01 maio 2021

Escrito nas Entrelinhas: Parte 2 ~ Capítulo 21

 


Capítulo 21


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- Shappa! É você! - gemeu Bianca, mal acreditando na sua sorte. - Mas… Como?

- A Agatha teve uma visão, hoje cedo, com o teu irmão, onde ele afirmava que corrias perigo e pedia ajuda. Pouco tempo depois, recebemos um recado do Matoskah a dizer o mesmo. De qualquer das formas, já estávamos a preparar tudo para te vir buscar, quer quisesses, quer não. Esta cidade, neste momento, é perigosa para ti e para o teu pai. - esclareceu Shappa.
 
- E Maurice?

- Querida, não temos tempo a perder! A tua casa acabou de explodir!

- O diário! Shappa, eles vão ler o diário do meu irmão! - exclamou Bianca, com ar preocupado.

- Bianca, tens de entender que neste momento, a tua sobrevivência é fundamental. Quem explodiu com a tua casa certamente queria apagar os vestígios, as provas que o teu irmão deixou que incriminam a Mão Divina!

Shappa colocou o pé no acelerador. Suspeitava que estavam a ser seguidas, tal era o pânico que se tinha gerado. Elas estavam prestes a passar o último posto de controlo da cidade e por sorte, não encontraram nenhuma resistência. Alguns quilómetros depois, abandonaram aquela viatura e Shappa conduziu Bianca até um cavalo, no qual montaram as duas e partiram a grande velocidade.

- A cavalo chegaremos ao local onde permaneceremos em segurança muito mais depressa! Agarra-te bem a mim, Bianca! - declarou Shappa, com ar determinado.

A pobre rapariga não se sentia capaz de falar mais nada. Abraçada a Shappa, chorava em silêncio, enquanto o cavalo atravessava campos e florestas, num trote imponente e ágil. A pista final para desvendar o mistério estava na mochila que Bianca levava às costas. Mas valeria o preço de tudo o que ela estava a pagar?

Bianca perdera o irmão, perdera a mãe, perdera Kyle - um dos seus alunos - e provavelmente perdera Maurice, com a explosão de gás. Só nesse instante é que a ficha lhe caiu completamente: ela estivera constantemente em perigo e não se tinha dado conta. Tinha muito que agradecer ao seu anjo da guarda, que a conduzia agora rumo a uma aldeia indígena, perdida nos confins de alguma montanha.

Passada uma hora, o relevo foi-se tornando mais íngreme e o cavalo começou a abrandar o ritmo. Estava a ficar cansado, apesar de estar treinado para percorrer grandes distâncias. Não tardou muito para o cavalo parar num riacho para beber água e Shappa saltou do cavalo, ajudando Bianca a saltar também.

- Faremos o resto do trajecto a pé. O cavalo está cansado e nós também já não estamos longe. Mais uma meia hora de caminho e chegamos. - declarou Shappa, depois de fazer festinhas no cavalo, agradecer-lhe e explicar-lhe o que iam fazer.  

Copiando os gestos de Shappa, Bianca fez o mesmo e o cavalo relinchou, satisfeito. As duas mulheres puseram-se a caminho e pouco tempo depois estavam a entrar numa aldeia indígena, que ficava um pouco escondida no sopé da montanha.

- Bem-vinda à nossa aldeia, minha querida! O teu irmão não teve a oportunidade de chegar a conhecer este local, mas em nome dele, espero que te sintas tão confortável quanto possível!

O líder da tribo, o Chefe Heȟáka Sápa, Takoda, Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan e Baya Ainila apareceram, acompanhados por Chayton e Agatha. Todos urraram, bateram palmas e abraçaram Bianca, dando graças por ela estar viva e de boa saúde. Esta, emocionada ao ver a alegria de todos eles, chorou.

- Muito, muito obrigada! Vocês são muito gentis!

- O que te aconteceu, Bianca? - questionou Takoda, limpando-lhe as lágrimas. - Nós temos boas notícias para te dar! O meu irmão ficou bom! Passou nas provas! Ele já vem a caminho! 

No meio de tanta desgraça, Bianca conseguiu sorrir e ficar feliz ao saber daquilo. Suspirando aliviada, abraçou Takoda, que trocava olhares muito carinhosos com Baya Ainila.

