VIVA!! Assim como eu ficarei!

A mulher misteriosa observava-os de longe, satisfeita com o rumo dos acontecimentos.

- Awwww! Eles ainda não perceberam que o verdadeiro perigo não é o Caos... Mas a Imprevisibilidade Pura! - sussurrou ela.


[Continua...]

27 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 31

Capítulo 31

O céu já clareava quando Juan e Juca, acompanhados de Don Alfonso, se aproximaram da entrada do Vale dos Ecos. A vegetação densa dava lugar a um terreno árido e silencioso, como se o Mundo prendesse a respiração. Os Ecos Distorcidos dos passos reverberavam pelas paredes rochosas, dando a sensação de que algo os observava.

- Mantenham a cabeça erguida e não acreditem em tudo o que ouvirem! - alertou Don Alfonso, segurando firme a espingarda. 

Juca olhou ao redor, sentindo um frio percorrer-lhe a espinha. Juan segurou a sua mão, tentando transmitir segurança, mas o seu coração estava inquieto. Desde que haviam partido da cabana, ele sentia uma presença desconfortável, como se o Vale estivesse a sondar os seus pensamentos mais profundos.

Subitamente, uma voz doce, quase infantil, ecoou pelas pedras:

- Por que estás aqui, Juan? Traíste a tua própria alma? - A voz parecia vir de dentro dele mesmo, e Juan estacou, pálido.

- Ignorem! Não ouçam! - gritou Don Alfonso, preocupado. - Essas vozes alimentam-se do medo e da dúvida!

Antes que pudessem reagir, outra voz ecoou, desta vez para Juca:

- Nunca vais encontrar o teu pai. Ele está morto, e a culpa é tua!

O rapazito mordeu o lábio, tentando ignorar aquilo, mas as palavras cravaram-se bem fundo. Juan apertou a sua mão com mais força, puxando-o para seguir em frente.

Após avançarem alguns metros, o terreno começou a ondular, como se o chão ganhasse vida própria. Figuras nebulosas surgiam e desapareciam no ar rarefeito, formando imagens de lembranças dolorosas. Juan viu o rosto da sua mãe, gritando por ajuda enquanto ele permanecia imóvel, incapaz de salvá-la. As lágrimas escorreram, mas ele não parou de andar. Juca, por outro lado, viu o pai, Leo, coberto de sangue, estendido no chão da mina. Uma gargalhada macabra ecoou pelo Vale, mas Don Alfonso colocou a mão no ombro dele e disse com firmeza:

- Lembra-te, rapaz: a Verdade é um fio que a mente pode partir! Não acredites nas ilusões!

Decididos a não deixarem enganar-se, os três seguiram em frente, ignorando as figuras que os provocavam. O caminho tornou-se cada vez mais estreito, e as rochas pareciam segui-los, empurrando-os para o precipício. 

Contudo, ao atravessarem um arco natural de pedra, o ambiente mudou repentinamente. O som desapareceu, e a tranquilidade voltou. Tinham passado o primeiro teste! Ao sentirem o alívio do silêncio, Juan e Juca trocaram um olhar rápido, como quem confirma que estão realmente a salvo.

- Isto foi… surreal! - murmurou Juca, tentando normalizar a respiração.

- Sobrevivemos. - respondeu Juan, com um sorriso frágil. - Estamos juntos. Isso é o que importa.

Don Alfonso, que se mantinha atento aos arredores, olhou para os dois rapazes e assentiu, satisfeito.

- A amizade é uma âncora contra o medo - comentou. - E vocês provaram que sabem segurar-se um ao outro. Agora que passamos pelo primeiro teste, não podemos baixar a guarda. O Vale dos Ecos não perdoa fraquezas.

Juan pousou a mão no ombro de Juca, e os dois sentiram um vínculo mais forte do que antes. Não era amizade apenas, era uma irmandade forjada pelo perigo.

Enquanto isso, Lauriel e Nicolás finalmente chegaram às minas. A entrada oculta era guardada por dois gigantes de pedra, que pareciam vigiar o portal com os seus olhos vazios. Lauriel fez um gesto com as mãos, activando uma sequência de runas no chão.

- Está feito! A protecção foi desactivada! - declarou ela, enquanto Nicolás observava atento.

Do outro lado das montanhas, a caravana de Don Diego também alcançava a entrada das minas. O ambiente estava envolto numa névoa de mistério e perigo. Lúcia estava ao lado de Rodrigo, que não conseguia afastar uma sensação perturbadora. 

Estavam já todos dentro da mina quando, de repente…


CABBBBBBOOOOOOOUUUUUUUUUUUUUUURRRRMMMMMMMMMM!!!!!


Uma explosão abalou o solo e a entrada das minas desabou! Todos desataram a correr pela vida e com a confusão que se gerou, o grupo dividiu-se: Lúcia e Rodrigo ficaram juntos, Leo e González ficaram com Doña Bárbara. Don Diego… Simplesmente desaparecera numa cascata de pedras e cascalho que caíra logo no início da derrocada!  

- Nãããããããããõooooooooooooooooo! Rodrigo!! - exclamou Leo, ao aperceber-se das rochas a bloquearem a passagem. - Rodrigo!!! 

*Longe dali, algures no Universo da Narrativa…*

Eyden Sandiego e Arcanus preparavam-se para confrontar Aion, o Narrador. Aproximaram-se sorrateiramente dele, enquanto ele estava adormecido e vulnerável. Quando aconteceu a derrocada nas minas, algo estremeceu em todo o Universo da Narrativa. 

O Livro Mágico ampliou-se e ficou gigante. Apareceram palavras que formavam frases sem sentido:


Durante dias, os céus de Elandora estiveram silenciosos.
Nenhuma estrela caía. 
Nenhuma nova linha de enredo nascia.


Eyden Sandiego sentiu primeiro - um sussurro interrompido nas suas falas. 

As palavras escapavam-lhe. 

As ideias apagavam-se antes de se formarem.

- Arcanus… Algo está a acontecer! - comentou, assustado, olhando para os confins daquele lugar. 

Muito longe dali, onde outrora existia uma Torre de Cristal Enegrecida - a Torre do Chaos - havia apenas névoa. Arcanus, o Autor Misterioso, ficou surpreso e perplexo! O que estaria a acontecer? Ele agarrou a Pena Mágica e folheava o Livro Mágico. Mas… As suas histórias estavam a desaparecer, as páginas estavam em branco! E então, aconteceu!

A voz de Aion falhou.

Pela primeira vez desde o Início de Tudo… 

…O Narrador calou-se.

Mas não foi Silêncio.

Foi um Vazio cheio de ruído - como se o Universo estivesse a tentar contar-se a si mesmo… E não soubesse como!

Eyden sentiu o chão oscilar, como se a Realidade perdesse a gravidade!

Personagens esquecidas começaram a surgir em sonhos.

Os Tempos colapsaram!

Frases antes ditas foram desditas.

E Arcanus viu, numa das páginas que resistia:


O Tempo que Conta, já não sabe Contar.


- Aion… Tu… Estás a desaparecer? Mas… Como? - murmurou.

