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Capítulo 13
*Algumas horas mais tarde...*
O homem misterioso começava a bater o pé, impaciente, na esplanada de um café em frente do Centro Comunitário de Fargo Hills. O edifício já era antigo e estava a precisar de obras com alguma urgência. Era um edifício grande, antigo, cinzento e triste, como o tempo que se fazia sentir naquela Primavera fria, que mais lembrava um longo Inverno que teimava em não ir embora. Depois de tomar vários cafés e de ler o jornal mais do que uma vez, o homem decidiu agir. Dirigiu-se ao Centro e perguntou por Shade.
- É familiar dele? - inquiriu Marcia, levantando o sobrolho.
- Não, mas sou amigo da família dele, menina. Estou aqui em nome do senhor Edward Sullivan. O Shade está cá?
- Disse Edward Sullivan? Da GraceTech?
- Sim, esse mesmo!
- Muito bem, deixe-me só telefonar à directora do Centro. Tenho ordens expressas para fazê-lo...
- Esteja à vontade! - comentou o homem, enquanto observava o local atentamente, em busca de Shade.
Após alguns instantes, Marcia pousou o telefone e sorrindo para o homem, disse:
- Faça o favor de me acompanhar, a directora vai recebê-lo imediatamente!
- Muito obrigado! - agradeceu o homem, seguindo atrás de Marcia, observando tudo ao seu redor.
Minutos depois, Marcia deixou o homem junto de uma porta, no 2º andar do edifício. Este bateu e após ouvir um sonoro “Entre!”, entrou. A directora levantou-se do seu lugar e cumprimentou o homem com um vigoroso aperto de mãos.
- Boa tarde, eu sou a Alicia Sheppard, a directora deste centro. A Marcia disse-me que o senhor é amigo de Edward Sullivan, o pai do Shade?
- Boa tarde, minha senhora. O meu nome é Carlos. Carlos Suárez, detective privado. Eu trabalho para o senhor Sullivan.
Alicia torceu o nariz, incomodada. Já tinham aparecido ali muitas pessoas à procura de Shade no passado, desde que Eddie Sullivan lançara uma recompensa a quem tivesse informações sobre o paradeiro de Shade. Seria aquele homem de confiança? A directora dirigiu-se a uma janela e cruzou os braços atrás das costas.
- Como é que eu sei que você me está a dizer a verdade e não é apenas mais um, entre tantos, que já aqui vieram para sacar informações sobre o pobre rapaz?
Carlos já contava com esse problema. Com um sorriso maroto, típico dos homens latinos, ele levantou-se e comentou:
- Duvido muito que quem a procurasse tivesse o número pessoal do senhor Eddie! Ligamos para ele?
- Faça uma videochamada, então! - trovejou Alicia, irritada com o tom de voz insinuante de Carlos, não conseguindo ficar indiferente ao seu sorriso.
O detective aparentava ter pouco mais de 40 anos. Era alto, forte, moreno, de cabelos pretos e tez dourada pelo sol. Carlos tinha dentes muito brancos, uma voz sedutora e um sorriso que não passava despercebido. Ele sabia como encantar as pessoas facilmente. Alicia seria uma presa fácil. Estava a cair na sua rede. Não tardou a fazer o que esta lhe ordenara. Sabia que só assim poderia provar quem era. Após alguns toques, o rosto de Eddie apareceu no ecrã do telemóvel, com ar de poucos amigos.
- “Então, Carlos?! Estou aqui há horas à espera de notícias! Já encontraste o rapaz?”
- Senhor Eddie, o comboio que veio de San Lynch sofreu um grande atraso, devido a uma tempestade de neve que ocorreu no caminho! O Shade já chegou à cidade de Fargo. Eu segui-o até um Centro Comunitário, chamado Fargo Hills. Foi o primeiro local para onde o Shade se dirigiu!
- “Óptimo, óptimo! Ele está bem?”
- Na verdade, senhor, eu estou agora com a directora deste centro, uma senhora chamada Alicia... Alicia qualquer coisa...
- Sheppard! Alicia Sheppard! Caramba, como é que você se tornou detective? - resmungou Alicia.
Eddie riu-se às gargalhadas, bem-disposto.
- “Passa o telemóvel à senhora, Carlos! Obrigado!”
- Senhor Sullivan, para si. - resmungou Carlos, aborrecido, enquanto entregava o telemóvel a Alicia.
Feitas as apresentações, Alicia sentou-se na sua poltrona e olhou atentamente para o ecrã.
- Há uma pergunta que eu gostaria de lhe fazer, senhor Sullivan...
- “Venha ela!”
- Porquê que só agora resolveu procurar o Shade?
Seguiu-se um silêncio incómodo. Eddie ponderava na resposta que havia de dar. Isso implicava admitir que Laura o tinha traído.