- Eu fico muito feliz por ti, querido Takoda! O Jules gostava imenso de ti e do teu mano!

- Sim, nós todos aqui gostávamos e gostamos do Sunka Jules! Ele é o nosso amado ciyé!

Agatha aproximou-se de Bianca e perguntou-lhe o que tinha acontecido.

- Ohhhhh! Vocês nem vão acreditar! Eu consegui a palavra-passe do portátil do meu irmão! Já sei o que está na pasta secreta! Mas…. Tem lá um vídeo que ele mandou ver sob determinadas condições. Vejam por vocês mesmos a carta que ele deixou em anexo com o vídeo!

Curiosos, Chayton, Agatha, Shappa e os restantes aproximaram-se do portátil, para lerem o que Jules tinha escrito. Todos ficaram bastante surpresos com conteúdo da carta e apercebendo-se da gravidade do conteúdo, Shappa pediu aos miúdos para se afastarem. Após alguma insistência, eles lá acederam.

O Chefe Heȟáka Sápa, porém, levantou-se e foi buscar Baya Ainila. Explicando por voz e depois por gestos, para que Baya compreendesse, o Chefe da tribo disse-lhes:

- Para que nenhum de nós sofra alguma consequência nefasta do que nos será apresentado neste vídeo, nada melhor do que termos connosco o nosso especialista em linguagem gestual e leitura dos lábios!

- Pois é! Grande ideia! - congratulou-se Agatha, sorrindo para Baya, que corou até à raiz dos cabelos.

Como Bianca olhasse para uns e para outros, com ar confuso, Chayton explicou:

- O Baya é surdo, sabes? Ele poderá fazer toda a diferença neste momento, para interpretar correctamente o conteúdo deste vídeo!

Bianca aproximou-se do rapaz e escreveu numa folha:

- Por favor, meu jovem amigo, ajuda-me a descobrir o que aconteceu com o meu irmãozinho, o Jules. Desculpa se estou a pedir algo que não devia a alguém que acabei de conhecer, mas estou totalmente desesperada. E tu podes bem ser a nossa última esperança.  

Baya abraçou Bianca. Através dos gestos, sorriu e explicou:

- Tenho muito orgulho em ajudar a irmã do Sunka! Ele era um rapaz espectacular, pelo que o Takoda e os restantes me contaram! 

Shappa deu um beijo em Baya e entregou-lhe papel e lápis, dizendo-lhe para levar tempo que precisasse para escrever o que conseguisse ler. Depois de preparar o vídeo e desligar o som, Bianca e os outros afastaram-se um pouco, aproximando-se do resto da tribo, que estava toda reunida, em grande expectativa, numa clareira, um pouco mais atrás do local onde Baya se sentara, com o portátil à sua frente. Aquela seria a mais importante missão que Baya tinha tido até aquele momento.


·


Todos deram as mãos e Bianca, que estava particularmente ansiosa e nervosa, rezou, pedindo a Deus que a protegesse e a todos os membros da tribo, em particular Baya, que estava decidido a desvendar o segredo final de Jules.

Após várias horas e mais de uma dezena de visualizações, Baya levantou-se, satisfeito. Acenou com gestos de vitória e tinha uma data de coisas escritas nas folhas. Bianca e os restantes aproximaram-se do pequeno e encheram-no de carinho. Baya sentia-se muito amado e mais feliz ficou quando Takoda o abraçou e trocaram um tímido beijo em frente de todos.

Houve um suspiro colectivo, que terminou com todos os membros a urrar e a celebrar. Baya e Takoda escondiam a cara, envergonhados. Enquanto isso, Bianca leu tudo o que Baya tinha escrito, mostrando-se estupefacta a cada linha. Agatha aproximou-se dela, seguindo-se Shappa e Chayton.

- Estás bem, minha querida? O Baya conseguiu descobrir tudo?

- Vamos ver juntos o vídeo e seguir este texto que ele apontou… - comentou Bianca, lívida como a neve do cume da montanha.

Chayton, Shappa, Agatha e Bianca sentaram-se em frente do portátil. Tendo o cuidado para que nenhum som fosse reproduzido, suspiraram e Bianca colocou o vídeo a dar.

Jules apareceu, sentado no quarto dele.

