06 outubro 2021

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 7

 

Capítulo 7


Shade levou alguns minutos até recuperar. Ficara muito nervoso. Noah consolava-o como podia, mas o rapaz estava mesmo agitado. Por momentos, Noah pensou em levá-lo de novo ao hospital de onde tinham saído, algum tempo antes. Quando Shade, por fim acalmou, Noah ligou o carro. Não queria fazer muitas perguntas. Temia que o rapaz ficasse mais agitado.

Intrigado com a revelação, Noah remeteu-se ao silêncio, enquanto conduzia rumo à farmácia. Ao chegar lá, deixou Shade no carro e dirigiu-se à farmácia para comprar a medicação. Lá, ele aproveitou a oportunidade para fazer uma chamada. Depois de pedir os medicamentos e o farmacêutico ter ido prepará-los nas traseiras, Noah encostou-se atrás da porta de saída, certificando-se de que via Shade, sentado no seu carro. O telemóvel tocava, tocava…. Noah estava já prestes a desligar, quando uma voz feminina atendeu.




- “GraceTech, bom dia! Em que posso ser útil?

Noah baixou o tom de voz.

- Olá bom dia, minha senhora! Eu precisava de falar com o patrão da empresa, o senhor Sullivan!

- “O senhor tem hora marcada? É alguma reunião? É para agendar algo? O senhor Sullivan tem uma agenda muito preenchida…

- Minha senhora, eu estou a ligar porque tenho informações sobre o filho do senhor Sullivan! O Shade!

O tom de voz da secretária alterou-se.

- “O senhor vai-me desculpar, mas o que não tem faltado são pessoas a ligarem com supostas informações sobre o paradeiro do rapaz…

- Neste momento, o Shade está na minha companhia. A senhora vai passar a chamada ou não?

- “Só um momento! Por favor, não desligue!


*PIIIIP*


Uma voz forte falou, segundos depois.

- “Edward Sullivan, em que posso ser-lhe útil?

- Senhor Edward, daqui fala um rapaz chamado Noah. Noah Jefferson.

O farmacêutico apareceu e pôs-se a olhar para Noah, desconfiado.

- A sua receita, menino Noah, está pronta!

- Obrigado senhor Perkins, obrigado! Eu já vou aí! - respondeu Noah, tapando o bocal do telemóvel.

Do outro lado da linha, Eddie resmungou.

- “Senhor Jefferson, eu tenho uma vida bastante ocupada. A minha secretária transferiu a chamada, porque o senhor diz ter notícias sobre o meu filho Shade?

- Assim é, senhor!

- “E pode dizer-me do que se trata?

- Eu li no jornal que havia uma recompensa por informações… - comentou Noah, muito depressa. Ele tinha medo de perder a coragem. Eddie suspirou, aborrecido.

- “Assim é, meu caro. Assim é. Mas só será dada a recompensa a quem tiver provas reais do que fala. O senhor tem provas do que está a dizer? Já agora, está a ligar-me de onde?

- Diga-me um contacto para onde possa mandar uma fotografia. Assim poderei provar-lhe que não estou a mentir…

- “Tem papel e caneta? Anote aí…

Noah pediu ao farmacêutico um papel e caneta e tomou nota de um número de telemóvel. Aproveitou e ditou o seu número a Eddie, que tomou nota do número de Noah imediatamente.  

- Dentro de minutos envio-lhe uma fotografia para o número que me deu, senhor Eddie. Depois, se acreditar em mim, poderemos falar mais…

- “Fico a aguardar, meu caro Jefferson!” - rematou Eddie com tom de voz trocista, desligando em seguida.


*Click!*

 
- Olha-me este! O cabrão desligou-me na cara! Tu já vais ver…! - murmurou Noah, enquanto pagava a medicação.

Depois disso, o enfermeiro pegou no saquinho com as vitaminas e dirigiu-se ao carro onde Shade o aguardava impaciente.

- Possa, tanto tempo! Os médicos estiveram a fabricar os medicamentos ou quê?

- Não são médicos, são farmacêuticos… - corrigiu Noah. - E bem, o senhor Perkins já está um bocado velhote, foi por isso… Ele teve de ir às traseiras buscar as vitaminas. Aqui tens. Começas a tomar agora, quando comermos, está bem?

- Está bom, está bom… - suspirou Shade, impaciente. - Olha, quero mijar… Estou apertadinho…

- Aguentas mais uns dois minutos? Já estamos muito perto do sítio onde vamos comer!

Animado com a perspectiva, Shade sorriu feliz. Noah ligou novamente o rádio e arrancou a grande velocidade. Não tardaram a chegar a um local chamado Luna’s Diner. Assim que Noah estacionou o carro, Shade abriu a porta e saiu a correr para o restaurante, perguntando a uma empregada onde era a casa de banho. Noah riu-se e depois de se certificar que tinha o carro fechado, dirigiu-se ao balcão do local, onde Luna, a dona do restaurante, o aguardava com um sorriso.

- Então Noah, hoje madrugaste!

