26 maio 2022

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 16

Capítulo 16


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*23 de Maio de 2018, Clínica Foster, Nova Iorque*


Um homem de cabelos arruivados e com ar cansado aguardava sentado que chamassem por si, na sala de espera de uma clínica. Era o único paciente ali presente. Um pouco ensonado e aborrecido, o homem olhava para a televisão que estava afixada numa parede cinzenta e onde uma jornalista apresentava as notícias do dia.  




- “ (…) Na Dakota do Norte, uma forte tempestade causou alguns danos consideráveis na cidade de Prairie Rose, a cerca de 10 quilómetros a sul da capital do estado, a cidade de Fargo. Segundo os meteorologistas, um tornado de categoria F-3 invadiu a cidade, embora tenha demorado poucos minutos. Durante o tempo em que o fenómeno ocorreu, o tornado arrancou telhados, provocou a queda de árvores e trouxe consigo queda de granizo, do tamanho de bolas de pingue-pongue! Os danos ainda não foram contabilizados, mas acredita-se que sejam na ordem das dezenas de milhares de dólares. Quanto à cidade de Fargo, o mau tempo causou algumas inundações e quedas de árvores, mas felizmente não houve perda de vidas humanas em nenhum dos locais.

A repórter bebeu um gole de água e prosseguiu:

- “O mesmo já não se pode dizer sobre a cidade de Nova Iorque. Esta noite, “O Desmembrador” fez mais uma vítima.

A imagem da jornalista deu lugar a uma fotografia.





Ursula Bristen

- “A rapariga que os telespectadores estão a ver na fotografia chamava-se Ursula Bristen. Era uma jovem de 31 anos, Gemologista de profissão. A polícia desconhece, até ao momento, quais os motivos que terão levado o serial-killer conhecido como “O Desmembrador” a atacar a pobre rapariga, já que ele não roubou nada do apartamento desta… Para além de uma parte do corpo de Ursula, melhor dizendo… Entretanto, as autoridades…

- Senhor Douglas Rimbaud! Senhor Douglas Rimbaud! - chamou uma enfermeira, por detrás de um guichet, com um sorriso. 

- Sou eu, menina! Sou eu! - exclamou o homem, que se levantou com alguma dificuldade.

- Precisa de ajuda, senhor? - perguntou a enfermeira, aproximando-se de Douglas.

- Não é preciso! Obrigado!

- O doutor já vai atendê-lo, pode entrar!

Douglas avançou, com alguma dificuldade, até ao consultório que a enfermeira lhe indicou. Bateu à porta e entrou. Um médico baixinho, de cabelos grisalhos e óculos garrafais chamado Hubbert, cumprimentou-o e convidou-o a sentar-se.

- Então Douglas, como tem passado?

- Ó doutor, não tem sido fácil… Apesar do que o senhor disse… Não tem sido fácil…

- Tem tido muitas dores?

- Hoje está demais… - queixou-se Douglas.

- Trouxe as análises que lhe pedi?

Hubbert tomava apontamentos em frente do seu computador. Douglas entregou um envelope selado, que o médico prontamente abriu e leu os resultados. Em seguida, ele passou os novos dados para o historial clínico do paciente e disse:

- Boas notícias, Douglas! O tratamento está a fazer efeito! O seu organismo está a reagir bem e já temos aqui algumas melhorias! E tudo isto sem termos de recorrer a medidas mais extremas! - congratulou-se o médico, com um sorriso.

Douglas sorriu.

- Parece que tinha razão, como sempre, doutor Hubbert! Então, eu estou a melhorar?

- Sim, de acordo com as análises e comparando com as últimas que lhe mandei fazer, o seu organismo finalmente mostra estar mais receptivo ao tratamento! Como está o seu filho? Há muito tempo que ele não vem às consultas consigo! Já estive para lhe perguntar por ele…

O sorriso no rosto de Douglas desapareceu.




- Olhe doutor, a verdade é que eu não sei dele. Nós tivemos uma séria discussão, há alguns meses… Ele pegou na mochila dele e saiu de casa. Desde então que tenho procurado por ele, mas sem sucesso…

- Ohhhmmm… Lamento imenso… A juventude agora… Pensam que é tudo fácil….

Douglas suspirou.

- A polícia suspendeu as buscas ao fim de algum tempo. Disseram que ele é maior de idade e que por isso, está no direito dele de sair de casa e seguir com a vida dele…

- No meu tempo, não havia essas facilidades… Havia mais respeito! E a polícia era mais eficaz! Hoje em dia, qualquer badameco torna-se polícia! - resmungou Hubbert. 

- Concordo consigo! - acenou Douglas, com o rosto a contorcer-se de fúria. 

