4 de junho de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 39 [Último Capítulo]

Capítulo 39

Vemos primeiro o mundo - não como era, mas como ficou. 

As minas silenciaram-se. 

As runas adormeceram. 

Mas, no lugar onde a fenda se abriu, cresceu uma flor de cristal com sete pétalas translúcidas, cada uma a vibrar com uma cor do arco-íris. O lugar tornou-se sagrado. Um dia, chamar-lhe-iam Templo. 

Mas, para os que lá estiveram… Era só o lugar onde a Verdade brilhou.


*Nicolás*


Caminha por entre aldeias esquecidas.

As pessoas não sabem quem ele é. 

Mas sentem algo ao vê-lo: vontade de viver. 

De mudar. 

De tocar. 

De sentir o próprio corpo e a própria alma. 

Escreve histórias no vento. 

Mas nenhuma com tinta.

Escreve em olhares. 

Em beijos. 

Em gestos.

O novo ciclo não precisa de um deus.
Precisa de quem acenda fogueiras.


*Lauriel*


Sentada entre os diamantes vivos, no centro da Mina restaurada, olha o Tempo passar.

Ela não envelhece.

Mas também não está presa.

É a Guardiã da Narrativa Viva.

A que impede o retorno das Sombras da Escuridão.

E a que sorri… Quando lê os nomes daqueles que ousaram sentir tudo.


*Doña Bárbara & Sparky*


Vivem no limiar entre o Mundo Visível e o Oculto.

Guardam o Portão da Fronteira.

Às vezes, um viajante chega e pergunta:

- Aqui é o fim?

Ela responde:

- Não. Aqui começa o resto.


*Leo*


Voltou à terra. 

Cultiva com as mãos nuas.

Curou as costas dos velhos. 

Os olhos dos novos.

De noite, senta-se sob o céu. 

E quando uma estrela brilha forte, murmura:

- Mikel, eu vejo-te!

Sorri. 

E continua.


*Juca e Juán*


Trocam cartas. 

Às vezes, risos.

Noutras, poemas.

E uma vez por ano, encontram-se.

Falam pouco. Sentem muito.

Já não precisam viver juntos.

Porque há coisas que o tempo já uniu para sempre.


*Lúcia*


Escolheu andar.

Sem rumo, mas com missão.

Conta histórias.

Sobre mães que erram. 

Pais que caem.

E sobre uma rapariga que soube dizer “basta” com amor.

Às vezes, alguém chora.

Ela segura. 

E segue.


*Aion*


Já não fala.

Agora, ouve.

E quando alguém, algures, escreve com Verdade...

…Um cristal arco-íris acende-se no Coração da Mina.


*Rodrigo*


Ninguém o viu partir. 

Nem precisavam.

Rodrigo desapareceu na noite em que o mundo foi salvo - mas não porque fugiu.

Foi para os lugares onde a dor ainda não tinha nome.

Hoje, chamam-lhe de várias formas:

“O homem do manto cinzento.”

“O que cura sem cobrar.”

“O que pede desculpa antes de tocar.”

Mas nunca diz o nome.

Porque quem decide servir… 

…Já não precisa ser lembrado.~


*Eyden Sandiego*


Por muito tempo acreditou que era o novo Narrador.

O novo Verbo. 

A próxima Pena.

Mas, quando tentou escrever o Fim, a tinta recusou-se.

Ele percebeu:

- A liberdade não se escreve. Só se vive!

Eyden dissolveu-se no Vento de um Parágrafo Nunca Fechado.

Mas às vezes… 

…Alguém ouve uma frase inesperada ao sonhar.

E quem sabe…? 

Se não é ele, ainda a tentar entender o que é amar.


*Arcanus*


Nem morto.

Nem salvo.

Preso dentro de um diamante imperfeito, debaixo da mina.

Lá, repete eternamente um Ritual que nunca se completa.

- Lauriel... Lauriel... Lauriel…

Os diamantes arco-íris não se abrem com poder.

Apenas com Verdade.

E como Arcanus nunca teve coragem de se olhar por inteiro...

…Ele ficou preso na história que quis controlar.

Um eco sem corpo.

Um deus que se esqueceu de ser humano.