- “Hey! Se estás a visualizar este vídeo, é porque alguma coisa de muito grave me aconteceu. Presumo que este vídeo esteja a ser visto pelo Shade, mas para o caso de não seres ele, fica aqui uma introdução:

Eu comecei a estudar o fenómeno Mão Divina há alguns meses atrás. Deparei-me com isso quando eu próprio comecei a desanimar e a cortar-me com frequência para aliviar a dor que sentia dia e noite dentro de mim.

A Mão Divina é terrível.

Eu pensei que todos os suicídios que tem vindo a acontecer aqui em Grace Falls nos últimos meses fossem algo aleatório, mas acabei por compreender que não o são. Não todos, pelo menos. Eles são, na realidade, provocados. 

A Mão Divina esconde-se na Internet, dentro de grupos nas redes sociais, onde estimulam as pessoas com depressão, baixa auto-estima, pessoas que se auto-mutilam, pessoas que se sentem perdidas e angustiadas. Eles fazem um cyberbullying cerrado a essas pessoas, o que depois causa um efeito dominó. Essas pessoas sentem-se a cada dia mais vulneráveis, mais sozinhas e sem apoio, tendo de recorrer a ajuda especializada.

Eu passei por todo este processo. 

Eu tive de recorrer a ajuda especializada. 

Inicialmente, fui acolhido por uma psicóloga que eu já conhecia, a doutora Mariza Blumenthal. Ela, passadas algumas sessões, encaminhou-se para um psiquiatra, que era uma aquisição recente do hospital aqui da cidade, o doutor Joshua. Este psiquiatra receitou-me medicação com esta substância activa: dopamina.

- Ó meu Deus! - exclamou Shappa.

Bianca parou o vídeo.

- O que se passa, Shappa?

- A dopamina… Essa é uma substância muito forte! Tomada em quantidade e durante muito tempo, a dopamina pode provocar o fim do poder da livre escolha, fazendo assim as pessoas que a tomam perderem o seu livre-arbítrio! É uma substância que afecta o sistema nervoso central! Este é um ponto em comum com as restantes vítimas! Todas elas apresentavam um considerável grau de toxicidade que estava a afectar-lhes o sistema nervoso central!

- Será que…? - questionou Bianca, retomando o vídeo onde parara.

Jules prosseguiu:

- “Eu de início não me apercebi de nada. 

Sentia uma certa letargia, mas pensei que tivesse a ver com as medicações. Como os medicamentos são preparados na farmácia aqui da cidade e eu tenho um bom 

relacionamento com o Théo, o rapaz que prepara as medicações, não fiquei preocupado. Só comecei a preocupar-me quando me apercebi de que precisava de fazer um esforço redobrado até para sair da cama e começar o dia. 

Daí a diminuir a medicação foi um instante. 

Daí a trocar a medicação pelos charros, mais rápido ainda foi. 

Daí a deixar de tomar tudo, não demorou muito. 

E não tardei a notar a diferença. 

Recuperei a minha energia. 

Talvez tenha sido coincidência, não sei. 

Talvez eu estivesse mais em baixo ou assim. 

O certo é que com a suspensão da medicação, com as conversas com o Father Simon e com o resto da minha vida, eu fui-me sentindo melhor.

Só que… Dizem que não devemos abandonar as medicações a meio, parar de repente, etc. E eu caí nessa asneira. Quando a depressão voltou, com mais força ainda, atingiu-me em cheio, como um raio. 

Deu cabo de mim.

Tive de retomar as medicações e agora com ainda mais dosagem. O psiquiatra não ficou nada satisfeito por saber que eu tinha suspendido a medicação de repente. O problema é que a medicação fazia-me sentir ainda mais deprimido, mais triste, mais em baixo.

Some-se a isto tudo o que estava a acontecer na minha vida - um verdadeiro desastre.

E tudo ainda ficou pior, quando mais tarde me envolvi com um homem mais velho, que por acaso, também era médico na cidade. O doutor Michael. Ele drogou-me com escopolamina e abusou de mim. Eu só soube disso graças aos registos que o Shade conseguiu roubar da casa do Michael, quando lhe telefonei, muito zonzo e angustiado, sem roupas e cheio de dores.

O doutor Michael dormia um sono tranquilo, mas eu sentia-me pessimamente. Valeu-me o grande apoio do Shade, que me resgatou e com a ajuda dele, conseguimos descobrir uma pérfida colecção de fotografias de inúmeros rapazes da nossa idade e até mais novos.

