27 maio 2022

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 17

 

Capítulo 17


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Eddie ficou branco como cal! Jules e Shade tinham mantido um relacionamento amoroso! Aquela devia ser a derradeira razão para Jules ter cometido suicídio! 

Triste com a descoberta, Eddie mandou a secretária fazer várias chamadas: telefonou à Presidente Zelda, ao advogado da empresa GraceTech, Chayton, e à esposa deste, Shappa. Precisava de respostas a várias perguntas.

Como estivessem todos ocupados, Maria, a secretária de Eddie, pediu para que lhe ligassem assim que pudessem. Eddie fechou-se no escritório e exigiu não ser incomodado, a não ser pelas pessoas com quem ele queria falar naquele momento.

Sozinho, ele chorou e sofreu em silêncio, tentando imaginar o que teria passado pela cabeça dos dois irmãos ao descobrirem a terrível verdade. Alguns minutos mais tarde, Chayton ligou-lhe. Ele era um homem ameríndio de longos cabelos pretos e olhos esverdeados. Alto, esbelto e musculado, com a pele muito dourada pelo sol. 

- “Olá Edward, tudo bem consigo?

Eddie respondeu com voz trémula.

- Olá Chayton! Preciso de falar consigo e com a Shappa! Ela está por aí?

Shappa era a esposa de Chayton e a mãe do Chefe Matoskah e do irmão deste, Takoda. Ela tinha os cabelos bastante compridos, em tons férreos. Ela era quase tão alta como o marido e tinha olhos acinzentados. 

- “Estamos no carro, a caminho da Reserva! Eu vou pôr a chamada em altifalante!” 

- Obrigado...

- “Senhor Eddie? Olá boa tarde! Passa-se alguma coisa?” - questionou Shappa, preocupada.

- Antes de mais... James... É melhor estacionarem o carro. Os miúdos estão com vocês? - perguntou Eddie.

Shappa olhou para o marido com ar surpreendido e acenou com a cabeça. Este abrandou a velocidade e estacionou o jipe onde seguiam na berma da estrada. Chayton respondeu, intrigado.

- “Só estamos nós os dois, Eddie! O Matoskah e o Takoda já estão na Reserva Indígena! Nós vamos agora a caminho de lá. O que se passa? Precisa de alguma coisa? Eu peço desculpas, mas agora só poderei passar na empresa na próxima semana… Haverá um encontro de tribos neste fim-de-semana, o primeiro encontro do Matoskah como líder!” 

Eddie decidiu lançar o isco:

- Eu só preciso de confirmar uma coisa... A Bianca... Ela contou-me que o Jules e o Shade envolveram-se amorosamente... Pelos vistos o Jules falava disso lá no diário dele...

Shappa mostrou-se admirada.

- “A Bianca contou-lhe? Não estava à espera de que ela fosse partilhar esse episódio da vida do irmão... Daquilo que conseguimos ler, o Jules escreveu no diário que ele e o irmão envolveram-se, mesmo depois de saberem que eram irmãos...” 

Como Eddie não afirmasse nada, Chayton tentou pôr água na fervura.

- “Eddie… Eu não sei como é que você está… Acredito piamente que esta não seja uma notícia fácil de digerir... Mas… Posso garantir-lhe que os rapazes não fizeram nada de errado. Não foi por isso que o Jules se suicidou... E você sabe disso.

- É fácil para vocês! A forma como a vossa cultura funciona… É diferente da minha… - declarou Eddie, um pouco amargurado. - Eu sei que vocês não me entendem, afinal na vossa tribo… É tudo uma rambóia! A minha falecida esposa devia ter pertencido à vossa tribo!

Seguiu-se um silêncio desagradável. Shappa expôs o seu ponto de vista.

- “Não confunda as coisas, senhor Eddie. Por favor. Os nossos costumes e crenças em nada afectaram o que veio a acontecer. Os miúdos não têm culpa do sucedido. Eu acho que o Jules se sentia muito sozinho… A forma como ele se afeiçoou aos nossos filhos… Eu acredito que quando encontrou alguém como ele, quando ele conheceu o Shade… Isto é, um rapaz que sentia e pensava de forma muito semelhante à dele, depois das perdas que sofreu… Ele deve ter sentido que finalmente não estava tão sozinho! Porque sim, ele sentia-se muito só!”  

Eddie chorava copiosamente.