Uma última linha surgiu no Livro Mágico, antes da Pena Mágica se desvanecer:

Quando deixo de ser Ouvido, o Tempo Narrativo deixa de seguir.
E então… Só resta o Instante.

Nesse mesmo momento, algo acordou - num fragmento de consciência de Eyden.

Não falava.
Não narrava.
Apenas sentia.
E com ele, o Tempo deixou de Correr… para começar a Respirar.

Longe dali a misteriosa mulher que se aliara a Eyden batia palmas, muito satisfeita! 

- Ai que maravilha! Isto ainda está melhor do que eu programei! Perfeito!!!

O tecido da Realidade começou a fragmentar-se, as palavras do Livro Mágico a vibrar e a distorcerem-se. Arcanus percebeu, tarde demais. Fora um erro. Tentar matar Aion naquele momento, iria destruir a âncora da narrativa.

- Sem o Narrador, o Universo da Narrativa vai colapsar! - murmurou, com olhos arregalados. 

Eyden cerrou os punhos, sentindo o poder fluir descontroladamente ao seu redor. Ele agarrou a Pena Mágica, satisfeito, com um brilho de expectativa nos olhos.

- O Caos sempre foi inevitável. - murmurou. - Mas agora ele é meu! O que melhor do que transformar a Narrativa em Pura Imprevisibilidade? Não há Vitória Certa, nem Derrota Definitiva. O Mundo precisa de entender que a Ordem é uma Ilusão!

- Precisamos de uma intervenção divina. - concluiu Arcanus, irritado, mas ciente de que a situação fugira, agora de forma quase irreversível, ao seu controlo.

O céu começou a abrir fendas que destilavam Pura Escuridão, enquanto os personagens ainda presos no Vale dos Ecos começavam a sentir a Realidade tremer.

Don Alfonso olhou para o céu, preocupado.

- Algo está muito errado... - murmurou, enquanto os ecos ao redor transformavam-se em gritos desesperados.

Juan puxou Juca para perto e encarou o horizonte sombrio. Precisavam de encontrar um meio de escapar do Vale antes que o Mundo Inteiro ruísse.


*No Universo da Narrativa…* 


Arcanus observava tudo ao seu redor. Com a suposta queda de Aion, as histórias perderiam coerência e o Caos reinaria. Era verdade que ele queria o Caos, mas… Ele queria liderar esse Caos. O Caos que surgira era completamente imprevisível. Eyden tomara posse desse Caos e parecia divertir-se com aquilo. Como poderia algo criado por si ter fugido assim ao seu próprio controlo? Algo precisava de ser feito para restaurar o Equilíbrio. Eyden olhava com ganância para a Pena Mágica, que se soltara da sua mão e rabiscava descontroladamente no Livro Mágico. 

- A Chave para a Liberdade deve ser a Pena Mágica e não o Livro! - sussurrou ele, para si mesmo. 

Arcanus, por outro lado, não parecia partilhar do entusiasmo. Enquanto olhava para as rachaduras no Tecido da Realidade, uma dúvida incómoda corroía os seus pensamentos.

- Talvez… Talvez eu tenha subestimado o Poder do Narrador… - reflectiu Arcanus, sentindo o Medo pela primeira vez. - Criar o Caos é uma coisa… Mas… Governá-lo é outra. Aprendi a minha lição, Mestre… Vou seguir com o Plano Original…

Arcanus ajoelhou-se como que a pedir perdão à Escuridão, que se manteve impassível.

Enquanto isso, a mulher misteriosa, à distância, apenas observava. Tinha os seus lábios curvados num sorriso triunfante. Enquanto Eyden se deleitava com a sua suposta vitória e Arcanus ponderava as consequências, ela sabia que os dois apenas tinham dado o primeiro passo rumo ao verdadeiro colapso.

- Quando não se pode controlar o Caos, resta assistir ao espectáculo!! - sussurrou para si mesma, bastante satisfeita.

- Será que é tarde demais para reverter o Colapso? - perguntou Arcanus para si mesmo, enquanto a Realidade ao seu redor tremia.


[Continua...]

26 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 30

Capítulo 30

A madrugada espalhava um véu nebuloso pela estrada, enquanto o Fiat cortava a escuridão com os faróis trémulos. Juán apertava o volante, os músculos dos braços tensos, a testa franzida, como se quisesse espremer a confusão toda que sentia. O silêncio pesado no carro envolvia-os como uma sombra, rompido apenas pelo ronco do motor e pela respiração ofegante.

Juca olhava para Juán de soslaio, ainda sentindo o gosto do beijo nos lábios. A confusão e o desejo misturavam-se com o medo, criando um nó na garganta. O coração batia descompassado, tentando entender se o que havia entre eles era só uma atracção momentânea ou algo que iria além disso - algo perigoso e impossível de controlar.

De repente, um som agudo cortou o ar - um tiro. O vidro traseiro estilhaçou-se num estrondo seco. Juán empurrou Juca para baixo, protegendo-o com o próprio corpo.

- Carajo! Joder! Estão no nosso alcance! Estão a tentar apanhar-nos! - gritou Juán, com os olhos a percorrer rapidamente o retrovisor. – Aguenta-te firme, hermanito!

O carro derrapou numa curva fechada, arriscando-se a sair da estrada de terra batida. Juán acelerou, o coração numa loucura, mas o carro preto continuava a persegui-los como um predador obstinado.

- Quem são estes gajos?! - Juca perguntou, com a respiração ofegante.

- Provavelmente, os homens de Don Diego... Ou pior, os da seita. - Juán murmurou, com a voz carregada de tensão. - Eles não desistem facilmente quando têm um alvo.

Um farol solitário iluminou ao longe uma cabana desgastada. Juán virou bruscamente por um caminho estreito e lamacento, desviando-se em direcção ao esconderijo improvisado. O Fiat ficou parcialmente oculto por arbustos e árvores. Os carros que os perseguiam passaram rente a eles, sem se aperceberem do desvio.

Juán saiu do carro, puxando Juca com ele.

- Rápido! Temos de esconder-nos!

A cabana parecia abandonada. A porta rangeu ao abrir-se, e o ar lá dentro estava pesado com o cheiro de madeira velha, poeira e terra húmida. Assim que entraram, uma voz grave cortou o silêncio:

- Não se mexam!

Um homem de aparência imponente falou com voz forte, apesar da sua idade avançada. Os seus cabelos brancos brilhavam, assim como os seus olhos, de um azul profundo, que pareciam carregar séculos de sabedoria e mistério. O seu porte erecto e movimentos firmes desmentiam qualquer fragilidade que a idade pudesse sugerir. Apontava uma espingarda para eles. Vestia roupas desgastadas, e um colar de contas coloridas brilhava à luz trémula da lamparina.

- Calma! - disse Juán, erguendo as mãos. - Não estamos aqui para lutar. Estamos a fugir.

O homem olhou-os de cima a baixo, medindo-os com desconfiança, o dedo firme no gatilho.

- Quem são vocês? - inquiriu.