- Olá Luna! Estás linda! Como sempre! - comentou Noah, com um sorriso.

Luna era uma mulher de 35 anos. Alta, elegante, com uma longa cabeleira preta até ao fundo das costas. Vestia uma farda vermelha, umas leggings pretas e patins vermelhos. No topo da cabeça envergava um pequeno chapéu vermelho. Naquele momento, o restaurante ainda se encontrava às moscas.

Após alguns momentos em amena cavaqueira, Shade ressurgiu ao lado de Noah e dando-lhe um toque no pé, afastou-se, indo sentar-se numa das mesas mais distantes do balcão.

- Quem é aquele, Noah? Algum primo teu de visita à nossa cidade? - perguntou Luna, de forma nada inocente. Ela sabia bem que aquele era o misterioso rapaz de que toda a cidade falava há já alguns dias.

- Aquele é o rapaz que eu estive a cuidar enquanto esteve em coma no hospital. Ele teve alta médica hoje e vou levá-lo ao comboio daqui a pouco.

- Ah bom! Entendi! Ouvi dizer que ele era um foragido do governo, é verdade? A polícia não tinha os dados dele, nem o hospital…! É como se ele nunca tivesse existido…! - comentou Luna, de forma insinuosa.

- É verdade, o rapaz tem um passado caricato… Porque não lhe vais perguntar o que ele quer comer? Ele está cheio de fome!

- Combinado! Ele até é bem giro! Vou deixar-lhe o meu número, ah ah ah! Adoro bandidos! - respondeu Luna, com ar maroto.

Num instante, Luna atravessou o restaurante e aproximou-se de Shade, que a mirou de cima a baixo, embasbacado. Luna era uma mulher em plena forma e a roupa que envergava ficava-lhe a matar. Shade não conseguiu ficar totalmente indiferente.

- Olá lindo, bom dia! O Noah contou-me que saíste hoje do hospital! Deves estar com fome! Já decidiste o que queres comer?

- Awwwww! Obrigado! Você é muito gentil! E bonita! - respondeu Shade, um pouco atrapalhado. Por mais que não quisesse, ele não conseguia evitar olhar para os peitos de Luna e para o seu rabo.

- Ohhhhh, que querido! Já ganhei o dia! - respondeu Luna aproximando-se de Shade e mexendo nos cabelos dele. - Então, o que vai ser?

Noah aproximou-se e sentou-se em frente de Shade.

- Posso comer o que eu quiser, Noah?

- É por minha conta, Luna! Ele merece!

- Sim senhor! Então o que vais querer, querido?

- Vou querer…. Hummmm… Este menu aqui! E traga-me batatas fritas extra, molhos e um batido à moda da casa!

- E tu Noah, o que vais querer?

- Para mim pode ser umas tiras de bacon, umas panquecas com geleia e uma cola!

Luna tomou nota dos pedidos e virando costas, dirigiu-se à cozinha. Shade sorriu para Noah.

- Obrigado, meu! És um amor!

- Ohhhhh...! Sou nada...! Aposto que dizes isso a todos! - comentou Noah, antes de corar bastante ao sentir uma das mãos de Shade debaixo da mesa.






Shade observava o local, deliciado. Ele sentia que estava noutro mundo. Luna tinha decorado o restaurante num ambiente retro, a imitar os anos 50 e 60. O chão era em tijoleira preta e branca, aos losangos, que contrastavam com o resto do lugar. As paredes estavam pintadas de azul-aqua, com pormenores a vermelho aqui e ali. 

Repletas de objectos, havia entre eles discos, pinturas, placas de veículos e fotografias daquele restaurante ao longo das várias gerações que já o tinham frequentado. As cadeiras e bancos eram vermelhos com partes metalizadas e riscas brancas. Já as mesas eram brancas com partes metalizadas. Do tecto, muitos focos de luz davam uma graça especial ao local, assim como a jukebox, que estava situada em lugar de destaque, do outro lado do restaurante, onde estava um alvo para jogar dardos.         

- Este sítio é espectacular! A Luna é a dona dele?

- Ela é a actual dona, sim… O restaurante já está na família dela desde os anos 50… Quando a mãe lhe passou o negócio, ela decidiu reformular o espaço e dar-lhe um agradável toque retro ao mesmo tempo que o modernizava. É um dos locais que mais atrai turistas e viajantes nesta cidade!

- Se eu vivesse cá, vinha para aqui muitas vezes, é um sítio mesmo agradável… - suspirou Shade, um pouco melancólico.

- Tu não precisas de ir, Shade…. Podias ficar em minha casa até ficares totalmente bem!

- Não… - respondeu Shade, determinado. - Eu tenho coisas para fazer…. Tenho uma promessa para cumprir…

- E que promessa é essa…?

- Hora da paparoca, meninos! - gritou Luna, com voz triunfante, enquanto deslizava pelo restaurante até Noah e Shade.  

- Boa! Estou cheio de fome!

