20 de março de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 23

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Capítulo 23





Enquanto Leo, Nicolás e Lauriel se refugiavam na capela abandonada, longe dali, num Plano de Existência além da compreensão humana, Arcanus e Aion enfrentavam-se. O cenário era surreal: um espaço vazio, sem forma definida, onde as cores e as texturas pareciam fundir-se e dissolver-se num constante fluxo de energia. Era o Núcleo da Narrativa, o lugar onde todas as histórias eram tecidas e desfeitas!




Arcanus, com a sua capa negra adornada por símbolos brilhantes que pareciam pulsar com vida, estava de pé diante de Aion, uma figura etérea e imponente, cuja aparência mudava constantemente, reflectindo todas as possibilidades e realidades que poderiam existir. Aion era o Narrador e Guardião das Narrativas, a entidade que mantinha o Equilíbrio entre as histórias e garantia que nenhuma força, nem mesmo Arcanus, pudesse distorcer o tecido da Realidade de forma irreparável.

De repente, Arcanus falou, com um sorriso irónico:

- Aion, velho amigo... Ou devo dizer… Meu velho inimigo? Há quanto tempo! Ainda insistes em interferir nos meus planos?

Aion respondeu, com uma voz que ecoava como um trovão distante:

- Arcanus, tu sabes que não podes continuar assim. Manipular as Narrativas para o teu próprio benefício é uma violação das Leis que governam este Universo! Tu estás a brincar com forças que não compreendes totalmente! Já te expliquei isso da última vez que estivemos juntos! Tu perdeste o controlo desta história!

Arcanus riu, um som que ecoou pelo vazio como uma melodia dissonante.

- Leis? Forças? Aion, tu falas como se eu ainda fosse aquele aprendiz ingénuo que um dia fui. Eu já domino essas forças. E quanto às leis... Bem, as leis são feitas para serem quebradas, não são?

Aion permaneceu impassível, mas uma luz intensa começou a emanar da sua forma etérea, como um aviso.

 - Tu estás errado, Arcanus. O que tu chamas de domínio é apenas uma ilusão. Os Diamantes Arco-Íris não são meras ferramentas para a tua ambição. Pensei que já tivesses percebido isso antes! Eles são fragmentos da própria Essência da Narrativa. Usá-los de forma imprudente pode destruir não apenas esta história, mas todas as outras que estão conectadas a ela! E não são tão poucas assim!

Arcanus fez um gesto dramático com as mãos, como se estivesse a representar num palco.

- Destruir? Oh, não, meu caro Aion! Eu não quero destruir nada! Eu quero melhorar! Estas histórias, estes personagens... Eles são limitados, presos em ciclos previsíveis de conflito e resolução. Eu quero libertá-los, dar-lhes um propósito maior. E, no processo, tornar-me o Derradeiro Autor de todas as Realidades!

O Narrador avançou, com a sua presença a tornar-se mais densa e mais opressiva.

- E é exactamente essa arrogância que te conduzirá à ruína. Tu não és o Autor, Arcanus. Tu és apenas mais um personagem, como todos os outros. A diferença é que TU te recusas a aceitar o teu lugar na narrativa!

Arcanus estremeceu, como se as palavras de Aion tivessem tocado uma ferida antiga. O seu rosto, antes confiante, contraiu-se numa expressão de raiva.

- Tu não te atrevas, seu maldito! Não me compares com eles! Eu sou mais do que isso! Eu vejo além das ilusões, além das páginas! EU SOU quem dá vida a estas histórias!

Com um toque arrebatador, Aion declarou:

- E é exactamente por isso que tu falharás. Porque tu não entendes que a verdadeira Magia da Narrativa não está no Controlo, mas na Liberdade. Os personagens que tu tentas manipular têm algo que tu nunca terás: a capacidade de escolher, de crescer, de se surpreenderem até mesmo a eles próprios!

Arcanus ficou em silêncio por um momento, os seus olhos a brilhar numa mistura de fúria e determinação. Ele sabia que não podia derrotar Aion ali, naquele lugar. Mas também sabia que havia outras maneiras de alcançar os seus objectivos.

Com um sorriso frio, ele despediu-se:

- Então que assim seja, Aion. Continua a acreditar nas tuas ilusões. Mas espero que saibas disto: EU NÃO VOU PARAR! E quando eu finalmente tiver os Diamantes Arco-Íris, nem tu, nem ninguém, poderá impedir-me de alcançar o meu derradeiro objectivo!

