Shade correu sem parar até ao local onde viviam os amigos que o tinham salvo. Estava confuso e assustado. Seria aquele homem, um dos caçadores de recompensas? Há quanto tempo é que ele teria a cabeça a prémio? As dores de cabeça aumentaram de intensidade, tornando-se uma valente enxaqueca. Jules acompanhava-o, tentando animá-lo.
- “Está tudo bem, os teus amigos surgiram mesmo a tempo!”
- Como é que eles sabiam? Isto é obra tua, Jules?
- “Os teus amigos viram-te a entrar na tua antiga casa…”
Ofegante e cansado, Shade encostou-se a uma parede. Tinha chegado ao beco onde viviam os dois rapazes. Esperou ali por eles. Uma hora depois, os dois rapazes regressaram, devagar. Um deles estava ferido!
- Shade! Bro! Há quanto tempo! - exclamou um deles.
- Mesmo! Há quanto tempo, mano! - concordou o outro, com um gemido, uma vez que estava a sangrar do braço esquerdo.
Os dois rapazes eram primos. Altos e magros, um deles tinha cabelos castanhos-claros e olhos num tom castanho-avelã. Esse chama-se William. O outro rapaz tinha cabelos castanhos-escuros e olhos do mesmo tom. Esse chamava-se Adam. William e Adam eram bastante parecidos.
William e Adam
Além de serem primos, eles eram meios-irmãos, por parte do pai, que fugira da cidade depois de engravidar as mães de ambos. As duas irmãs, com vergonha do que pensariam as pessoas, desapareceram pouco depois de terem os bebés e deixaram-nos aos cuidados de uma instituição para rapazes. Essa instituição fechou 11 anos mais tarde, depois de inúmeras queixas de maus-tratos e abusos. William e Adam passaram a viver nas ruas e a cuidar um do outro. Alguns meses mais tarde, os dois primos conheceram Shade e Damian.
- Ó meu Deus! O que foi que vos aconteceu? Vocês estão bem? - perguntou Shade, chocado!
William sacou de uma chave e abriu uma porta.
- Falamos dentro de casa, ok? Ajuda-me a amparar o Adam!
- Claro!
Devagar, os três rapazes entraram num apartamento muito semelhante ao apartamento de Damian. Aqueles eram apartamentos cedidos a sem-abrigo, graças aos inúmeros esforços da directora do Centro Comunitário de Fargo Hills. William e Shade acomodaram Adam num sofá.
- Tira a camisola, Adam! Preciso de ver o ferimento! - ordenou Shade, com ar sério.
Com alguma dificuldade, até porque Adam estava cheio de dores, William ajudou-o a retirar a camisola. Enquanto isso, Shade correu até à casa de banho para procurar um kit de primeiros socorros. Depois de reunir o que achava que precisaria, Shade correu para a sala e viu o ferimento. Adam tinha levado um tiro no braço. Felizmente, a bala só o atingira de raspão.
- Como é que…? - perguntou.
- Aquele homem deu luta… - explicou William. - Depois de tu fugires a correr, ele empurrou-nos para o lado e correu atrás de ti. Avisamo-lo de que estávamos armados, mas ele não pareceu ficar assustado com isso… Pouco antes de chegarmos à ponte, ele disparou sobre nós e olha, quando eu vi o Adam a cair, eu pensei que ele o tinha matado e não hesitei: disparei várias vezes! O homem ainda cambaleou, mas acabou por cair da ponte abaixo…
- Porra, meus! Não me acredito que vocês podiam ter morrido por minha causa! - gemeu Shade, enquanto limpava cuidadosamente o ferimento de bala.
- Ora… O importante é que está tudo bem! Tu sabes como funciona a lei das ruas, mano… Somos uns para os outros! Aiiiiii! Isso dói! - guinchou Adam.
Com ar terno, Shade procurava acalmar o amigo.
- Apesar de não teres ficado com a bala alojada, precisas de levar pontos!
- Consegues fazer isso, Shade? Não queria nada meter a polícia ao barulho, nem ir ao hospital! - suspirou William, dando a mão a Adam e sorrindo para este.