- Eu sou Juán, e este é Juca. Estamos à procura das minas... Precisamos encontrar dois mineiros portugueses, Leo e Rodrigo. O Juca é filho do Leo.

O homem hesitou, ainda tenso, antes de baixar a arma lentamente.

- Eu sou Don Alfonso. Se o que dizem é verdade, então precisam de ajuda. Eu conheço esses dois que falaste… Estive com eles na aldeia! Entretanto, a estrada está cheia de bandidos, atrás de quem se aproxima das minas. Vocês estão metidos num grande sarilho! Eles não hesitarão em matar-vos!

Don Alfonso deu um passo à frente. O seu olhar profundo atravessou os dois jovens, virando-se para um símbolo gravado na madeira perto da porta - uma figura estranha, entrelaçada, que Juán reconheceu de imediato: a mesma marca que tinha no braço. 

Juán olhou para a marca no seu braço. Com os dedos trémulos contornou-a, como se a pele queimasse sob o seu toque. Desde que aquele símbolo surgira, a sensação de carregar um peso invisível perseguia-o. Era como se uma sombra antiga o reclamasse, apertando o seu coração com dedos frios e firmes. 

- Proteger os diamantes... Não importa o custo… - repetiu ele para si mesmo, várias vezes, enquanto procurava ignorar a voz na sua mente que sussurrava: 

- Mas… E se o preço for a própria Liberdade…?

- Interessante… Isto... - Don Alfonso apontou para o símbolo. - É o sinal da Ordem dos Diamantes. Vocês sabem o que isso significa?!?

Juán engoliu em seco.

- Eu... Eu acho que sim.

Don Alfonso franziu o sobrolho e, com um ar grave, começou a falar:

- A Ordem dos Diamantes é uma sociedade ancestral, formada pelos mais valentes da aldeia de El Callao, há séculos. Dizem as lendas que eles guardam um tesouro sagrado, os “Diamantes da Noite” - gemas místicas que concedem poderes além da Compreensão aos seus guardiões.

O coração de Juca apertou ao ouvir o nome dos diamantes. Seria aquele tesouro místico aquilo que o seu pai procurava? E se fosse, o que isso significaria para Leo? Sentia um nó no estômago, como se a simples menção às gemas pudesse despertar algo terrível. Ele queria acreditar que os diamantes eram a chave para encontrar o pai, mas... E se fossem a causa da sua ruína? Juca, desconfiado, perguntou:

- Hummmm… Será que esses diamantes são os Diamantes Arco-Íris? Aqueles que o meu pai veio confirmar que são reais?

Don Alfonso encolheu os ombros, como quem sabia mais do que aquilo que podia dizer.

- Talvez, meu rapaz. Talvez. Mas… Estes diamantes… São mais do que pedras preciosas. A lenda conta-nos que esses diamantes afastam a Escuridão - aquela que ameaça envolver El Callao e tudo aquilo que amamos. Alguém está a tentar acabar com o Equilíbrio. A Escuridão quer consumir o poder dos diamantes e transformar tudo numa Noite Eterna. Quem controlar os diamantes, controla o Destino da aldeia! E aqui o teu amigo - apontou com o queixo para Juán - sabe disso muito bem!

Juán engoliu em seco. Don Alfonso não desviava o olhar. A dada altura, perguntou:

- Diz-me… Qual é o Juramento que um Guardião deve fazer?

Juán hesitou, sentindo um frio percorrer a espinha. Por um instante, o medo quase o paralisou, mas ele respondeu com firmeza:

- Proteger os diamantes, não importa qual o custo a pagar. E manter o segredo.

Don Alfonso colocou a espingarda num canto, finalmente relaxando um pouco.

- Vocês parecem sinceros... Mas ainda não sei se são dignos de confiança. A Ordem dos Diamantes já foi traída antes.

Juán olhou para o símbolo gravado na madeira, perdido em pensamentos. Aquela marca no braço... Desde que surgira, ele sentia como se carregasse um peso que não podia explicar.

- Não somos inimigos. - disse Juán com firmeza. - Estou aqui para proteger os diamantes, não para roubá-los.

Don Alfonso soltou um suspiro, como se reconhecesse algo na atitude do rapaz.

- Proteger, hummm? - murmurou. - Então, preciso que saibam de uma coisa.

O velho tirou de uma caixa de madeira um velho mapa da região das minas, desenhado à mão. Nele, um círculo marcava uma área específica chamada “Vale dos Ecos”.

- Este vale não é um lugar comum. A Realidade lá é distorcida. Sons multiplicam-se, os Pensamentos tornam-se mais altos que os próprios gritos. É um teste para os Guardiães. Se o que dizem é verdade, terão de passar por lá. - explicou Don Alfonso.

Juca aproximou-se do mapa, tentando entender as marcações.

- E se falharmos? - perguntou, com um leve tremor na voz.

Don Alfonso estreitou os olhos.

- A última pessoa que falhou… Nunca mais voltou. Dizem que o Vale guarda as almas daqueles que não conseguiram livrar-se dos próprios demónios. 

Juán respirou fundo. A tensão crescia a olhos vistos dentro do seu peito.

- Não temos escolha. Precisamos de encontrar o Rodrigo e o pai do Juca, Leo. - afirmou, determinado.


*Muito longe dali, num Eco da Escuridão, algures no Universo da Narrativa…*


Eyden Sandiego e Arcanus, o Autor Misterioso, acompanhavam a trama, divertindo-se com o desenrolar da história que Arcanus havia perdido o controlo. A Pena Mágica escrevia e rabiscava a um ritmo constante, preenchendo as páginas do Livro Mágico. Depois de muito pensar, Arcanus tinha decidido agir de forma radical. Ele iria retomar o controlo da narrativa. Chegou à conclusão que o maior obstáculo para retomar o controlo era Aion. Se acabasse com ele, poderia reconquistar o domínio do Livro Mágico. Arcanus e Eyden Sandiego observavam Aion, o Narrador, que dormia profundamente algures numa nuvem flutuante.

- A morte de Aion está próxima! - murmurou Eyden, com os olhos a brilhar com uma sombra sinistra.

Arcanus fez um gesto calmo, mas os seus olhos não mentiam.

- Ele não desconfia de nada. Aion acredita que está a ajudar a proteger os diamantes. Mal sabe ele que isso vai ser a sua queda!

Eyden riu baixinho, um som que parecia um presságio de desastre.

- Ele é um tolo! O sacrifício dele garantirá o poder que procuramos!

- Mais uma peça para o meu Ritual! - acrescentou Arcanus, exibindo um Símbolo Antigo, tatuado na mão, um sinal de que algo muito maior estava prestes a acontecer.


*Enquanto isso, nos arredores de El Callao…*


Numa estrada poeirenta, a caravana de Doña Bárbara, Don Diego, Rodrigo, Leo, Lúcia e um dos Guarda-Costas de Don Diego, González, avançava rumo às minas. Lúcia e Rodrigo, trocavam olhares carregados de uma estranha tensão - um puxão invisível que nenhum dos dois conseguia explicar. 

Don Diego falava baixo com Doña Bárbara, com os olhos a brilharem de ambição enquanto discutiam o que fariam, caso se confirmasse que o veio de diamantes era um filão de diamantes arco-íris.  