Trouxemos alguns comprimidos que ele tinha lá e rapidamente ficamos a saber eram uma droga que se coloca nas bebidas e que se dão nas discotecas para levar pessoas para a cama e fazer-lhes o que se quiser, que elas não vão dar resistência, nem se recordarão de nada, mais tarde.

Nesse mesmo dia, eu marquei uma consulta com o psiquiatra que me acompanha. Precisava de tirar as minhas dúvidas, porque já desconfiava, pela maneira de falar dele, que algo não batia certo. Assim, levei uma daquelas microcâmaras que o meu pai nos ofereceu a todos lá em casa e gravei o que se segue, dentro de instantes…

- Isto é terrível! Os médicos andavam metidos nisto? Não admira que o doutor Michael tenha sido morto! É muito provável que tenha sido assassinado pelo tal rapaz, o Shade! - comentou Agatha.

- Também pode ter sido morto pela Mão Divina, a partir do momento em que deixou de ter utilidade! Afinal, que forma mais fácil teriam os miúdos de arranjar os medicamentos, se não através de receitas médicas? - questionou Shappa, com ar pensativo.

- Esperem lá… Vocês estão a sugerir que… O doutor Michael, o doutor Joshua e o Théo estão interligados? Que eles são a Mão Divina? - perguntou Bianca, interrompendo Agatha e Shappa, que olhavam para o Chefe da Tribo e para Chayton, com ar muito preocupado.

- Creio que essa resposta está ali à nossa espera… - rematou Chayton, clicando no botão play e retomando o vídeo.

No vídeo, via-se o panorama segundo a perspectiva de Jules. Ele devia ter colocado a câmara na orelha, mas ainda assim, via-se muito bem e ouvia-se ainda melhor. Ele sentou-se num divã no consultório do doutor Joshua, que analisava um perfil médico.

- “Então Jules, como tens passado?

- Estou melhor, doutor. Estou melhor. Ainda me corto com frequência, mas acho que o faço mais pelo hábito do que por outra coisa…

- Ah sim?

- Sim, na verdade, doutor Joshua… Eu até queria saber se o senhor me pode dar alta clínica. Eu sinto que qualquer problema agora pode ser resolvido com a doutora Mariza. Já não preciso mais de vir às suas consultas.

O doutor Joshua levantou-se de rompante e aproximou-se de Jules, que se encolheu um pouco.

- E o que o leva a pensar que eu lhe vou dar alta, senhor Jules?

- Eu sinto-me melhor… Quer dizer… - Jules sentia-se atrapalhado.

A respiração de Jules modificou-se a olhos vistos. Ele começou a ter um surto psicótico, mal o médico estalou os dedos. Com uma vigorosa estalada na cara, Jules acalmou e fechou os olhos, como se estivesse a dormir tranquilamente.

- Maldito miúdo idiota…! Como te atreves a pensar sequer em deixar as minhas consultas! Não, meu caro! Não o vais fazer! Vais cumprir perfeitamente tudo o que te ordenarei, tal como fizeste até agora quando começaste a desconfiar de mim! Discutiste com o Matoskah e depois procuraste pelo bar Born2B, onde te envolveste com o doutor Michael! Ele deu-te uma boa lição! Lição essa que te fez sentir o pior dos lixos! Mais miserável do que qualquer ser rastejante que habita neste mundo! E como se isso não bastasse, tudo será revelado nas redes sociais não tarda nada! Quando isso acontecer, tu vais acabar tudo com o Matoskah e passados dois dias, vais deixar uma mensagem enigmática no Criss-Cross. Depois disso, irás para o armazém que o teu pai tem nos limites da cidade. Lá, vais pegar fogo a tudo e por fim, vais pegar fogo a ti mesmo, atirando-te do 3º andar, enquanto louvas a Mão Divina! Para que tudo corra conforme o que estou a ordenar-te agora, terás de ler ou ouvir, de qualquer forma, incluindo a electrónica, a seguinte frase: Um sentimento tão belo como o amor, às vezes não passa de um desencontro!

- Sim mestre…! - assentiu Jules.

- Óptimo! Perfeito! Está a ser magnífico! - congratulou-se Joshua.

- Magnífico. - repetiu Jules.