*A Mulher Misteriosa*


Ela nunca lutou.

Nunca salvou.

Nunca foi julgada.

Apenas observava.

Na sombra da mina.

Nos olhos de Eyden.

No silêncio entre os Capítulos.

Agora, ela caminha por Outros Mundos.

Semeando o Caos?

Talvez.

Quem sabe?

Talvez esteja a plantar novas histórias - mais perigosas, mais belas.

Mas antes de desaparecer, deixou gravada uma única frase no Véu da Realidade:


“A Ordem é uma Pausa. A Imprevisibilidade… É a Origem.”


E ninguém sabe o nome dela.

Mas todos sentem que… 

…Ainda a vamos encontrar.



A câmara afasta-se.

Vemos a mina ao longe, selada por cristal vivo.

Lá dentro, pulsa uma cor que ainda não tem nome.

Um tom novo.

Um sentimento por nascer.


Para além da história.

Para além da forma.

Para Além do Arco-Íris...


Cai o pano.


Mas o coração… 


…Esse…


…Continua a brilhar.




3 de junho de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 38 [Penúltimo Capítulo]

Capítulo 38


*No interior da Mina…*


O chão deixara de tremer. O Olho de Hórus permanecia aberto, mas sereno. O Arco-Íris pulsava como um coração estável. A Nova Matriz estava viva.

Aion observava todos com um sorriso leve. Já não era frágil. Agora, era Eterno.

- A Ordem foi restaurada. Mas só pode manter-se… Se cada um de vocês viver a sua verdade, mesmo fora daqui.

Lauriel, agora consagrada como Guardiã da Matriz, sentou-se no centro da Galeria de Diamantes. A sua presença acalmava as runas. Ela já não era sacerdotisa. Era Essência.

Nicolás aproximou-se dela pela última vez. Tocou-lhe a mão.

- Se fosses só Luz… Eu não te amaria assim tanto. Mas és tudo. E isso basta.

Ela sorriu. Os olhos marejados. Mas serenos.

- Eu pertenço à História. E tu… Pertences àquilo que a transforma.

Lúcia e Rodrigo foram os primeiros a partir.

Na entrada da mina, Aion ofereceu-lhes um cristal pulsante, como se fosse uma semente.

- Onde plantarem isto… Haverá sempre Verdade.

Rodrigo olhou para Lúcia. Ambos sabiam que a dor os tinha cruzado, mas era a liberdade que os unia agora.

- Nunca seremos vítimas! - disse ela.

- Nem cópias do Passado! - respondeu ele.

E caminharam rumo à luz do Mundo.

Leo, Juán e Juca, lado a lado, caminhavam em silêncio.

- Vais escrever-me? - perguntou Juca.

- Sempre. Mas agora... Vou viver, por mim! - disse Juán.

Abraçaram-se. Foi longo. Foi limpo. Foi tudo o que tinham de ser. E então… Separaram-se. Juca abraçou-se ao pai e pediu para este o colocar às cavalitas. Pai e filho amaram-se muito e o laço que os unia reforçou-se completamente, rendido pelo sentimento que os unia.

Doña Bárbara, de pé junto a Sparky, olhava o Véu da Entrada com ares de realeza silenciosa. Aion aproximou-se.

- Vais ficar?

- Alguém tem de guardar a fronteira. E o Sparky gosta disto. Eu também. Duvido que lá fora volte a viver as emoções que vivi aqui dentro.  

Aion curvou a cabeça com reverência.

- Foste mais do que justa. Foste inteira.

Nicolás surge, por fim, com a adaga de Hórus na cinta e uma nova Pena Mágica entre os dedos. Aion ofereceu-lhe o último presente:

- Tu não serás o próximo Narrador. Serás algo mais raro: Aquele que escreve com Amor… Mas não precisa de controlar!

O corpo de Nicolás irradiava luz e desejo. Um homem sensual, divino, livre! Ao olhar para o horizonte, ele soube e afirmou:

- Eu Sou herdeiro de Hórus. Mas escrevo com o meu próprio fogo!

Lá no alto, um arco-íris rompeu as nuvens.

Mas não vinha da luz solar.

Vinha do interior da Terra.

Do centro da Mina.

Do coração de quem foi verdadeiro.