Enquanto isso, numa trilha paralela, Nicolás e Lauriel caminhavam com passos silenciosos, imersos numa aura que parecia ao mesmo tempo luminosa e inquietante.

Lauriel e Nicolás avançavam cautelosamente pela mata. Lauriel parou de repente, sentindo um arrepio na espinha.

- Alguém está a observar-nos... - murmurou.

Nicolás apertou a adaga na cintura.

- O poder dos diamantes está a chamar. Temos que ser rápidos. Se Eyden descobrir sobre nós... 

Lauriel assentiu.

- Ele não pode saber que nós criamos os diamantes. Se alguém descobrir o segredo, vão caçar-nos para sempre.

Nicolás colocou a mão no ombro de Lauriel, tentando acalmá-la.

- Vamos manter o foco. Só precisamos chegar às minas antes de qualquer um deles. 

Um grito distante ecoou pela floresta, fazendo com que ambos virassem a cabeça. Nicolás estreitou os olhos na direcção do som.

- O Vale dos Ecos... Eles já estão lá. 


*Algures no Universo da Narrativa…*


Arcanus observava a cena. Agora sim, tudo fazia sentido! Por isso Lauriel conseguira confrontá-lo! Ela estava ligada aos diamantes arco-íris! O interesse dele despertou completamente por aquela aura misteriosa que envolvia Lauriel.

- Ela… Ela é a chave…! - murmurou, com a voz carregada de intenção sombria.


*Na estrada poeirenta...*


Doña Bárbara liderava a caravana, os seus olhos atentos ao caminho à sua frente. Don Diego e González discutiam estratégias para entrarem nas minas em segredo, enquanto Lúcia olhava para Rodrigo, intrigada. Rodrigo, por sua vez, notava o olhar insistente de Lúcia, mas não sabia como lidar com aquilo. Algo naquela mulher fazia-o sentir-se inquieto, como se houvesse uma verdade escondida que ele não conseguia decifrar. Rodrigo desviou o olhar, sentindo um desconforto crescente. Algo nos olhos de Lúcia o inquietava, como se ela carregasse uma verdade escondida que ele não conseguia decifrar. Era um reconhecimento instintivo, quase visceral, que o fazia questionar a sua própria sanidade. 

- Porquê que ela me olha assim? - murmurou para si mesmo, tentando afastar o pressentimento de que algo terrível estava prestes a ser revelado.

Doña Bárbara notou a tensão e resolveu quebrar o silêncio.

- A chegada às minas deveria, mas não será fácil. Precisamos de garantir que nenhum dos outros grupos nos atrapalhe a vida! Como devem estar recordados, esta área é muito cobiçada por vários grupos rivais… 

Don Diego concordou, dando ordens a González para preparar as armas.

- Não podemos falhar. Se os diamantes forem mesmo verdadeiros, vamos garantir que se mantenham nas nossas mãos. 


*De volta à cabana…*


Don Alfonso olhou para Juán e Juca com um misto de apreensão e esperança.

- Se sobreviverem ao Vale dos Ecos, encontrarão uma entrada secreta para as minas. Mas lembrem-se: nem tudo o que parece real dentro do Vale realmente é. A Ilusão pode matar tanto quanto a Verdade!

Juán assentiu, determinado. Respirou fundo, sentindo a mão de Juca apertar a sua por um instante. Ele sabia que o Vale dos Ecos seria uma provação, não só física, mas emocional. 

- Vamos fazer isso. Não vamos falhar. 

Juán declarou estas palavras com a voz firme, embora o seu coração soubesse que nem sempre a determinação era suficiente para vencer a Escuridão. Ainda assim, proteger Juca era tudo o que importava agora.

Don Alfonso deu-lhes um último aviso.

- Cuidado com as vozes. Elas dizem o que vocês mais temem... Ou o que mais desejam ouvir!

[Continua...]

25 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 29

Capítulo 29


O olhar de Juca fixou-se na lâmina manchada. O coração parecia querer saltar pela garganta. A mão tremia tanto que a faca escorregou, caindo no tapete do carro com um som surdo. O suor escorria-lhe pelas têmporas, e uma náusea súbita ameaçava derrubá-lo. 

Juca sentiu o peito apertar, como se alguém lhe tivesse socado o estômago. As mãos começaram a suar, e um nó formou-se na garganta, dificultando a respiração. O seu coração martelava tão forte que parecia prestes a saltar pela boca.

- Tu... Tu mentiste. - A voz dele saiu rouca e trémula, os olhos fixos na lâmina manchada.

Ele engoliu em seco, sem saber se devia lançar a faca pela janela ou apontá-la para Juán. A adrenalina percorreu-lhe as veias, os sentidos aguçados. Será que estava prestes a lutar pela própria vida?

O carro acelerou na escuridão da noite, desaparecendo para longe das luzes da cidade. Naquela estrada sem fim, apenas o som do motor e a respiração pesada de ambos preenchiam o silêncio, enquanto o destino de Juca e Juán se entrelaçava cada vez mais, levando-os para um futuro incerto, onde o que quer que estivesse à espera deles não poderia ser evitado. Sentiu os dedos ficarem dormentes, e a voz, quando saiu, era apenas um sussurro:

- O que é isso, Juán? Tu... Tu fizeste-lhe mal?... – repetiu.

A voz saiu rouca, mais raiva do que medo.

Juán mordeu o lábio, os dedos brancos no volante.

- Não é o que parece.

- Ah, não? - Juca abriu o porta-luvas de um golpe, pegando na faca. O cabo estava gasto, com iniciais gravadas: J.V. - Tu... Tu mentiste. Tu sabes onde ele está. Ou... Ou fizeste algo com ele!

O carro desviou bruscamente de um buraco, o pára-brisas rachado a zumbir. Juán parou de repente numa berma. A mata era cerrada e engolia os faróis. Estavam em segurança. Juán respirou fundo. Virou-se para Juca, os olhos verdes incandescentes.

- Escuta. O teu pai encontrou-me numa prisão em Caracas. - A voz dele tremia, e pela primeira vez, Juca percebeu que o rapaz estava com medo. - Ele tirou-me de lá. Disse que precisava de um guia para as minas, alguém que... Alguém que soubesse fugir. - Juán puxou a manga, mostrando as marcas roxas em espiral no pulso. - Estas marcas não são de cordas. São de algemas.

Juán ficou em silêncio por um momento, os dedos ainda cravados no volante. Um arrepio percorreu-lhe a espinha.

- Quando ele me encontrou... Eu estava acabado. Preso por roubo. Tinha 14 anos. Nunca pensei que alguém pudesse olhar para mim e ver mais do que lixo. Mas o teu pai... - Ele viu. - A voz de Juán saiu embargada. - Disse que eu tinha jeito para sobreviver. Que, se quisesse, podia usar isso para algo bom. Mas depois... Quando ele desapareceu...

O olhar de Juán perdeu-se na estrada escura, como se estivesse a reviver tudo de novo.

- Não quero falhar contigo também.