Antes que Aion pudesse responder, Arcanus desapareceu, dissipando-se como névoa no vento. O Guardião das Narrativas permaneceu sozinho, observando o vazio onde Arcanus estivera. Ele sabia que a batalha estava longe de terminar. Tinha vencido o Autor Misterioso pela segunda vez. Porém, ele sabia que as escolhas feitas por Rodrigo, Leo e outras personagens, seriam cruciais para o desfecho da história. 

E isso, era algo que o ultrapassava até a ele.




*De volta à capela...*


Enquanto isso, dentro da capela abandonada, Leo ainda lutava para processar o que Lauriel havia revelado. Nicolás estava ao seu lado, tentando confortá-lo, mas a tensão no ar era palpável.

Leo sussurrava, em voz baixa:

- Se eu não sou real... Se tudo isso é apenas uma história... Então por que eu sinto tudo isso? Por que dói tanto?

Lauriel aproximou-se. Os seus olhos dourados brilhavam num misto de compaixão e urgência.

- A resposta é que, para ti, é real. A dor, o amor, o medo... Tudo isso é tão real quanto pode ser. E é isso que te torna tão especial, Leo. Tu tens a capacidade de escolher, de mudar o curso da narrativa. E é por isso que Arcanus tem tanto medo de ti e de Rodrigo. Vocês foram os escolhidos para desvendarem o mistério e realizarem o vosso sonho - ou não! A escolha será vossa. Qualquer que seja a vossa decisão, vocês são livres de a tomar! Se quiserem regressar a Portugal, podem fazê-lo! Irão recordar-se com alguma fantasia que só o Tempo traz à Saudade, mas não se recordarão dos reais motivos para terem vindo até cá! Tudo não terá passado de um sonho! 

Leo olhou para ela, ainda confuso, mas com um vislumbre de esperança nos seus olhos.

- Então... O que eu faço agora?

Lauriel sorriu, um sorriso que carregava o peso de mil segredos.

- Agora, podes escolher. Podes fugir. Podes lutar. E se lutares, não estarás a lutar apenas por ti, mas por todos aqueles que amas. Porque, no final, é isso que importa: as escolhas que fazemos, e o amor que compartilhamos. E, Leo... 

Lauriel fez uma pausa, olhando directamente para ele.

- Tu tens mais poder do que imaginas!

Nicolás apertou a mão de Leo, transmitindo-lhe força e apoio.

- Agora… Dorme! Vais entrar num sono profundo! Não importa o que aconteça, Leo. Eu estou aqui. E sempre estarei! Para Além Do… Para Sempre!

Leo respirou fundo, sentindo uma nova determinação a brotar dentro dele. Ele não sabia o que o futuro reservava, mas sabia que não podia desistir. Havia algo maior em jogo, e ele faria parte disso, não importava o custo. Em menos de nada, adormeceu. 

Tal como Nicolás ordenara, Leo entrara num sono profundo, sem sonhos.


[Continua...]

GenPod Shorts #4 - A Importância das Concessões!


6 de março de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 22 [ESPECIAL]



Capítulo 22

 


A noite em El Callao era densa, carregada de um silêncio que parecia esconder mais do que revelar. Leo, Nicolás e Lauriel caminhavam em silêncio pelas ruas estreitas e mal iluminadas, guiados apenas pela luz tênue da lua. A brisa noturna trazia consigo um cheiro de terra molhada e flores tropicais, mas também algo mais... algo que Leo não conseguia identificar, mas que o deixava inquieto.

Lauriel liderava o grupo com passos firmes, os seus olhos dourados a brilhar como faróis na escuridão. Ela parecia saber exactamente para onde ir, mas não compartilhava os seus planos. Nicolás, ao lado de Leo, segurava a sua mão com firmeza, como se temesse que algo os pudesse separar. Leo, por sua vez, sentia-se dividido entre a confiança em Nicolás e a desconfiança em relação àquela mulher enigmática que parecia saber demasiado. 

Nicolás, Leo e Lauriel sentiram um calafrio a percorrer as suas peles, como se uma tempestade estivesse prestes a eclodir. Havia uma tensão palpável entre Lauriel e Arcana, que, num canto sombrio, observava-os com uma expressão de frustração. Ele batia os dedos contra a madeira da mesa, o som repetitivo ecoava na sala silenciosa, reflectindo a sua irritação crescente.