- Na boa, não se preocupem! Arranja-me um trapo, fio, alfinetes e uma boa garrafa de álcool! - pediu Shade, com ar profissional.
- Vai doer, não vai? - gemeu Adam, triste.
- Prometo que vou fazer o que sei para que não seja tão doloroso assim, fofo… - respondeu Shade, com um sorriso carinhoso, dando um beijo ao amigo.
William trouxe o que Shade pediu. Este colocou uma mordaça na boca de Adam e depois de fazer uma limpeza mais profunda com álcool, começou a coser o ferimento. Adam gemia e chorava. William chorava em silêncio. Shade tentava manter o sangue-frio, concentrando-se no que estava a fazer. Quando terminou, limpou a testa que estava alagada em suor. Foi buscar uma compressa, colocou pomada e depois envolveu o braço e ombro de Adam com uma ligadura.
- Tu és um verdadeiro pro, mano! - congratulou-se William.
- Agora tens de evitar fazer esforços com o braço durante dois ou três dias. Depois disso, voltamos a ver como é que isso está! Acho que estarás pronto para outra não tarda nada! - declarou Shade, arrumando as ligaduras e o restante material.
- Tu podias ser médico, Shade! Nunca pensaste nisso? - perguntou Adam, mexendo o braço devagar.
- Quando muito, seria enfermeiro, ah ah ah! - riu-se
Shade, mais tranquilo. - O que sei, aprendi lá no Centro Comunitário ao cuidar
das pessoas... Adam, toma este comprimido. Vai ajudar a aliviar as dores.
Adam tomou o medicamento que Shade lhe deu, enquanto William foi buscar um copo com água para o primo beber. Shade virou-se para os dois rapazes e perguntou, com ar preocupado:
- Olhem lá uma coisa… O homem tinha uma encomenda com ele… O que é que é feito dela?
William sentou-se ao lado de Adam e convidou Shade a sentar-se.
- Olha… A encomenda foi-se com o homem… Ele colocou o pacote no bolso e…
Adam gemeu e comentou:
- E o homem falou-nos sobre o que tu escreveste na carta… Nós já sabemos o que aconteceu, Shade… Já sabemos o que tu fizeste no Verão passado2!
Shade ficou branco como cal. William deu-lhe as mãos, sendo seguido por Adam.
- Não precisas de ficar nervoso… Não te julgamos por nada, mano… Tu fizeste o que tinhas de fazer! Se fosse eu, teria feito o mesmo!
- E eu também, bro! - exclamou Adam, que aos poucos, sentia os efeitos da medicação.
- É melhor tu ires descansar um pouco, Adam! Eu e o William ajudamos-te a ires para a cama!
- Ok…
William e Shade ampararam Adam até ao quarto, despiram-no, deitaram-no na cama e fizeram-lhe alguns carinhos e carícias mais íntimas para que este adormecesse depressa. Depois de Adam atingir o orgasmo, Shade e William voltaram para a sala. Shade estava nervoso e pediu um charro.
- Mas tu agora também fumas?
William riu-se e rapidamente preparou um charro para cada um. Shade e ele foram para a janela da sala, onde se recostaram a fumar.
- Estás bem, Shade?
Shade chorava, triste.
- Não era assim que eu queria que vocês soubessem… O que é que vocês vão ficar a pensar de mim?
- Ora… Estou a ver que os ares lá de Grace Falls te deram a volta ao miolo, meu! Achas mesmo que eu, o Adam ou o Damian te vamos julgar pelo que aconteceu? Tu fizeste o que tinha de ser feito…
- E ainda não acabei… Mas tenho dúvidas de que consiga ir até ao fim… Da outra vez, eu estava mesmo enraivecido… E mesmo assim, não foi fácil!
- O importante é não descobrirem que foste tu… - suspirou William, com ar perdido no horizonte.