Ele não tinha boas memórias com polícias. Mais sereno, o médico perguntou:

- Então e o seu trabalho no teatro? 

O rosto de Douglas iluminou-se. Douglas trabalhava como contra-regra num teatro da Broadway.

- Awwwwww! O doutor vai gostar! O próximo espectáculo estreia em Outubro e vai ser uma nova versão de “Os Miseráveis”! 

- Os Miseráveis, de Victor Hugo? Adoro! Depois tem de arranjar-me bilhetes para o espectáculo! - comentou Hubbert, esfregando as mãos de contentamento.

A consulta terminou quando a enfermeira avisou o médico que tinha novos pacientes a aguardar na sala de espera. Douglas levantou-se. Hubbert entregou-lhe os exames e vários papéis, com a marcação de novos exames e da próxima consulta. Ao olhar para as datas, Douglas sorriu e comentou:

- Quando eu regressar em Agosto, já lhe trago os bilhetes, para si e para a Babs, a sua esposa. Como está ela, já agora?

- Está bem, obrigado por perguntar! Daqui a umas três semanas vamos de férias para as Bahamas, temos lá uma casa. Com o tempo que tem feito, esperemos ter mais sorte! Um pouco de sol e calor vinham mesmo a calhar!

- Realmente, o tempo não tem estado famoso! Ouvi dizer que se vai manter incerto, embora prevejam um aumento de temperatura... 

- Bom, Douglas, desejo-lhe as melhoras… E… Tenha fé…! A sua doença não tem cura, mas como vê, estamos a fazer progressos! Tenha fé!

- Obrigado, doutor! Um bom resto de bom dia para si! Mande cumprimentos à sua esposa!

- Muito obrigado! Serão entregues!   


*Entretanto, na cidade de Fargo…*   


Shade não sabia que horas eram quando acordou. Tacteou, ainda de olhos fechados, esperando sentir o corpo quente de Damian deitado a seu lado. Para seu espanto, o que sentiu foi frio! Abriu os olhos e viu que Damian já não estava ali. 

- Damian?

Ninguém lhe respondeu.

- Hey, Damian? Estás aí? - perguntou novamente.
     
Como não obtivesse resposta, Shade esfregou os olhos, espreguiçou-se e levantou-se. Ensonado, foi à casa de banho. Pouco depois, regressou ao quarto e olhou para o relógio. Este marcava 13:10. Shade sentou-se na borda da cama. Espreguiçou-se, coçou a barba e os pêlos do peito. 

Agora que tinha deixado crescer os pêlos, espalhados por todo o corpo, ele sentia um grande prazer em coçá-los. Sentia-se mais relaxado quando o fazia. Não tardou a enfiar-se novamente na cama e a masturbar-se, enquanto procurava sentir o cheiro de Damian na roupa da cama. Já passava das três da tarde quando Shade levantou-se. Vestiu umas boxers e uma t-shirt. Ao chegar à sala, encontrou um bilhete de Damian.


“Bom dia!
Tive de sair para atender vários clientes!
Ainda não sei a que horas é que regresso a casa.
Tens comida no frigorífico. 
Cuida-te!
Beijos,
Damian”


Shade dirigiu-se ao frigorífico e colocou leite a aquecer. Antes de sair, Damian deixara pão fresco em cima da mesa, junto com alguma fruta. Shade comeu tudo, com olhar absorto, enquanto pensava no que iria fazer durante o resto do dia.




Pouco depois, ele decidiu tomar um banho e vestiu-se com algumas roupas de Damian. Ao olhar-se ao espelho, riu-se da figura que estava a fazer, uma vez que as roupas eram perfeitamente adequadas ao corpo musculado de Damian e não ao corpo magro dele. Ainda assim, lá se arranjou e saiu, em direcção ao esconderijo secreto onde Damian guardara a encomenda que Shade lhe enviara. Um homem seguia-o, discretamente.


*Enquanto isso, em Washington, na sede da GraceTech…*   


- Senhor Eddie? A sua filha está ao telefone, na linha 3!      

- Ah! Óptimo, obrigado! - agradeceu Eddie, pegando no auscultador e carregando num botão.  - Estou, filha?

- “Olá pai! Desculpa não ter-te atendido ontem, mas aqui em San Diego esteve um temporal desgraçado! Choveu a cântaros o dia todo! Até tivemos de mandar os miúdos mais cedo para casa, não fossem as estradas ficarem cortadas devido à chuva intensa que estava a cair!

- Pelo que ouvi nas notícias, houve mau tempo um pouco por todo o lado… Mas tu estás bem?