O que é que tu sabes sobre os diamantes? - perguntou Arcana, por telepatia.

O tom calmo da sua voz mal disfarçava a sua ansiedade. Os seus olhos brilhavam com uma intensidade perturbadora. 

- Os diamantes são essenciais para o meu ritual. Como tal, deves entender que eu não posso permitir que ninguém se interponha no meu caminho!

Lauriel não se deixou intimidar. Ela parou na rua, cruzou os braços, com uma expressão inabalável. O seu coração pulsava rápido dentro do peito. Um leve tremor na mão traiu a sua determinação. Respirou fundo e respondeu em voz alta:

- Os diamantes têm poderes que vão além da tua compreensão, Arcana. Tu não podes controlá-los! - respondeu, desafiando-o com um olhar intenso. A sua voz ecoou pela vila, quase como um mantra, tentando fortalecer-se contra a ameaça iminente. 

Enquanto Lauriel falava, uma luta silenciosa desenrolava-se entre ela e Arcana, como se uma batalha mental estivesse a ocorrer. Arcana tentava invadir a sua mente, procurava respostas, mas ela mantinha-se firme. A sua aura iluminava o espaço ao redor. Os símbolos dos diamantes começaram a brilhar levemente, pulsando com a energia contida.

A frustração de Arcana intensificava-se. Não havia dúvidas que aquela mulher tinha alguma ligação aos diamantes! Ele avançou um passo. As sombras estenderam-se como um manto negro sobre Lauriel. 

- Tu podes ser forte, mas és ingénua. Acredita, eu estou disposto a tudo para ter o que quero! - declarou ele, com palavras que ecoavam como um veneno sussurrante.

Leo, de pé à margem, observou a cena com um nó no estômago. A tensão estava no ar, e o seu medo enraizava-se dentro dele. Ele sabia que havia mais segredos do que podia imaginar, e que o futuro de todos dependia das escolhas que fariam a seguir. Trocou um olhar com Nicolás. Percebeu imediatamente, pelo olhar de Nicolás, que este sabia perfeitamente o que se passava. Ficou irritado ao sentir-se excluído de algo tão importante.

- Para onde estamos a ir? - perguntou, quebrando finalmente o silêncio.

Lauriel não parou de caminhar, mas respondeu com uma voz suave, quase um sussurro:

- Estamos a ir para um lugar seguro. Há muita coisa que tu e o Rodrigo precisam de saber, mas não aqui. Não agora.

Nicolás olhou para Leo, tentando transmitir-lhe calma, mas Leo notou a tensão nos olhos do amigo. Ele sabia que Nicolás confiava plenamente em Lauriel, mas algo naquela situação não parecia certo. Nicolás sabia o que se passa.

- Nicolás…! O que…?

A pergunta de Leo ficou no ar. De repente, Nicolás parou bruscamente, erguendo uma mão para o silenciar. Os seus olhos fixaram-se num ponto distante, onde as sombras pareciam mover-se de forma estranha.

- Ele está aqui! – murmurou Nicolás, quase inaudivelmente.

- Quem? - perguntou Leo, mas antes que pudesse receber uma resposta, um som baixo e gutural ecoou na escuridão. Era como se a própria noite estivesse viva, respirando e observando.

Lauriel virou-se para os dois. Os olhos dela brilharam com uma intensidade quase assustadora!

- Corram!

Antes que pudessem reagir, as sombras ao redor começaram a mover-se, tomando formas humanóides, grotescas e ameaçadoras.

Leo sentiu o coração acelerar enquanto Nicolás o puxava, incitando-o a correr. Seguiram Lauriel, que parecia flutuar sobre o chão, os seus cabelos dourados a brilhar como fogo na escuridão. As sombras perseguiam-nos, sussurrando palavras numa língua desconhecida, mas que transmitiam uma sensação de puro mal.

- Caralho…! O que diabos são estas coisas? – gritou Leo, tentando acompanhar o ritmo frenético da fuga.

- Não são coisas! – respondeu Lauriel, sem olhar para trás. - São servos de Arcana! Ele sabe que estamos aqui e não nos vai deixar escapar facilmente!