- Acho que não deixei vestígios... Enfim... Sabes? Senti tanto a falta destes momentos… Contigo, com o Adam, com o Damian… Quem me dera que o Jules pudesse estar aqui do nosso lado… Sinto muitas saudades dele…
De repente, Jules surgiu ao lado de Shade e com um sorriso, comentou:
- “Mas eu estou aqui… E sempre vou estar!”
Shade sorriu e exclamou:
- Ó Jules! Como senti a tua falta! Já viste? Os meus amigos levaram um tiro por causa daquilo!
William questionou-se.
- Jules?
Enquanto isso, Shade abraçava-se a si mesmo, completamente convencido que estava a abraçar o irmão. Foi aí que William entendeu. Shade devia estar a delirar devido ao charro e sorriu. Abraçou Shade e depois de terminarem de fumar, os dois foram para a sala, onde se sentaram a conversar e a beber.
- Eu vou avisar o Damian de que estás aqui. Assim ele não fica preocupado!
- Isso! Eu não tenho telemóvel… Ainda. Faz isso, por favor! Diz-lhe que o Jules manda beijinhos! - respondeu Shade, com ar sonhador.
Depois de mandar uma mensagem a Damian, William sentou-se ao lado de Shade, desafiando-o para um concurso de shots. Shade aceitou e os dois amigos beberam até adormecerem, com as cabeças recostadas um no outro.
*28 de Maio de 2018*
Nos dias que se seguiram, Shade ficou por casa dos amigos. Damian andava bastante ocupado a atender clientes e aquele mês estava a ser particularmente “produtivo”. Shade ficou a saber durante um jantar que Damian estava a preparar-se para viajar para Nova Iorque. Era por isso que andava tão ocupado. Pretendia ganhar o máximo de dinheiro que pudesse para se poder governar quando fosse viajar.
- Se ele não te contou, foi porque não calhou! Vocês mal tiveram tempo para estarem juntos! Não fiques assim! - comentou Adam pela enésima vez, ao ver a cara de caso de Shade.
- Yah, deve ter sido isso… - suspirou Shade.
O ferimento de Adam estava a cicatrizar bem. Naquela manhã, Adam, Shade e William dirigiram-se para o Centro Comunitário de Fargo Hills, a fim de prestarem voluntariado. Damian cruzou-se com eles no caminho. William deu as mãos a Adam e com um sorriso, rematou:
- Nós vamos indo! Até já!
Damian parecia cansado. Ao ver a cara de Shade, percebeu logo que este estava chateado com alguma coisa.
- Queres tomar um café, Shade? Eu estou a precisar…
- Já tomei o pequeno-almoço, mas pode ser, nee…
Os dois amigos dirigiram-se para um café próximo ao centro e sentaram-se numa mesa ao canto. Com ar sedutor, Damian questionou:
- Eu sei que se passa alguma coisa contigo, fofo! O que tens? Estás chateado comigo porque não te tenho dado atenção?
Shade explodiu:
- Caralho, Damian! Porque não me disseste que te vais, não tarda muito, para Nova Iorque? Quando esperavas dizer-me? No dia em que te fores embora?
As pessoas que estavam no café viraram-se para trás e olharam espantadas para Shade, que estava com o rosto vermelho de raiva e os olhos brilhantes. Não tardaria a chorar. Damian sorriu às pessoas. Estas encolheram os ombros e viraram costas, retornando os seus afazeres.
- Olha, Shade… Muita coisa aconteceu desde que te foste embora para Grace Falls, o ano passado… Antes de eu vir parar a Fargo, eu estudava Teatro numa Universidade em Massachusetts… Não consegui concluir o curso na altura, porque acabou-se-me o dinheiro… Mas, ao longo deste tempo todo, eu fui finalizando as cadeiras que me faltavam e finalmente, durante o Outono passado, eu terminei o curso!
- Wow! Parabéns! - congratulou Shade, impressionado. - Eu não sabia, nee… Quer dizer… Sabia que andavas ocupado, mas não sabia que estavas a investir nisso, disseste que era um segredo. E que só me revelarias… - Shade recordou-se. - Pois foi…! Tu disseste que só me revelarias o segredo, quando o terminasses! Ó meu Deus! Parabéns!!