- Desculpem-me pelo que vos disse. Fui um idiota! Shappa, você tem toda a razão… Se eu tivesse estado mais próximo do Jules… Da Laura… Se eu não tivesse colocado a empresa à frente da família…

Chayton murmurou.

- “Nós amávamos o Jules como se ele fosse nosso filho. Os nossos filhos e amigos também o amavam e continuam a falar dele com respeito e saudade. Ele tornou-se um dos nossos…”    

- Mas o mundo vai muito além da vossa tribo, não é? - Eddie insistia no ponto que lhe parecia fulcral. - Olhe Chayton, eu vou mandar a minha secretária oficializar uns documentos imediatamente! A Maria mandará um estafeta entregar essa documentação na Reserva Ameríndia ainda hoje! Desculpem-me… Eu ainda estou em choque... Com licença... Desculpem-me… Beijinhos ao Takoda e ao Matoskah... E… Muito obrigado! Vocês são pessoas maravilhosas! Quem me dera ter-vos conhecido mais cedo!

- “Eddie...” - gemeram Chayton e Shappa.

Por fim, a terrível verdade! Eddie queria gritar, mas controlou-se. Desligou a chamada sem dizer mais nada. No fundo, ele sabia que os amigos tinham toda a razão. Quando se acalmou, ele tirou uns documentos que tinha numa pasta apelidada de Confidencial. Depois de ler várias vezes e de certificar-se que tudo estava em ordem, ele assinou todos os papéis, com um pequeno sorriso. Estava feliz. Ele chamou Maria, a sua secretária, e mandou-a autenticar todos os documentos imediatamente, num cartório a poucos quarteirões dali. Quando ela saiu, Eddie levantou-se e foi até à janela do seu escritório apanhar um pouco de ar. 

- Como gostava que o tempo pudesse voltar atrás, Laura… Jules… - sussurrou Eddie.


*Naquele momento, em Fargo…* 




Shade percorria a cidade com algum desagrado. O dia estava quente e com aquelas roupas, às quais Shade tinha adicionado o gorro, o cachecol e os óculos escuros, Shade estava a ficar cheio de calor. Jules acompanhava-o. 

- “Estás a ser seguido, Shade…“ - comentou Jules, com voz etérea.

- Sim, já percebi isso… Aquele fulano é o mesmo que foi contra mim na estação, quando cheguei… Porque será que me está a seguir?

- “Tens que o distrair…” - sussurrou Jules, desvanecendo-se. 

Shade fez um desvio. Entrou por uma ruela estreita e aí correu em ziguezague por entre várias ruelas. Passado algum tempo, acabou por tirar o gorro e o cachecol, já que não suportava o calor. Guardou-os na sua sacola. Depois de confirmar que tinha despistado o homem, ele entrou num eléctrico que passava numa avenida antiga. O homem ficara para trás.    

Alguns minutos mais tarde, Shade saltou do eléctrico. Estava à porta de uma casa bastante antiga e em mau estado. Emocionado, olhou para ambos os lados e retirou uma chave do bolso. A fechadura estava perra. Precisou de dar a volta com a chave várias vezes até conseguir ouvir o “click!” que lhe permitiu abrir a porta.

Entrou.

Aquele era o local que ele chamara de lar, até fugir de casa, 9 anos antes. Depois da mãe adoptiva morrer, Shade ficara ao cuidado de dois tios. Na verdade, aquelas pessoas não eram tios, nem eram nada a Shade, nem à mãe dele. Era um casal de traficantes que alimentavam o vício da mãe e que usaram e abusaram de Shade. Física, emocional e sexualmente. Ele percorreu a casa com cuidado, pois todo o edifício estava em mau estado. Pelos vistos, desde que o casal tinha sido preso, nunca mais ninguém ali estivera. Ainda existiam algumas fitas da polícia rasgadas e tudo tinha sido remexido, mas não havia vestígios de actividade humana recente.

Shade entrou naquele que fora o seu quarto, quando era pequeno. Todo o quarto estava revirado do avesso e cheio de pó. As paredes estavam enegrecidas pela humidade, mas ainda se percebiam alguns desenhos infantis que enfeitavam as paredes. Shade desenhara paisagens e desenhara-se a si mesmo de mãos dadas com outros meninos, sempre com um sorriso e ar feliz. 

- Estás a ver, Jules? Ainda não sabia de ti e já sonhava contigo! - comentou Shade, comovido.