Nicolás apertou a mão de Leo com mais força, como se prometesse protegê-lo a qualquer custo. Correram por becos e ruas estreitas, até que finalmente chegaram a uma pequena capela abandonada. Lauriel abriu a porta pesada de madeira com um gesto rápido e empurrou-os para dentro, fechando-a atrás deles.

Dentro da capela, o ar era pesado e mofado, mas seguro. As sombras não pareciam capazes de entrar, mas Leo podia ouvi-las a arranhar as paredes externas, a sussurrar e a rir.

- O que está a acontecer? - perguntou Leo, ofegante. - Quem é Arcana? E por que está atrás de nós?

Nicolás suspirou. Olhou para ele com uma expressão séria, mas compassiva.




- Arcana é um feiticeiro poderoso, alguém que busca controlar não apenas o Mundo Físico, mas também o Universo da Narrativa. Ele acredita que, ao dominar as narrativas, pode moldar a Realidade. E vocês os dois... Tu e o Rodrigo… Vocês fazem parte de uma história que ele não pode controlar. 

Lauriel acrescentou:

- Uma história que ele começou a escrever, mas que fugiu ao controlo dele!

Leo franziu a testa, confuso.

- História? O que queres dizer com isso?

Lauriel hesitou por um momento antes de responder:

- Leo… Hummmm… Não sei como explicar isto de outra maneira. Mas… Vocês não são reais. Não como pensam ser. Vocês são personagens. Criados. Vocês existem dentro dos escritos num Mundo que existe apenas porque está a ser narrado neste preciso momento!

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Leo sentiu o chão fugir debaixo dos seus pés. Olhou tanto para Lauriel, quanto para Nicolás, com ar incrédulo! 

- Isso é uma piada, não é? 

A sua voz vacilava entre incredulidade e raiva.




- Queres dizer que eu... Que tudo o que vivi... Tudo o que senti... Não é real?

Nicolás trocou olhares com Lauriel, exasperado. Não conseguia dizer nada. Leo, por outro lado, sentiu um aperto sufocante no peito. Não podia ser verdade! Ele lembrava-se da sua infância, das dores, das alegrias, do toque de Nicolás, do medo que sentia agora! Tudo aquilo era real! Tinha de ser real!

- Isso é um absurdo! – rugiu ele, dando um passo para trás. 

- Eu não sou um boneco num papel! Eu sinto! Eu penso! Eu amo! Eu tenho um filho, o Juca!

Lauriel suspirou, os olhos cheios de uma compaixão que apenas aumentava a revolta de Leo.

- Leo… Eu sei que é difícil aceitar, mas isso não torna a tua existência menos significativa. Vocês têm um papel a desempenhar. E Arcana sabe disso. Por isso quer controlar-vos. Eu e o Nicolás temos um papel a cumprir, também. E a seu tempo descobrirás qual é.

Leo sentiu o seu corpo tremer. Não sabia se era raiva, medo ou desespero. Talvez os três.

- Não! Eu sou real! Eu sou real...! – murmurou, a respiração acelerada, as mãos a tremerem.

Nicolás aproximou-se e segurou-lhe o rosto entre as mãos.

- Podes ser um personagem, Leo. Mas para mim, tu és tudo. Nada pode mudar isso. Acredita em mim.

E enquanto o som das sombras ecoava do lado de fora, Leo fechou os olhos, tentando desesperadamente encontrar um ponto de equilíbrio numa Realidade que, de repente, deixava de fazer sentido.


[Continua...]

5 de março de 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 21

Capítulo 21

Enquanto isso, Rodrigo regressava à casa de Don Diego e Doña Bárbara. Ele deixou que as memórias aflorassem. Ao voltar ao quarto, Rodrigo contemplou a paisagem através da janela, pensando nas escolhas que moldaram o homem que ele era hoje. O whisky trouxe consigo um calor reconfortante, e o fumo do cigarro dançava no ar.

Numa tentativa de escapar às sombras do passado, Rodrigo deitou-se, desejando que a noite lhe concedesse um breve refúgio, sem sonhos perturbadores. O nevoeiro continuava a envolver a sua vida, ocultando mistérios que apenas o tempo revelaria.

Como não conseguisse dormir, levantou-se e foi dar uma volta pela herdade. Rodrigo deparou-se, inesperadamente, com uma visão de sonho. 