Luna colocou um prato com um hambúrguer enorme em frente de Shade, bem como um prato cheio de batatas fritas e vários molhos. Em seguida, colocou um prato com tiras de bacon, outro com várias panquecas acabadinhas de fazer, com cobertura de geleia e chantilly em frente de Noah. Deslizando até ao balcão, ela foi buscar o batido que Shade tinha pedido e a cola para Noah.

- Que vos saiba bem, queridos! Bom apetite! - rematou, voltando a deslizar até ao balcão, enquanto entravam alguns camionistas no restaurante, que logo sorriram maliciosamente ao tirarem as medidas a Luna.

- Bom apetite, Shade!

- Obrigado e igualmente, Noah! Toca a comer!

Aos poucos, o restaurante foi-se enchendo de gente, principalmente camionistas e viajantes que paravam ali para comer algo quente antes de seguirem viagem. O ambiente ficou ainda mais animado com tanta cor e conversas paralelas que iam ocorrendo. A dada altura, Luna teve de pedir ajuda às funcionárias que tinha na cozinha, para que nenhum cliente tivesse de ficar muito tempo à espera.

- Então, está bom? Estás a gostar, Shade?

- Sim, sim! Nhaaaammm! Estava cá com uma fome, Noah! Isto sim, é comida! Não aquilo que nos dão lá no hospital!

Noah decidiu perguntar algo que lhe estava a queimar os lábios:

- Nos hospitais é sempre assim, Shade… Mas diz-me uma coisa… Como é que tu, sendo filho de Laura Sullivan, não estavas registado no banco de dados?

Shade pegou no batido e bebeu, lentamente, enquanto pensava numa desculpa para se escapar àquela pergunta. Depois de se aperceber que, por mais desculpas que desse, Noah acabaria por insistir, ele pousou o copo vazio, limpou a boca e suspirou:

- Eu não sei a resposta para isso. Desculpa, mas não te sei responder.

Aquela não era, de todo, a resposta que Noah esperava ouvir! Embasbacado, ele olhou para o rapaz durante alguns segundos, a tentar avaliar até que ponto este lhe estava a esconder algo. Como Shade parecesse incomodado com o assunto, Noah decidiu optar por outro caminho. Com um sorriso acolhedor, sugeriu:

- Olha, podemos tirar uma selfie? Queria guardar uma recordação de ti, Shade…  

- Mas tu já tens recordações minhas… Eu deixei algumas dentro de ti! Ah ah ah ah!

- Ohhhhhh… Vá lá… Eu vou sentir saudades tuas… Não mereço isso, ao menos? - insistiu Noah, com ar triste.

Shade fez sinal a Luna, que se aproximou deles. Ele pegou no telemóvel de Noah e pediu:

- Luna, pode tirar-nos uma foto? Vou-me embora não tarda muito e o Noah quer ficar com uma fotografia minha de recordação!

- Eu depois posso pedir a fotografia ao Noah e mandar imprimir, para a colocar aqui na parede, querido? Eu vou sentir saudades de ver um rapaz tão giro como tu! - comentou Luna, dando um beijo nas bochechas de Shade.

- A sério? Pena que eu seja gay…! - rematou Shade às gargalhadas, perante o olhar espantado de Luna, que não conseguiu disfarçar a surpresa.

- Aiiii… Aonde é que este Mundo vai parar, se os gatos mais giros começam todos a gostar de homens! - suspirou Luna, sem conseguir disfarçar o embaraço. - Vá, sorriam para a fotografia! Digam: Banana!

- Banana! - exclamaram Noah e Shade, divertidos.

Luna tirou várias fotografias e assim que terminou, pousou o telemóvel em cima da mesa e voltou para o balcão, sem dizer mais nada.

- Ui...! Que bicho é que lhe mordeu? - estranhou Shade.
  
- Acho que lhe estragaste a fantasia que ela estava a ter, Shade. As pessoas daqui não lidam muito bem com os gays, sabes? White River é uma cidade maior do que Grace Falls, mas ainda assim é uma cidade pequena, no que diz respeito a certas coisas! As pessoas daqui ainda são muito preconceituosas…

- Infelizmente, é assim um pouco por todo o lado… - suspirou Shade, levantando-se. - Olha, vou à casa de banho, ok?

Ok, eu vou pagar e vou para o carro, espero lá por ti.

- Combinado, até já!

Shade levantou-se e seguiu para a casa de banho. Ele sabia que as casas de banho do comboio não tinham o conforto que aquela tinha, por isso decidiu ir, embora não tivesse ainda muita vontade. Quanto a Noah, este pagou a conta a uma das funcionárias de Luna, que se encontrava a atender clientes no outro lado do restaurante. Depois de entrar no carro, ele enviou a fotografia que tinha tirado com Shade, à qual adicionou a mensagem:

Agora já acredita em mim? Ligue-me daqui a duas horas!


[Continua...]

2 comentários:

  1. Adorei, deverias escrever um livro :)

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    1. Eu gostava mas não sei se editariam do jeito que eu gostava de o ver publicado. :P

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