Juca engoliu em seco. O ar estava carregado de eucalipto e gasolina.

- E a faca?

- Era dele. - Juán fechou os olhos. - Quando os hombres vieram, ele deu-me isso. Disse para eu te proteger, quando viesses. Ele sabia que virias.

Juca estava espantado. 

Seria uma mentira? Uma verdade pela metade? Juca não sabia, mas as mãos tremiam. Juán aproximou-se, lento, até que os seus joelhos tocaram-se.

- Eu não vou magoar-te, Juca. - sussurrou, o sotaque espanhol mais denso, como mel derramado. - Nunca.

O coração de Juca martelava, mas não recuou. O cheiro de Juán - tabaco e sal - enchia o carro. Os seus olhos baixaram para os lábios dele, finos e pálidos, e então...

Tum! 

Algo bateu no porta-malas! 

Ambos encolheram-se, com a respiração presa. Juán puxou Juca para debaixo do painel, com os corpos de ambos colados no espaço estreito.

- Não te mexas! - soprou no ouvido de Juca, a mão quente na sua nuca.

Fora do carro, escutavam-se passos arrastados. Uma voz rouca cantarolava em espanhol, seguida pelo som de um zíper a abrir-se. Um som familiar começou a ecoar. O porta-malas tinha virado um urinol, enquanto se escutava um suspiro aliviado. Juca conteve o riso nervoso. O corpo dele tremia contra o corpo de Juán, que também vibrava – talvez ele também estivesse apertado, com tensão ou outra coisa. O homem lá fora tossiu, cuspiu, e seguiu o seu caminho.

Quando os dois rapazes se levantaram, os rostos estavam a centímetros um do outro. Juán olhou para a boca de Juca, depois para os seus olhos, e recuou bruscamente.

- Precisamos seguir. - Ligou o motor, mas Juca segurou o seu braço.

- Espera. Quero mijar! Não aguento mais! 

Riram-se. Os dois rapazes saíram e aproveitaram o porta-malas que ainda estava aberto e aliviaram-se ali mesmo. Juca olhou com surpresa para o torpedo de Juán, que era esbelto, grosso, veiudo, peludo, lançando um poderoso jacto. Sentiu a adrenalina que corria solta, misturando-se com algo mais quente, mais perigoso. 

Voltaram para dentro do carro, mais aliviados e arrancaram.
 
- Porque me trouxeste aqui? Realmente?

Juán hesitou. No pescoço, uma tatuagem brilhou: um diamante rachado, igual ao pingente de Leo. Enquanto conduzia, sentia o peito apertado. A cicatriz da tatuagem ainda ardia, mesmo depois de tanto tempo. Leo não era apenas o homem que o tirara da prisão - era a primeira pessoa que olhara para ele como se tivesse algum valor. 

- “Um homem precisa de um propósito.” - dissera-lhe Leo. 

E Juán, tão habituado a fugir, sentira que talvez ali, com Leo, pudesse finalmente encontrar um rumo. Então, com um gesto brusco, abriu o próprio colarinho. 

- Ele marcou-me. - A sua voz era um fio. - Disse que se algo acontecesse... Eu seria o teu irmão. O teu protector.

Juca tocou na tatuagem, com os dedos a deslizarem na pele quente. Juán estremeceu, prendendo a respiração.

- Irmão? - sussurrou Juca, desafiador.

A mão de Juán agarrou o seu pulso, mas não o afastou.

- Não. - O ar estava carregado, o Mundo reduzido àquele toque. - Não, irmão. Tu entendeste!

Juca olhou para ele, sentindo a tensão a vibrar no espaço apertado. O rosto de Juán estava tão próximo que podia sentir o calor da respiração dele. O desejo e o medo misturavam-se num nó no seu estômago. Nunca tinha estado tão perto de alguém assim antes, e a intensidade quase o sufocava. E se fosse um erro? E se Juán não quisesse aquilo? A cabeça gritava para recuar, mas o corpo permanecia imóvel, os olhos presos nos lábios de Juán, sem saber o que fazer com aquela urgência que borbulhava por dentro.

E então, como um fio esticado que acaba por romper-se, Juca puxou-o. O beijo foi desastrado! Os dentes bateram, os lábios secos - mas o beijo foi quente, tão quente que Juca sentiu o estômago embrulhar. Juán gemeu baixinho, uma voz rouca que não combinava com o seu ar de predador, e então tomou o controlo, virando Juca contra o volante.

O painel apitou, a buzina ecoou na mata. Separaram-se, ofegantes.

- Joder… - Juán riu-se, sem humor. - Não era assim que eu planejava...

Um farol distante cortou a estrada. Juán acelerou, mas Juca viu: era uma camioneta preta, sem placas.

- Eles deram connosco, carajo! - Juán mudou a marcha, os olhos selvagens. - Segura-te!

O Fiat disparou na noite, mas Juca já não via os perseguidores. Só via Juán - o menino partido sob o mentiroso, as mãos calejadas que agora conheciam o sabor da sua boca.

Enquanto a floresta os engolia, Juca sussurrou, mais para si mesmo:

- Vais-me explicar essa tatuagem depois!

Juán sorriu, breve e verdadeiro.

- Se sobrevivermos até ao amanhecer, cielo, conto-te tudo!

Juca sorriu, apesar do medo. O toque dos dedos de Juán no volante era firme, decidido. Num impulso, Juca deixou a sua mão escorregar para o braço dele, apertando levemente.

- Vou cobrar essa promessa. - sussurrou, e Juán lançou-lhe um olhar de canto, um brilho leve nos olhos.

- Espero que cobres mesmo! - murmurou, um sorriso malandro a dançar-lhe nos lábios.

Na mata, escondido entre as árvores, um homem observava o Fiat fugir. O homem moveu-se com cautela, os músculos rígidos sob o casaco camuflado. A barba desalinhada escondia a cicatriz que cruzava o queixo. Tinha um cheiro forte de tabaco e suor, e os olhos - pequenos e escuros - não piscavam, atentos a cada movimento do Fiat. No seu ouvido, um rádio cuspia estática.

- O miúdo está com ele. - Falou em inglês, a voz grave e rouca. - E o Juán... Traiu-nos.

Do outro lado, uma voz riu-se com desdém.

- Não há problema. Traz-me o diamante... E faz com que eles desapareçam.

A linha morreu. Na mão direita, o rifle estava perfeitamente equilibrado, e os dedos longos deslizaram sobre o gatilho com familiaridade.


[Continua...]

24 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 28

Capítulo 28

O Fiat rugia pela estrada deserta, engolindo a noite como um animal acossado. Juca não tirava os olhos do porta-luvas entreaberto, onde a lâmina manchada brilhava sob a luz da lua. O mapa com o “Não venhas” do pai pulsava na sua mente, cada curva da letra de Leo representando uma facada.

A respiração de Juca parou, e o medo tomou conta dele, gelando-lhe os ossos. Ele olhou para Juán, que, ao perceber o que Juca segurava, ficou branco como cal. O sorriso de antes desapareceu, e algo mais sombrio e profundo tomou o lugar da fachada de confiança. Juán desviou o olhar, mas a tensão era palpável.