- “Bom, a verdade é que eu só soube da existência do Shade através de um diário que o Jules escreveu. A minha falecida esposa nunca mencionou a existência do rapaz... Talvez porque… Nem ele, nem o Jules… São meus filhos...”
Alicia baixou os olhos, sem saber o que dizer. Eddie aparentava sentir-se extremamente humilhado, mas ainda assim dissera de sua justiça a verdade. Ela sorriu ligeiramente.
- O Shade chegou há bocadinho, mas vinha febril, está a descansar numa enfermaria que temos cá... Ele é um bom menino...
Eddie agitou-se no seu cadeirão.
- “Você acha que ele vai ficar por aí? Agora que regressou, depois de tanto tempo?”
Alicia suspirou longamente. Aquela era uma boa pergunta. Shade sempre fora um rapaz bastante imprevisível, apesar de ser bom rapaz.
- Quem sabe? O Shade é praticamente família! Tanto para mim, quanto para as pessoas que trabalham e para as usufruem deste Centro! Desde que a mãe adoptiva dele morreu, há 7 anos, que o Shade vive nas ruas... Ele e o melhor amigo dele, um rapaz chamado Damian... Eles prestam voluntariado aqui no Centro. Em troca, nós ajudamo-los com comida e roupa e depois de sabermos que eles estavam a viver nas ruas, conseguimos arranjar um espaço para eles viverem.
- “Então o Shade é mesmo um sem-abrigo! Coitado!” - suspirou Eddie, pensando em todos os luxos que Jules tivera, ao invés do irmão.
- Eu acredito que o Shade tenha voltado para ficar... Mas a melhor pessoa para responder a isso é o Damian…
Damian fará revelações bombásticas!
- Oh sim! Sem dúvida! Eles eram muito apaixonados e carinhosos um com o outro! Tinham um relacionamento francamente bonito... - comentou Damian, com ar sonhador.
Alicia, o detective e Eddie não conseguiram disfarçar a surpresa.
- Desculpa, querido…! Mas o que queres dizer com isso, filho? - perguntou Alicia, frisando cada palavra ao falar.
Damian apercebeu-se de que estava a falar mais do que devia! Pigarreou e passado um instante, rematou, com um sorriso:
- O que eu quis dizer foi que… O Shade e o Jules tinham um laço fraterno apaixonante! Dava gosto e até uma certa inveja de ver como eles tinham tanta empatia um com o outro!
Eddie suspirou de alívio. Por momentos, ele pensara que Jules e Shade tinham mantido um relacionamento amoroso! Isso seria demasiado para ele! Já fora muito difícil aceitar que Jules era gay! Pensativo, comentou:
- “Deve ter sido um choque e pêras! Isto é, o Shade saber que tinha um irmão...”
- Oh, sim! Não tenha a menor dúvida, senhor! Mas só quem fosse muito “tapadinho” é que não percebia que eles tinham alguma coisa especial... O Jules era parecido com o Shade... Inicialmente, eu pensei que não, que eles eram parecidos porque gostavam das mesmas coisas, partilhavam o mesmo estilo de roupas e penteados... Eu já ouvi falar que todos temos um sósia algures por aí... Mas… Depois de ver as reacções que eles tinham, as expressões faciais… Foi aí que percebi que o Jules e o Shade deviam ser algo mais do que uma simples coincidência... Pessoalmente, não fiquei tão chocado quanto eles ficaram com a descoberta.
- “Muito bem, muito bem... Olha Damian, por acaso sabes quais são os planos que o Shade tem? Ele quando te escreveu, comentou alguma coisa?”
- Bom...
Damian pensava no que podia contar. A carta de Shade encontrava-se no esconderijo que só eles os dois conheciam. Shade revelara na carta alguns pormenores inquietantes.
- Então? - perguntou o detective, curioso.
- O Shade disse na carta que… Quando regressasse… Seria para matar saudades minhas e das pessoas aqui do centro... Ele disse que depois tinha outros planos, mas não me contou quais...
- “Então não sabes de nada...” - suspirou Eddie, agastado. - “Tinha esperanças de que ele tivesse dito alguma coisa...”
Alicia voltou-se para Damian. Passou as mãos pelo rosto deste e disse:
- Querido, nós temos novidades... O Shade chegou hoje. Na verdade, chegou há bocadinho...
Damian levantou-se, eufórico!
- A sério? Onde está ele? Onde é que está o meu Shade?!?
- “Ele está a descansar, veio de comboio numa longa viagem desde White River, segundo sei...” - comentou Eddie, com um sorriso genuíno.
Eddie não era muito dado a demonstrar as suas emoções, mas cedo apercebeu-se que Damian era muito genuíno.
- Ó directora, deixe-me ir vê-lo!
- Calma Damian, deixa-o descansar um pouco! Ele não vai fugir! - apaziguou Alicia, colocando as mãos sobre os ombros do rapaz.