[Continua...]

2 de junho de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 37

Capítulo 37

*Nas ruínas do Véu Invertido…*

A paisagem era irreal: cristais gigantes curvavam-se como raízes de um mundo ao contrário. O céu ali não era azul - era feito de luz líquida, como se a própria realidade estivesse a ser sugada para dentro do altar negro.

No centro, Arcanus mantinha Lauriel suspensa sobre os diamantes arco-íris - o seu corpo flutuava entre o sono e a tensão. A energia pulsava como um coração à beira de explodir.

Arcanus caminhava em círculos, como um padre demente num ritual proibido.

- Não vês, Lauriel? O mundo não precisa de mais milagres. Precisa de comando. De uma mão firme. E eu... Eu sou essa mão!

Do lado oposto da fenda, Nicolás chegou com o grupo.

Lúcia, com os olhos a arder como os da mãe no dia em que rasgou o silêncio.

Doña Bárbara, com Sparky ao lado, como uma esfinge viva.

Juán e Juca, de mãos separadas, mas corações sincronizados.

Rodrigo e Leo… Já não caminhavam. Pisavam com alma.

Nicolás avançou primeiro.

- Não vais reescrevê-la, Arcanus! Nem esta história, nem Lauriel! Porque ela não te pertence! Porque nada te pertence! Nem sequer tu!

Lá em cima, Eyden observava.

Pena em punho, pronto a sabotar o ritual com uma nova frase.

Mas hesitava. 

Pela primeira vez… Hesitava.

Uma memória aflorou: Mikel a rir. Aion a criar. Lauriel a perdoar.

E Eyden murmurou:

- Talvez… Talvez o ponto final não seja meu.

A Pena caiu. 

Evaporou-se. 

E Eyden, com um sorriso trágico, dissipou-se como cinza de página queimada.


*No altar negro…* 


O confronto prossegue.

Arcanus tenta activar os diamantes com a energia corrompida.

Lauriel grita. 

O céu treme.

Mas Nicolás ergue a adaga cerimonial de Hórus.

- Não é a força que os activa. É a entrega!!

Ele toca num dos diamantes. 

Ele brilha. 

Depois outro. 

Depois todos!

Mas, ao mesmo tempo… Eles começam a implodir! O ritual fora forçado demais. A Matriz começou a colapsar!

- Está a desfazer-se! - grita Lúcia.

- Precisamos estabilizar com energia vivida! - responde Juán.

Juntos, formaram os Cinco Elementos da Nova Matriz:

Juca oferece o Fogo da Coragem.
Juán, o Gelo do Perdão.
Lúcia, a Terra da Verdade.
Leo, o Ar da Presença.
Rodrigo, a Água do Silêncio Que Cura.

E então… Os diamantes suspendem-se. A luz estabiliza. Lauriel cai suavemente… Nos braços de Nicolás. A Matriz tinha sido reactivada. Não por força. Mas por Verdade, entregue em Cinco Elementos. Lauriel abriu os olhos. Sorriu. E apenas sussurrou: 

- Obrigada… Por não me apagarem.

Arcanus, derrotado, tenta escapar.

Mas Doña Bárbara lança-lhe um último olhar:

- A história perdoa quem cai. Mas não quem apaga os outros.

Sparky avança. 

E Arcanus… 

…Desaparece no fundo da mina. 

Não morto. 

Mas esquecido.

O tempo pára.

Aion reaparece, pleno.

A pele como luz. 

Os olhos como Tempo.

- “Não há mais escolha. 

Só gratidão.

Todos vocês… 

São fragmentos da Luz que já venceu.


[Continua...]

1 de junho de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 36

Capítulo 36

*Na Câmara do Olho Silenciado...*


Após o rapto de Lauriel pelas mãos corrompidas de Arcanus, a mina mergulhou num silêncio pesado. Aion, ferido e fragmentado, já não conseguia manter o Olho desperto. O que antes era pura vibração tornou-se silêncio. O Olho de Hórus estava fechado. As runas apagadas. Lauriel tinha desaparecido.

Aion, prostrado no centro, respirava com dificuldade. A sua forma oscilava entre energia e matéria. Os diamantes ao redor, antes vibrantes, estavam opacos - como se recusassem a brilhar sem a presença dela.