- O que é isto, Juán? - Juca perguntou, a voz quase inaudível, mas carregada de uma inquietação feroz.

Juán mordeu o lábio, e a sua expressão, que sempre fora tão difícil de decifrar, agora parecia de uma honestidade dolorosa.

- É... É o caminho para o Fim - disse ele, com as palavras a saírem de forma arrastada, como se estivesse a lutar contra algo dentro dele. - O fim da minha história... E da tua, se não tiveres cuidado.

Juca, sem saber se queria saber a verdade ou não, sentiu o peso das palavras a cair sobre ele, como uma âncora que o puxava para uma realidade que ele não estava preparado para enfrentar. Ele olhou para o mapa, para o X vermelho, e pensou no pai e em tudo o que estava em jogo. O que estava por trás daquela mensagem? Porque é que Juán estava tão profundamente envolvido nisso?

Mas antes que pudesse fazer mais perguntas, uma curva na estrada fez com que o carro derrapasse ligeiramente, e Juán teve de concentrar-se para manter o veículo sob controlo. O medo de serem seguidos, de estarem prestes a ser descobertos, tornava a atmosfera ainda mais pesada. Cada quilómetro percorrido parecia uma corrida contra o Tempo e contra um Destino desconhecido.

Juán apertou ainda mais a mão de Juca, como se estivesse a tentar garantir-lhe que estavam juntos, que ainda havia uma hipótese de escaparem daquilo. Mas a dúvida estava plantada em Juca. Ele olhou novamente para o mapa, para a faca, e, sem saber o que o futuro lhe reservava, apenas questionou-se: 

Estaria ele pronto para enfrentar aquilo que estava à sua frente? Ou já seria tarde demais para voltar atrás?


[Continua...]

23 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 27

Capítulo 27

O Fiat avançava pela estrada enevoada, engolindo quilómetros de asfalto rachado. Juca observava Juán pelas pestanas, o perfil afiado do espanhol iluminado pelo clarão intermitente dos postes. O silêncio entre eles era espesso, cortado apenas pelo ronco do motor.

- Precisamos de gasolina - Juán bateu no painel, onde a luz do combustível piscava como um aviso. - Há um posto ali adiante.

Juca assentiu, os dedos a brincar com o zíper do casaco. O posto era uma ilha de luz amarela no meio do nada, com um velho cartaz de “Coca-Cola” descascado. Enquanto Juán abastecia, Juca entrou na loja para comprar água. Na prateleira, viu um jornal local com a manchete: 

“Desaparecimentos em El Callao: Autoridades Suspeitam de Contrabando!”

Estendeu a mão, mas um estalo seco do lado de fora fê-lo estremecer.

Era apenas Juán, batendo com a tampa do tanque. Juca respirou fundo, comprou duas garrafas e voltou. Encontrou Juán debruçado sobre o capot, a mão suja de graxa.

- Mierda, o carburador está a fumegar - resmungou ele, limpando as mãos nas calças. - Isto vai demorar. É melhor pernoitarmos ali. - Juán apontou para um motel decadente do outro lado da rua, com um néon rosa a piscar “VA*ÂNCIA”.

O quarto cheirava a mofo e cigarro. Tinha uma cama velha, uma TV dos anos 80, uma pequenina casa de banho e uma cortina rasgada. Juca sentou-se na beirada da cama, enquanto ouvia Juán a falar com o mecânico pelo telefone público no corredor. Quando este voltou, trazia dois pacotes de batatas e um sorriso desconcertante:

- Nada como um jantar romântico, não? - brincou, atirando um pacote para Juca.

Juca riu, surpreso pela primeira vez. O som pareceu desarmar algo entre eles. Juán sentou-se no chão, encostado na cama, e começou a falar de Maracaibo, a sua terra natal. Contou sobre o cheiro do mar, as ruas onde aprendera a roubar antes de aprender a ler. Juca escutava, fascinado e temeroso.

- O meu pai deixou-me num orfanato quando eu tinha doze anos. - suspirou Juán de repente, virando o rosto para esconder a expressão.  Disse que voltaria. Nunca mais voltou.

Juca baixou os olhos para as próprias mãos, imaginando Leo nas minas, perdido.

- Talvez ele tenha voltado - murmurou. - Talvez tu só não estavas lá.

Juán olhou para ele, os olhos de gavião suavizados pela sombra.

- Talvez alguns pais sejam só... Pais. - A voz dele falhou, e Juca viu as marcas roxas no pulso quando a manga deslizou. Sem pensar, ajoelhou-se ao lado dele.

- O que aconteceu? - perguntou, tocando levemente nos hematomas.

Juán retraiu-se, mas depois deixou.

- Coisas que nós fazemos por amor… - sussurrou, com a respiração acelerada.

A mão de Juca pairou no ar, até Juán segurá-la, guiando-a de volta ao seu pulso. A pele estava quente, pulsando. O quarto parecia menor, o ar carregado de uma electricidade que Juca nunca sentira. Juán inclinou-se, os seus lábios a um centímetro dos dele, quando a TV explodiu em estática, seguida de um noticiário:

...A polícia está à procura de dois adolescentes ligados ao desaparecimento de Leonardo Oliveira, minerador em El Callao...

A foto de Juca apareceu no ecrã. Juán ergueu-se de um salto, apagando a televisão com um pontapé.

- Fodasse! - Ele correu para a janela e espreitou pelas frestas. - Precisamos de ir. Agora.

Juca agarrou a mochila, as mãos trémulas. Enquanto corriam para o carro, Juán puxou-o bruscamente para trás de um contentor, segundos antes de uma viatura passar. Os corpos dos dois rapazes estavam colados e o coração de Juca batia loucamente no peito de Juán.

- Desculpa - Juán sussurrou, o hálito quente no pescoço dele. - Não queria envolver-te nisto.

Juca engoliu em seco.

- Envolver em quê, exactamente?

Antes que Juán respondesse, um farol alto varreu o estacionamento. Os dois rapazes arrastaram-se para o Fiat e fugiram na noite, deixando o motel desaparecer como se fosse um pesadelo. Na estrada, Juán esticou a mão, encaixando os dedos nos de Juca por um segundo.

- Confia em mim - disse, e pela primeira vez, Juca quis acreditar.

Enquanto aceleravam, Juca notou algo a brilhar no porta-luvas entreaberto - uma faca manchada de sangue seco, e um mapa marcado com um X vermelho onde reconheceu a letra do pai. Este escrevera: 

Não venhas.”

[Continua...]

22 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 26

Capítulo 26

O dia, que começara promissor sob um céu limpo, foi rapidamente engolido por nuvens cinzentas e pesadas, como se a própria Esperança estivesse a ser abafada pelo Destino. O vento cortante assobiava entre os edifícios antigos. Juca, um rapaz de 11 anos, tinha uma presença encantadora que cativava as pessoas ao seu redor. Muito parecido com o pai, exibia cabelos loiros e cacheados que caíam de maneira despreocupada sobre a testa. O seu sorriso sedutor revelava uma confiança inocente, enquanto os olhos verdes, profundos e brilhantes como esmeraldas, tinham uma pureza que misturava curiosidade e um toque de teimosia. Aqueles que se cruzavam com ele não conseguiam evitar um sorriso, como se a vitalidade do rapaz fosse contagiante.