- “Sim, pai! Hoje não trabalho, vou aproveitar o dia para corrigir testes e provas, a ver se no fim-de-semana consigo ter uma oportunidade para sair e espairecer um pouco… Este final de ano lectivo está a ser desgastante!

- Sempre ocupada, a minha menina! - resmungou Eddie.

- “E tu como estás, pai? Como vão as coisas com a Presidente Zelda?

- Eu estou óptimo, filha! Já demos início aos preparativos! Sabes com quem falei ontem? 

Bianca suspirou. Ela tinha um pressentimento de que sabia sobre o que é que o pai iria falar.

- “Não…

- O Shade chegou ontem de manhã a Fargo! Estive a falar com o detective que contratei e, entretanto, fiquei a saber que o Shade é mesmo um sem-abrigo…

Dito isto, Eddie emocionou-se ao telefone. Bianca, embora tivesse ficado triste, manteve-se em silêncio.

- O miúdo faz voluntariado num Centro Comunitário, lá na cidade… Em troca, a directora do espaço dá-lhe de comer e arranjou-lhe um abrigo. Ele vive na casa de um amigo dele, outro sem-abrigo…

- “Então, se o rapaz tem uma casa, já não é sem-abrigo, pai!” - comentou Bianca, com voz agastada. 

- Ora, filha…! Parece que foi a tal instituição quem arranjou a casa para eles viverem. O Shade e o tal rapaz viviam nas ruas e quando a directora do centro soube… Ela pareceu-me uma senhora bastante sensata.

- “E o tal rapaz, contou alguma coisa de interessante sobre o Shade?

- Não falou muito, não… Mas falou no Jules! Pelos vistos, o Jules chegou a ir à cidade de Fargo, visitar o irmão… De acordo com o Damian, o amigo do Shade, o Jules e o Shade tinham uma relação muito próxima…

- “Talvez demasiado próxima…”  - resmungou Bianca, entredentes.

- O que é que disseste, Bianca? - inquiriu o pai, intrigado.

- “Nada pai, nada… Estava só a pensar alto…” 

Eddie ficou desconfiado.

- Mau, mau, mau! O Damian comentou qualquer coisa sobre o Jules e o Shade terem uma relação muito intensa e tu agora também estás a falar nisso! Eu não nasci ontem, Bianca! Não escondas o sol com uma peneira! O que é que se passa? O que é que tu sabes que eu não sei?

- “Ó pai, daquilo que eu li no diário do Jules, a relação dos dois era muito próxima… Eles queriam estar juntos, só isso…” - comentou Bianca, rezando a todos os santos para que o pai não alongasse a conversa.

- Acho que não conseguimos imaginar a dor que eles sentiram, não é? Descobrirem por acaso que eram irmãos… Hummm… Agora que penso nisso, como é que eles terão descoberto?

Bianca pigarreou. Tinha os olhos marejados de lágrimas.

- “Pai… Podemos falar de outra coisa qualquer?

Apercebendo-se da voz trémula da filha, Eddie pediu desculpas e mudou rapidamente de assunto. Os dois falaram sobre a viagem de finalistas de uma das turmas de Bianca e sobre os preparativos para a recepção na Casa Branca a Lord Mikel. 

Mais animada, Bianca pousou o telemóvel, pouco depois. Ela deparou-se com uma fotografia que tinha tirado com Jules. A última que os dois tinham tirado juntos, quase dois anos antes. Não resistiu e começou a chorar. 

- Porquê que tinhas que ser assim, Jules? Porquê que não confiaste em mim? Porquê que decidiste aguentar o fardo todo sozinho? Eu teria aceitado! Custa-me, mas eu ter-te-ia ajudado a suportares o fardo de seres gay… 

Pensando na relação que Jules mantivera com o Shade, Bianca levou a fotografia ao peito e comentou:

- Com tantos rapazes no Mundo, tinhas logo de apaixonar-te pelo rapaz mais improvável de todos: o teu próprio irmão…! 

Eddie, com espanto e choque, escutara tudo. Bianca pousara o telemóvel, mas não tinha desligado a chamada.


[Continua...]

4 comentários:

  1. Gostei
    Já tinha saudades tuas
    Abreijos

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    1. Olá Francisco!
      Eu também já tinha saudades de estar aqui.
      A vida tem sido uma grande correria, agora que estou com Covid, a ver se consigo regressar em pleno ao blog!
      Abreijos :3

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  2. Rápidas melhoras rapaz :)

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    Respostas
    1. Obrigado! Aqui em casa estamos todos com covid, vamos a ver se passa depressa e fica tudo bem. :)
      Foi a primeira vez que apanhamos.
      Abreijos :3

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