Nicolás ajoelhou-se ao lado dele. Tocou-lhe o peito com a palma aberta. A Luz de Hórus reanimava-se na sua mão - azul, dourada, viva.

- Aguenta mais um pouco - disse. - Eu vou buscá-la. E vamos terminar isto. Juntos.


*No interior do Templo Negro…*


Lauriel estava presa num espaço feito de luz falsificada. Os diamantes arco-íris pairavam à sua volta, mas tingidos com tons de Sombra - belos, mas vazios.

Arcanus circulava o altar como um predador elegante, os olhos a brilhar com desejo e ruína.

- Sabes, Lauriel… não quero destruir a história. Quero reescrevê-la contigo. Aion é Passado. Eu sou o Novo Verbo. E tu… A caneta perfeita!

Lauriel estava presa por fios de cristal negro, que lhe prendiam os pulsos e o coração.

- Tu não queres criar, Arcanus. Tu queres possuir! - disse ela, exausta, mas firme.

Ela sentia os fios de cristal apertarem-se a cada palavra. E por um breve instante… Algo em si vacilou. Não em fé. Mas em cansaço. Ele sorriu. E pela primeira vez, tocou-lhe o rosto com ternura corrompida.

- E não é isso que todos os deuses querem?


*Na mina…*

Após acalmar Aion, Nicolás ergueu-se, decidido a reunir os restantes. Mas Leo deteve-se. Olhava em redor, como se algo - ou alguém - o chamasse de forma silenciosa.

- Vai à frente - disse ele a Nicolás. - Encontro-vos depois.

Doña Bárbara ia protestar, mas viu nos olhos de Leo um brilho antigo, quase mineral.

- Às vezes, antes de subir… É preciso descer mais um pouco. - murmurou ela.

E Leo partiu sozinho, sem rumo claro, apenas com a certeza de que havia algo por descobrir… Dentro e fora de si.

Num recanto oculto da mina - talvez real, talvez interior - Leo caminhava entre cristais quebrados… A luz era escassa, mas o silêncio era fértil. Encontrou uma parede viva - um espelho antigo, semi-oculto pela vegetação mineral. Ao tocar-lhe, a imagem de Mikel surgiu. Não como fantasma. Mas como essência. Leo contemplou o homem que olhava para ele. Este falou, num tom etéreo:

- Estás perdido, Leo?

Leo não respondeu. Só olhou, como se o peito se abrisse.

- Eu vi-te uma vez. - disse Mikel. - Mas o Tempo não mede o que se sente. Sabes porque estás aqui?

Leo assentiu.

- Porque quero viver. Não sobreviver. E porque... Há algo em mim que precisa Amar. Não alguém. Mas o que Eu Sou!

Mikel sorriu.

- Então vai. Eles vão precisar de ti. Tu não és Luz, nem és Sombra. És Chão. És Caminho. E há quem precise de pisar-te para chegar mais alto.

Leo chorou. 

Mas depois... 

Levantou-se. 

Inteiro.


*Na Galeria Rúnica...*


Nicolás convocava os que restavam.

Doña Bárbara, firme ao lado de Sparky.

Lúcia, de punhos cerrados, determinada a não ser vítima de mais nenhuma omissão.

Juca e Juán, agora cúmplices do Destino, mesmo em rumos distintos.

Rodrigo e Leo, que se juntou ao grupo com os olhos abertos como nunca os tivera antes.

- Vamos buscá-la! - declarou Nicolás. - Mas não para a salvar. Para a libertar. Porque ninguém salva a Portadora da Luz. Ela apenas precisa de tempo para acender-se.


*No exterior do Templo Negro…*


Eyden observava de longe. A sua forma era instável, quase um borrão de tinta e fumaça.

- Eles acham que já venceram! - sussurrou. - Mas esquecem-se que até ao fim… Ainda há espaço para uma vírgula! Uma Vírgula do Destino!

E ele começou a escrever.

Não uma história.

Mas uma interferência.

Um erro.

Uma tentação.

Porque mesmo os Portadores da Luz… 

Também se podem perder em si mesmos.

A pergunta era:

E se Lauriel quisesse mesmo o poder?


[Continua...]