Damian sorriu, orgulhoso.
- Tive a ajuda da minha prima, a Daniela1! Ela emprestou-me o dinheiro necessário para concluir os estudos! É por isso que agora ando… Ocupado, entendes? Estou a juntar o dinheiro para a viagem e para lhe pagar o que ainda lhe devo! Graças a Deus, com o que já ganhei este mês, vou conseguir pagar-lhe o dinheiro que falta! A partir de agora, o que ganhar é para juntar para as despesas da viagem, alojamento e alimentação! Não sei se já sabes, mas eu vou para Nova Iorque para participar num musical da Broadway!
- Um musical da Broadway? Bem, não fazes por menos, nee! Estou a ver que muita coisa mudou desde que me fui embora… Pelos vistos o William e o Adam também andam nessa “ocupação”... E pelo que me contaram… Eles já conseguem facturar alguma coisa! Aliás, tenho a dizer-te que adorei aqueles casacos que eles têm…!
- Falou o niño que agora é rico! - gracejou Damian. - Fui eu que os “meti” nessa “ocupação”... Os clientes gostam de “carne fresca”... Vá, não seja por isso, eu compro-te um casaco igual ao deles!
- Acho bem! Acho mesmo muito bem! - riu-se Shade, mais bem-disposto. - Mas nee, como é que surgiu a oportunidade? Para tu participares num espectáculo da Broadway?
- Os produtores andaram a fazer um mega-casting pelo país… Eu não ia concorrer, mas a directora Alicia insistiu muito. Eu decidi tentar a minha sorte. Concorri. Fui chamado, participei em alguns testes e olha, fui seleccionado…
- A sério? Que fixe! Então e como é que se chama essa peça?
- É uma versão actual da obra “Os Miseráveis”, de Victor Hugo! - declarou Damian, feliz. - Nem quis acreditar quando me ligaram a dizer que tinha sido seleccionado! Vamos começar a actuar em Outubro! Como eu tenho um papel secundário, só preciso de ir para Nova Iorque em Agosto. Mas tenho colegas meus que já estão a ensaiar desde Março!
Shade suspirou, aliviado.
- Em Agosto? Boa! Pensei que te ias embora para a semana…! Se é assim, ainda temos algum tempo para estarmos juntos…!
Damian abraçou-o.
- Claro que sim, puto! Achavas que te livravas de mim assim tão depressa?
Shade abraçou-se ainda mais a Damian.
- Vou sentir falta destes abraços…
- Porquê que não vens comigo para Nova Iorque, Shade? Eu vou viver num quarto de um apartamento partilhado com outros colegas do espectáculo, mas decerto que arranjo um espaço para ti!
Abanando a cabeça, Shade rematou, levantando-se:
- Nãããããã…! - Eu tenho de procurar pistas sobre o meu pai, lembras-te? Entretanto, é melhor irmos para o Centro, senão a directora vai dar-nos na cabeça!
E assim, depois de pagos os cafés, Damian e Shade seguiram para o Centro. Ao chegarem lá, Marcia informou-os de que deveriam ir os dois ao gabinete de Alicia, assim que chegassem.
- Cheira-me que já vamos ouvir sermão… - suspirou Shade, enquanto subiam as escadas.
Quando chegaram à porta do gabinete, bateram. Passados alguns instantes, a directora Alicia abriu a porta, com ar sério.
- Entrem meus filhos, entrem…
Ao entrarem, Shade e Damian não puderam evitar um “Oooohhh!” de espanto. O gabinete da directora encontrava-se cheio de gente! Estava lá a Presidente dos Estados Unidos da América, Zelda Washington, que sorriu para os dois rapazes. Junto dela, encontrava-se um homem que Shade
reconheceu como sendo o pai de Matoskah e Takoda2!
Ao lado dele, estava Noah, o enfermeiro que cuidara de Shade em White River! E
junto à janela do gabinete da directora estava Bianca, a meia-irmã de Shade e
de Jules!
1 - “Vírgulas do Destino:
Prisioneiros do Amor”;
[Continua...]