Naquele momento, porém, não havia nada de encantador em Juca. Apertava o casaco contra o corpo, os dedos a tamborilar nervosamente no telemóvel, sem sinal. A última mensagem que o pai lhe enviara ainda lhe queimava na mente:

- “Estou bem. Amo-te”.

Três palavras. Três dias de silêncio.

Desde que recebera a mensagem que ficara com um mau pressentimento. Juca insistiu com a avó que queria ir ter com o pai. Para isso, convenceu esta com uma ligação falsa, feita por um amigo de Juca, que sabia imitar pessoas. Facilmente “Leo” falou com a mãe, pedindo-lhe que mandasse o filho ter com ele à Venezuela, que ele o encontraria. Juca, naquele momento, não estava longe de El Callao. Estava já a poucos quilómetros de distância, sentado num parque de uma pequena cidade, quando… 

- Juca Oliveira?

A voz era suave, quase melíflua, mas havia uma aspereza por trás, como o farfalhar de folhas secas sob uma bota. Juca ergueu os olhos.

Um rapaz, dos seus 16 anos, tinha a beleza cruel de alguém que sabe o poder que exerce sobre os outros - uma mistura de encanto e ameaça que deixava Juca inquieto. O seu sorriso era largo, mas os olhos... 

- “Olhos de gavião!” - pensou Juca.

…Eram afiados, esverdeados, fixos nele como se calculassem cada músculo do seu rosto.

- Quem és tu? - perguntou Juca, recuando no banco, a madeira gelada a penetrar-lhe as calças.

O rapaz abriu um sorriso acolhedor e respondeu:

- Eu sou o Juán. O teu pai mandou-me buscar-te. Ele falou com a tua avó e já soube o que tu fizeste. Estás com sorte, ele não está zangado, nem chateado… Na verdade, achou a tua atitude muito corajosa!

O espanhol rolava na língua dele como um doce envenenado, doce demais para ser verdade. Juán sentou-se ao lado de Juca, com o casaco de couro a ranger. Juca sentiu o cheiro dele: tabaco, suor e algo metálico, como moedas velhas.

- Porquê que ele não veio?

A voz de Juca saiu mais aguda do que gostaria.

Juán inclinou-se para frente, os cotovelos apoiados nas coxas. Sacou um cigarro, acendeu-o, deu uma baforada e respondeu:  

- El Callao... Há coisas que ele não pode resolver sozinho. Ele precisa de ti. 

O adolescente deu um suspiro teatral. 

- Afff… Ele falou tanto de ti. Disse que és corajoso. Mas talvez eu tenha entendido mal...

Juca mordeu o interior da bochecha. Alguém gritou ao longe, e ele estremeceu. Juán riu-se, um som baixo que mais parecia um rosnado. 

- Tens medo de mim, chico? Eu saltei de um barco em Maracaibo para estar aqui. Tudo pelo teu pai!

A mão de Juán pousou no seu ombro - fria, pesada, os dedos finos como garras. Juca engoliu em seco. Havia algo naquele toque... Uma vibração estranha, como se a pele de Juán pulsasse com energia contida.

- Como... Como é que eu sei que tu não estás a mentir-me?

Juca olhou para o telemóvel, desesperado por um sinal, uma luz, qualquer coisa.

Juán puxou algo do bolso. Um pingente de prata, em forma de cruz - igual ao que Leo sempre usava no pescoço. 

- O teu pai deu-me isso. Disse que tu reconhecerias.

Juca esticou a mão, mas Juán fechou o punho rapidamente. 

- Depois. Quando estivermos a caminho.

O vento aumentou, arrastando um jornal velho que se colou aos pés de Juca:

EL CALLAO: NOVAS GREVES PARALISAM MINAS!” - podia ler-se na manchete embaçada.

- Porquê que ele não me ligou? - insistiu Juca, mas já se levantava, as pernas trémulas.

Juán levantou-se também, ajustando o casaco. 

- Sabes, niño... El Callao é um buraco perdido no mundo. Nem o diabo arranja sinal lá.

O rapaz riu-se com naturalidade e as suas feições ficaram bem mais leves. Naquele instante, ele parecia um qualquer adolescente despreocupado de 16 anos. Porém, em menos de nada, os seus olhos estreitaram-se. 

- Tu queres ajudá-lo, não queres? Ele está em apuros!

A palavra “apuros” ecoou na mente de Juca como um sino funesto. Antes que pudesse responder, Juán já caminhava em direcção a um carro estacionado na curva, um Fiat antigo com os faróis partidos.

- Vamos, niño. 

Juca hesitou. Era um erro. Tinha a certeza disso. Mas a saudade do pai e o desejo de ser corajoso como ele gritavam mais alto. Juca engoliu o medo e seguiu Juán, ignorando o frio que lhe percorreu a espinha. O carro parecia engolir a luz da rua, as portas traseiras como bocas abertas. Mas então lembrou-se da gargalhada de Leo na última chamada de vídeo, tempos atrás, mostrando-lhe um mapa rabiscado. 

- “Ah ah ah ah ah! Os diamantes arco-íris, meu filho! Eles vão mudar as nossas vidas!

Diamantes. Um pai desaparecido. E um estranho com olhos de predador.

Juán girou a chave na ignição, o motor a tossir. 

- Sabes... Cariño… Eu também tenho um pai. 

A voz dele mudara. Estava mais suave, quase vulnerável. Assim como as suas feições. 

- Não o vejo desde os doze anos. Trabalhei duro para... Para ele se orgulhar de mim.

Juca apertou o cinto de segurança, com os dedos a tremer. 

- E ele orgulha-se de ti?

O sorriso de Juán foi um raio de lâmina.

- Oh… Ele vai.

Sem saber, Juca ignorou o detalhe mais gritante de todos: o pingente não tinha o corte irregular que o seu pai remendava com arame. O carro arrancou, engolindo a rua estreita. Juca olhou pelo retrovisor, mas a praça vazia já parecia parte de um pesadelo que se dissipava. enquanto as palavras de Juán ecoavam na sua mente, misturando-se com o ronco do motor. 

O som do motor misturava-se com o zumbido na sua cabeça, e o medo sussurrava que talvez o seu pai nunca tivesse enviado mensagem alguma. E, tampouco viu, sob a manga erguida de Juán quando este virou o volante, as marcas roxas no pulso - como se alguém o tivesse arrastado para ali, através de cordas invisíveis.

[Continua...]

21 de maio de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 25


Capítulo 25


Assim como tinha aparecido no quarto de Rodrigo, Lúcia desapareceu com a mesma naturalidade. Voltou às suas funções, circulando pela casa com o olhar de quem sabe manter segredos. Os patrões, ocupados a preparar a visita às minas, nem se aperceberam da ausência dela.