Eddie tossicou.
- “Damian, eu queria pedir-te um favor...”
- Diga senhor, no que eu puder ajudar...
- “Eu não posso ir aí agora. Estou a trabalhar num projecto que não me permite sair daqui agora... Gostaria de saber se tu consegues convencer o Shade a encontrar-se comigo daqui a algum tempo?”
- Bom… Eu não sei qual será a reacção dele, senhor... Mas eu penso que o Shade veio para ficar...
- “Achas que sim? Eu devo estar ocupado nas próximas duas a três semanas. E se pudéssemos marcar um encontro aí em Fargo, para daqui a um mês? Que me dizes? Eu vou mantendo contacto com a directora Alicia... Até porque pelo que vejo na página do Criss-Cross, o vosso Centro está a precisar de obras... Eu terei todo o gosto em financiá-las totalmente!”
Animados com aquelas novidades, Alicia declarou:
- Senhor Eddie, o senhor esteja descansado que eu também falarei com o Shade. Ele ficará muito feliz por saber que o senhor pretende fazer as obras necessárias para remodelar o Centro Comunitário!
- Nós podíamos planear uma festa! O que acham? Essa seria a altura ideal para o senhor e o Shade encontrarem-se e conversarem! - exclamou Damian, entusiasmado.
- “Ora aí está uma excelente ideia, meu rapaz! Gostei! Vou já providenciar isso!” - declarou Eddie, bastante satisfeito.
Alicia e Damian falavam entre si, felizes. O Centro Comunitário de Fargo Hills precisava de obras com urgência. Agora chovia em várias salas, porque no início de Março, um tornado levara parte do tecto. O centro sofria bastante com o frio, porque não tinha um sistema de aquecimento central eficaz. As paredes encontravam-se ressequidas e cheias de humidade. Muito mobiliário era velho e estava desgastado pelo tempo. Apesar das ajudas fornecidas por quem trabalhava ali de forma voluntária, a verdade é que o centro estava mesmo a precisar de obras profundas. Quanto a Eddie, este acreditava que aquele gesto certamente traria mais publicidade à empresa e seria a forma ideal de cativar Shade a conversar com ele.
Damian levantou-se, impaciente.
- Penso que por hoje estamos conversados, certo? Estou mortinho por ver o Shade!
Eddie acenou com a cabeça, sorriu e rematou:
- “Sim, meu jovem amigo! Eu também tenho assuntos para resolver! Vou já contactar a equipa que fará as obras aí! Eu vou mantendo o contacto com o detective e consigo, directora Alicia!”
Alicia, Damian e o detective levantaram-se das cadeiras com um sorriso. Feitas as despedidas, o detective foi-se embora. Damian queria visitar Shade, mas Alicia impediu-o.
- Deixa-o descansar! Olha Damian, eu sei que tu estás desejoso de o rever, mas ele não estava lá muito bem! Por isso, deixa-o dormir mais um bocado...! Já agora, tens condições de acolhê-lo na tua casa?
- Claro que sim, directora! Nem que ele dormisse na sala! Ele fica comigo! Prometi, há muito tempo, que tomaria conta dele.…! - suspirou Damian, impaciente.
- Muito bem. Sendo assim… Que tal se fores fazer uma ronda pelo centro e daqui a pouco eu vou ter contigo e preparamos um lanchinho para o Shade?
Alicia acompanhou Damian até à porta do escritório. Ela recordou-se da mãe adoptiva de Shade, uma mulher grega chamada Aleksia. Esta ficara bastante doente de repente, definhando e morrendo em pouco mais de um ano.
Perdida em pensamentos, Alicia fechou a porta do escritório à chave. Dirigiu-se à sua secretária, sentando-se. Pegou numa chave que estava escondida num compartimento secreto numa das gavetas e levantou-se, dirigindo-se a uma pintura que estava colocada numa parede ao lado da janela. Com cuidado, ela retirou o quadro. Por detrás dele, estava um cofre. Alicia colocou a pequena chave no cofre, rodou a combinação e abriu-o. Entre dinheiro e muita papelada, estava um pequeno monte de cartas amarradas por um fio de cordel azul. Alicia retirou o maço de cartas para fora. Hesitante, andou às voltas pelo escritório, enquanto ponderava no que fazer. Naquele maço de cartas estavam cartas que Laura escrevera a Aleksia e cartas que Jules enviara a Shade, mas que este nunca recebera. Elas continham um terrível segredo que abalaria Shade...
- O rapaz já sofreu demais! Laura, Jules, Aleksia… Que Deus me perdoe! Este segredo morre comigo!
Alicia levou o maço de cartas ao peito. Em seguida, atirou-o à lareira, sendo o maço de cartas consumido pelas chamas rapidamente.
[Continua...]