Um vulto fumava um cigarro, por entre as frinchas das cortinas de uma janela. Rodrigo encostou-se a uma parede, procurando encontrar o ângulo certo para poder observar quem era. Fosse quem fosse, parecia sentir-se completamente à vontade. Não tardou a descobrir que se tratava de uma mulher. Uma bela mulher de longos cabelos afunilados e seios voluptuosos. Ela envergava uma pequena camisa de noite com cintas e ligas, que fez as delícias da imaginação de Rodrigo.

Assim que a mulher, com uma última baforada, virou costas, Rodrigo regressou ao seu quarto, com ar extasiado! Quem seria aquele pedaço de mau caminho? Entre devaneios e suspiros, Rodrigo permitiu-se viajar no tempo, até à sua adolescência.

Naquele tempo, ele e os pais dele trabalhavam numa quinta, no Douro-Vinhateiro. Rodrigo fora criado com Ana, a filha dos patrões, como se filho deles fosse. Um belo Verão, ele e Ana trocaram o primeiro beijo, enquanto passeavam pelas vinhas que tinham sido plantadas no ano em que ambos haviam nascido. Fora Rodrigo quem tomara a iniciativa, depois de se aperceber que o seu corpo estava em mudanças e o seu interesse pela amiga estava a alterar-se. Já não a via apenas como uma amiga. No seu íntimo, Rodrigo desejava-a. À noite, o seu corpo reagia de forma rápida e inesperada a pensamentos que nunca lhe tinham passado pela cabeça. Pensamentos que o envolviam a ele e à filha dos patrões em situações que até o deixavam corado!

Ana era uma rapariga de média estatura. Forte, parecia uma maria-rapaz, talvez por ter sido criada junto de Rodrigo. Tinha cabelos castanhos-escuros, escalonados, pele morena e usava óculos que lhe davam um ar intelectual. Ela tornou-se no grande amor da vida de Rodrigo. Por ela, ele teria largado tudo e fugido. Eles viveram um tórrido romance naquele Verão, culminando na entrega de ambos, um ao outro, debaixo de um frondoso castanheiro que existia no limiar da quinta, junto ao rio. Suspirou. Rodrigo recordava esta memória com imenso carinho. Afinal, aquele tinha sido o dia mais feliz da sua vida.

No final daquele fatídico Verão, tudo se desmoronou, feito um castelo de cartas. Ana engravidara. Os pais dela, ao descobrirem o que acontecera, expulsaram Rodrigo e os pais da quinta. A rapariga foi enviada para uma clínica em Espanha, onde lhe provocaram o aborto. Infelizmente, Ana teve complicações hospitalares, uma vez que o local era uma clínica ilegal. Bastante doente e em risco de vida, Ana foi encaminhada para um sanatório na Suíça e essa foi a última informação que Rodrigo conseguiu saber. Desde aí, ele nunca mais soube nada sobre o seu grande amor.

O pai de Rodrigo perdeu-se na bebida, procurando afogar as mágoas da vergonha que o filho lhe causara. A mãe de Rodrigo acabou por ser vítima de um dos ataques de fúria do marido. Ela sucumbiu após uma violenta discussão, onde o marido a acusou, enquanto a esfaqueava, dela ser a culpada por eles terem sido despedidos. Depois de perceber o que tinha feito, o homem deu um tiro na sua própria cabeça.

Rodrigo jurou, naquela maldita noite, que nunca mais voltaria a amar alguém. Não havia palavras para descrever o que ele sentira, ao deparar-se com a mãe a esvair-se em sangue e o pai já sem vida, envolto numa poça de sangue. 

A partir desse momento, a única coisa que Rodrigo sabia é que ele jamais voltaria a abrir o seu coração a quem quer que fosse. Ele, que era conhecido por ser um menino doce, bem-educado, gentil, meigo e afável, tornou-se rapidamente num homem duro, frio, amargurado e calculista. Essa era a imagem que ele passava praticamente a toda a gente. 

No fundo, bem lá no fundo, ele continuava a ser doce, meigo e cheio de vontade de Amar e Ser Amado. No entanto, o medo de voltar a ser abandonado fizeram-no criar um tão grande número de defesas em volta do seu coração, que apenas Leo o conhecia verdadeiramente. 

Abrindo os olhos, Rodrigo sentou-se a beber um whisky, enquanto chorava copiosamente. Perdido em pensamentos, fumou um cigarro, limpou as lágrimas e deitou-se, desejando que naquela noite não tivesse sonhos.  


[Continua...]