- “Desenhavas muito bem!” - sussurrou Jules, com meiguice.

Emocionado, Shade percorreu as paredes com a ponta dos dedos. Em alguns dos desenhos, Shade estava a cantar. Noutros, ele estava de mãos dadas com a mãe. Havia um desenho que Shade pensou ser do pai, mas não se lembrava. Havia um desenho dele, com ar triste, onde estava um rapaz mais alto do que ele e este dava-lhe um beijo na cara para o animar.

Shade riu-se. Ao sair do quarto, tropeçou num boneco velho. Era o seu ursinho de pelúcia! Comovido, Shade pegou nele e embora o peluche estivesse todo sujo, abraçou-se a ele e guardou-o na sua sacola.

- Jurei que nunca mais cá punha os pés… Mas ainda bem que vim… Foi bom… - rematou, limpando as lágrimas que deslizavam pelo seu rosto.

Jules acenou com a cabeça e desapareceu. Shade ficou com fortes dores de cabeça, mas sentia o coração bem mais leve. Ele partiu em direcção à periferia da cidade. Dois rapazes seguiam-no, discretamente. Shade atravessou uma ponte de madeira e entrou num bosque. Caminhou durante vinte minutos, até encontrar uma gruta. 

Entrou na gruta. 

A encomenda estaria escondida entre os rochedos. Shade vasculhou a gruta toda, mas a encomenda desaparecera! Em choque, ele inspeccionou várias vezes, mas nada! A encomenda levara sumiço! 

Sem saber o que pensar, Shade saiu da gruta. Gritou de fúria e frustração.

- Foda-se! Porquê?! Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!! Que raiva!!! Foda-se!!!




Um vulto saiu de uns arbustos. Era o homem que o seguira anteriormente! O homem sacou de uma arma.

- Até que enfim! Estava a ver que te tinha perdido de novo! - respondeu o homem, aproximando-se de Shade.
 
- Quem é você? 

- Eu sou um detective particular contratado para te encontrar! Eu trabalhava para o senhor Eddie, até ele me ter despedido! Pelos vistos, ele não quer mais os meus serviços! Veremos se manterá essa opinião… - gracejou o homem, com um sorriso mau. 

Shade tentou ganhar tempo. O homem avançava em direcção a ele com a pistola em punho. Se fizesse algum movimento brusco, arriscava-se a levar um tiro.

- O que me quer? Eu não tenho nada…!

O homem riu-se.

- Sim, eu sei que não tens nada… Já eu… Eu tenho aqui a encomenda que vieste buscar, Shade!

O homem retirou um pacote do bolso, enquanto se ria, com a arma apontada a Shade.

- Sim senhor! O que dirá o senhor Eddie quando eu lhe revelar o que tens aqui? Quando ele souber…! Ele vai pagar por ter-me despedido! Ele vai pagar-me a peso de ouro por ti, seu maldito! Tu agora vens comigo para o México! Já! Um passo em falso e morres! - ameaçou.

Dois rapazes da mesma idade de Shade apareceram de repente, por detrás do homem, com armas em punho e ar feroz.

- Presumo que esse tipo não é teu amigo, Shade! - comentou um deles.

- Foge! Vai prá nossa casa! Já vamos ter contigo! - gritou o outro.    
 
Shade sorriu para eles e obedeceu. Correu com quantas forças tinha em direcção à casa dos amigos que o tinham ido salvar.   


*Uma hora depois, em Washington, na sede da GraceTech…*
 

Maria, a secretária de Edward Sullivan, estava de regresso à empresa. Tinha cumprido tudo o que o patrão lhe ordenara. Ao entrar no escritório, o telefone tocava. Ela correu para atender. Instantes depois, pousou o telefone e foi bater à porta do escritório do seu chefe. 

- Senhor? Estou de volta! A Presidente Zelda está ao telefone, na linha 1!




Como não obtivesse resposta, a secretária entrou. Eddie estava caído no chão, junto da janela.

- Ó meu Deus! Senhor Eddie! Senhor Eddie!

A secretária ainda fez manobras de reanimação, mas já não adiantou de nada. Ela telefonou a pedir ajuda. Uma equipa de paramédicos com suporte de vida dirigiu-se imediatamente para lá. Edward Sullivan sofrera um ataque cardíaco fulminante e não resistira, sendo declarado o seu óbito, pouco tempo depois.


[Continua....]

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