05 março 2025

Para Além do Arco-Íris ~ Capítulo 21

Capítulo 21

Enquanto isso, Rodrigo regressava à casa de Don Diego e Doña Bárbara. Ele deixou que as memórias aflorassem. Ao voltar ao quarto, Rodrigo contemplou a paisagem através da janela, pensando nas escolhas que moldaram o homem que ele era hoje. O whisky trouxe consigo um calor reconfortante, e o fumo do cigarro dançava no ar.

Numa tentativa de escapar às sombras do passado, Rodrigo deitou-se, desejando que a noite lhe concedesse um breve refúgio, sem sonhos perturbadores. O nevoeiro continuava a envolver a sua vida, ocultando mistérios que apenas o tempo revelaria.

Como não conseguisse dormir, levantou-se e foi dar uma volta pela herdade. Rodrigo deparou-se, inesperadamente, com uma visão de sonho. 

Um vulto fumava um cigarro, por entre as frinchas das cortinas de uma janela. Rodrigo encostou-se a uma parede, procurando encontrar o ângulo certo para poder observar quem era. Fosse quem fosse, parecia sentir-se completamente à vontade. Não tardou a descobrir que se tratava de uma mulher. Uma bela mulher de longos cabelos afunilados e seios voluptuosos. Ela envergava uma pequena camisa de noite com cintas e ligas, que fez as delícias da imaginação de Rodrigo.

Assim que a mulher, com uma última baforada, virou costas, Rodrigo regressou ao seu quarto, com ar extasiado! Quem seria aquele pedaço de mau caminho? Entre devaneios e suspiros, Rodrigo permitiu-se viajar no tempo, até à sua adolescência.

Naquele tempo, ele e os pais dele trabalhavam numa quinta, no Douro-Vinhateiro. Rodrigo fora criado com Ana, a filha dos patrões, como se filho deles fosse. Um belo Verão, ele e Ana trocaram o primeiro beijo, enquanto passeavam pelas vinhas que tinham sido plantadas no ano em que ambos haviam nascido. Fora Rodrigo quem tomara a iniciativa, depois de se aperceber que o seu corpo estava em mudanças e o seu interesse pela amiga estava a alterar-se. Já não a via apenas como uma amiga. No seu íntimo, Rodrigo desejava-a. À noite, o seu corpo reagia de forma rápida e inesperada a pensamentos que nunca lhe tinham passado pela cabeça. Pensamentos que o envolviam a ele e à filha dos patrões em situações que até o deixavam corado!

Ana era uma rapariga de média estatura. Forte, parecia uma maria-rapaz, talvez por ter sido criada junto de Rodrigo. Tinha cabelos castanhos-escuros, escalonados, pele morena e usava óculos que lhe davam um ar intelectual. Ela tornou-se no grande amor da vida de Rodrigo. Por ela, ele teria largado tudo e fugido. Eles viveram um tórrido romance naquele Verão, culminando na entrega de ambos, um ao outro, debaixo de um frondoso castanheiro que existia no limiar da quinta, junto ao rio. Suspirou. Rodrigo recordava esta memória com imenso carinho. Afinal, aquele tinha sido o dia mais feliz da sua vida.

No final daquele fatídico Verão, tudo se desmoronou, feito um castelo de cartas. Ana engravidara. Os pais dela, ao descobrirem o que acontecera, expulsaram Rodrigo e os pais da quinta. A rapariga foi enviada para uma clínica em Espanha, onde lhe provocaram o aborto. Infelizmente, Ana teve complicações hospitalares, uma vez que o local era uma clínica ilegal. Bastante doente e em risco de vida, Ana foi encaminhada para um sanatório na Suíça e essa foi a última informação que Rodrigo conseguiu saber. Desde aí, ele nunca mais soube nada sobre o seu grande amor.

O pai de Rodrigo perdeu-se na bebida, procurando afogar as mágoas da vergonha que o filho lhe causara. A mãe de Rodrigo acabou por ser vítima de um dos ataques de fúria do marido. Ela sucumbiu após uma violenta discussão, onde o marido a acusou, enquanto a esfaqueava, dela ser a culpada por eles terem sido despedidos. Depois de perceber o que tinha feito, o homem deu um tiro na sua própria cabeça.

Rodrigo jurou, naquela maldita noite, que nunca mais voltaria a amar alguém. Não havia palavras para descrever o que ele sentira, ao deparar-se com a mãe a esvair-se em sangue e o pai já sem vida, envolto numa poça de sangue. 

A partir desse momento, a única coisa que Rodrigo sabia é que ele jamais voltaria a abrir o seu coração a quem quer que fosse. Ele, que era conhecido por ser um menino doce, bem-educado, gentil, meigo e afável, tornou-se rapidamente num homem duro, frio, amargurado e calculista. Essa era a imagem que ele passava praticamente a toda a gente. 

No fundo, bem lá no fundo, ele continuava a ser doce, meigo e cheio de vontade de Amar e Ser Amado. No entanto, o medo de voltar a ser abandonado fizeram-no criar um tão grande número de defesas em volta do seu coração, que apenas Leo o conhecia verdadeiramente. 

Abrindo os olhos, Rodrigo sentou-se a beber um whisky, enquanto chorava copiosamente. Perdido em pensamentos, fumou um cigarro, limpou as lágrimas e deitou-se, desejando que naquela noite não tivesse sonhos.  


[Continua...]

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