Rodrigo, por sua vez, vestiu o melhor conjunto de explorador que trouxera, com a sensação de leveza que só o prazer poderia proporcionar. Enquanto abotoava a camisa, suspirou. Talvez aquele banho tivesse mesmo lavado mais do que o cansaço. Antes de sair do quarto, olhou-se ao espelho. Rodrigo encarou o próprio reflexo. O sorriso travesso escapou-lhe antes que pudesse evitar. Tinha vivido algo especial, e, por mais que tentasse disfarçar, o brilho no olhar denunciava-o.

Ao cruzar-se com Leo, este comentou:

- Foda-se Rodrigo, parece-me que o banho te fez muito bem! O que te aconteceu?

- Ora… Tu achas que, se realmente nós encontrarmos o diamante arco-íris, não vamos tirar uma fotografia para a posteridade? Eu tenho de estar impecável, pá! 

- Hummmm… Não tinha pensado nisso! Tens toda a razão, como sempre! - concordou Leo, dando uma sonora gargalhada. - Agora que falas nisso… Se nós realmente encontrarmos o mineral, eu gostava de tirar uma fotografia para o meu filhote… Rodrigo… Essa tua cabeça funciona mesmo!! Ah ah ah ah!

Leo deu por si a pensar no seu filho, Juca. Lembrou-se de como ele adorava pedras brilhantes, coleccionando qualquer pedrinha que encontrava nos passeios. Por um instante, Leo quase desejou que o diamante arco-íris não existisse - que tudo não passasse de uma lenda. Assim, poderia voltar para casa são e salvo. 

- “Voltar para casa são e salvo...” - pensou Leo, com um aperto no peito. 

A última coisa que queria era que Juca crescesse sem pai - sem as histórias, sem as brincadeiras, sem os conselhos atrapalhados. A saudade apertou, mas logo sacudiu o pensamento, tentando focar-se no que estava por vir. O que andaria o “menino dos seus olhos” a fazer?

*Algures no Universo da Narrativa, naquele preciso momento…*

Na penumbra de uma viela, Eyden Sandiego esperava. O luar mal iluminava as paredes húmidas, e o silêncio pesava no ar, interrompido apenas pelo gotejar distante da chuva acumulada nas calhas.

- Duvidavas que eu viria?

Uma voz surgiu das Sombras, sibilante como uma serpente. A figura feminina aproximou-se, envolta num manto escuro que mal deixava entrever os traços do rosto.

Eyden cruzou os braços, tentando esconder a inquietação.

- Honestamente? Eu começo a duvidar de muitas coisas... Mas… Tu disseste que eu teria o que quero. Então, sou todo ouvidos.

A mulher riu, um som frio e cortante.

- E terás. Desde que continues a seguir o Plano. Tudo está a desenrolar-se como devia. As peças estão a encaixar-se... Inclusive tu.

Eyden bufou e sentiu uma pontada no peito. Desde que tivera um sonho estranho sobre a Luz, já não sabia bem qual o lado que deveria seguir. Queria realizar os seus sonhos, mas também não queria prejudicar ninguém… Pelo menos, não muito.

- E o miúdo? - perguntou, tentando manter firmeza na voz.

- Ele irá até El Callao. Será irresistível para ele, como um doce diante de uma criança. Confia em mim.

Eyden estreitou os olhos. 

- Juán... Tens a certeza de que ele é confiável?

A misteriosa mulher girou a cabeça, levemente.

- Ele não tem escolha. 

A resposta foi duram fria e cortante. Eyden sentiu-se como se lhe tivesse colocado uma lâmina no pescoço. Naquele momento, ele hesitou. Uma lembrança breve surgiu na sua mente: a noite do sonho, quando a Luz lhe falou sobre Destino e Escolhas. Entre ir para a equipa dos bons ou manter-se no grupo dos vilões. Ele sentia-se dividido, como se uma parte dele quisesse abandonar tudo e salvar os protagonistas. Moveu-se, desconfortável. 

O vento sussurrava segredos entre as paredes estreitas da viela, levantando folhas mortas que dançavam como espíritos inquietos. Eyden sentia um arrepio rastejar-lhe pela espinha. Não gostava de se sentir um peão num jogo maior, mas era impossível negar que algo dentro de si queimava de curiosidade.

A mulher de negro inclinou ligeiramente a cabeça, como se o estudasse.

- Tens medo, Eyden?

Ele crispou os lábios.

- O medo mantém-nos vivos. O que me preocupa é o que não me estás a contar. Não gosto de sentir que estou a ser usado.

A mulher riu-se de novo, cruel, um som que lembrava vidros a estalar sob uma bota pesada.

- Existem verdades que esperam séculos para emergirem. E há segredos que desafiam até mesmo o Tempo... Segredos que tu, simplesmente, não deves conhecer... Ainda. Aceita a Realidade, Eyden: o Caos não se curva, e o Destino já se ajoelhou perante mim. Não há força no Universo capaz de mudar o que eu decidi...

Eyden sentiu o sangue gelar nas veias. Que espécie de força seria capaz de subjugar até o Destino? Como alguém poderia desafiar o Caos e sobreviver? A resposta estava ali, diante dele, com olhos que pareciam enxergar além da realidade. E mesmo assim, o orgulho impedia-o de se ajoelhar perante ela.

- E Juán? - insistiu, com a voz mais firme.

A mulher girou ligeiramente sobre os calcanhares, como uma sombra que se alonga à luz da lua.

- Juán acredita naquilo que precisa acreditar.

Eyden não gostou da resposta. A incerteza corroía-lhe o peito, apertando-lhe o estômago como uma mão invisível. O suor começava a formar-se na sua testa, e um tremor discreto percorreu-lhe os dedos. Tinha consciência de que estava a trilhar um caminho perigoso, mas, ao mesmo tempo, uma estranha atração pelo desconhecido pulsava dentro dele. O medo e o fascínio duelavam no seu íntimo, deixando-o num limbo inquietante. Estaria a vender a sua alma sem sequer perceber? 

Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, a mulher virou-se e começou a afastar-se, o manto esvoaçando ao redor dela como fumo negro dissolvendo-se no vento. 

- Aguarda e vê, Eyden. O desfecho está mais próximo do que pensas.

E assim, sem sequer um som, ela desapareceu nas sombras, como se nunca tivesse estado ali.

Eyden permaneceu ali, com os punhos cerrados e o coração acelerado. As palavras dela permaneciam no ar, colando-se a ele como um manto invisível de incerteza. Na sua mente, a dúvida era uma fera que roía as suas entranhas, dilacerando cada pedaço de coragem que ele tentava manter. Suspirou, olhando para o céu. As nuvens moviam-se lentamente, como se o próprio Universo estivesse a preparar-se para algo grandioso. O receio de estar a cair numa armadilha crescia a olhos vistos, mas a atracção pelo perigo e pelo Desconhecido era mais forte. No fundo, ele sabia que já estava envolvido demais para recuar. Mas… Ainda tinha uma derradeira oportunidade para se redimir.

- Que venha o espectáculo… Mas não vou cair sem lutar!! - murmurou para si mesmo, decidido a enfrentar o que viesse.


[Continua...]