- Nunca pensei que isto me pudesse vir a ser tão útil! É inequívoco o prazer que estou a ter por limpar o Mundo da corja de pessoas que são como tu, Jules! Gays, lésbicas, transsexuais, emos, negros, asiáticos, muçulmanos… Enfim…! Toda essa merda de gente que não merece viver neste belo planeta! Graças à Mão Divina, vocês em pouco tempo deixarão de existir! Vamos criar um Mundo perfeito onde todos se curvarão perante o nosso belo e amado Deus e o Grande Messias, o nosso amado líder! Mão Divina para sempre!” - rematou Joshua, estalando os dedos e fazendo com que Jules despertasse.

O vídeo terminava ali. 

Bianca, Agatha, Shappa, Chayton e o Chefe da Tribo olhavam uns para os outros com um olhar totalmente abismado e incrédulo! Aquilo superava qualquer ideia que algum deles tinha concebido!

Após alguns minutos em silêncio, todos falaram a uma só voz:

- Temos de fazer alguma coisa! Temos de acabar com este pesadelo!

De imediato, eles decidiram criar várias cópias daquele vídeo como precaução e enviaram-nas entre si e a todos os membros da tribo, explicando-lhes do que se tratava. Bianca queria confrontar o médico imediatamente, mas Shappa, mais experiente, disse-lhe que o melhor seria eles manterem-se em silêncio a aguardar algum contacto. Ela estava certa de que Joshua contactaria Bianca a qualquer momento, com a finalidade de acabar com ela. 


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*13 de Agosto de 2017*


Já se tinham passado quase duas semanas desde que Bianca e os restantes tinham descoberto o segredo da Mão Divina! De acordo com as informações que tinham conseguido obter, Shappa e Agatha ficaram a saber que tinham sido desmanteladas as acções na cidade de Grace Falls, já que não tinham ocorrido mais suicídios. Os comandos superiores hierárquicos das duas mulheres deram ordens para os militares abandonarem a cidade.

Com o passar dos dias, tornou-se objectivo primordial fazer regressar a paz a Grace Falls, que se encontrava bastante perto de se tornar uma cidade-fantasma. Mais de 90% da população tinha abandonado o local. Toda a fama e mediatismo do escândalo da Mão Divina tinha arruinado o Comércio e o Turismo da cidade. Era uma questão de tempo até toda a cidade ficar abandonada.

Matoskah e Wickmunke chegaram à tribo pouco depois da hora de almoço naquele dia, montados em dois cavalos que vinham carregados de mantimentos que eles tinham colectado durante a estadia no Grand Canyon.

Takoda e os amigos correram para os braços de Matoskah, que retribuiu os gestos com urros, gritos e choro, perfeitamente audíveis em toda a região circundante. Com orgulho, ele declarou ter recuperado os sentidos e que nada disso teria sido possível sem a ajuda e apoio incondicional de Wickmunke! 

Shappa e Chayton ficaram bastante emocionados ao reverem o filho! Matoskah parecia tão novo, mas ao mesmo tempo, estava um homem feito! Aquela viagem ao Grand Canyon tinha-lhe moldado o que faltava no seu carácter. 

Tinha-se tornado um valeroso guerreiro! 

Matoskah aproximou-se do Grande Chefe e perguntou se poderia receber o título de Chefe da nova tribo, na Primavera do ano seguinte.

- Meu filho, será uma grande honra para todos nós! Ainda agora vais começar a tua história e já tens tantas aventuras que se contarão durante muitas gerações! Vais dar um Chefe de Tribo maravilhoso! - congratulou-se o Chefe Heȟáka Sápa, abraçando e beijando Matoskah, sendo seguido pelos restantes membros da tribo.

O regresso vitorioso de Matoskah foi motivo para se preparar um grande banquete na tribo. Takoda e Matoskah expressavam, junto dos amigos, todo o carinho e amor que nutriam uns pelos outros. 

Estavam tão felizes! 

Bianca, que, pouco tempo antes, estranhava as relações de amor entre pessoas do mesmo sexo, estava totalmente rendida aos afectos que se expressavam ali na tribo. Agiam com tamanha simplicidade e alegria! Aquela devia ser a verdadeira essência da felicidade! Ela pensou por momentos o que diria Jules se estivesse a assistir a tudo aquilo! Como que lhe adivinhasse os pensamentos, Agatha aproximou-se dela e sussurrou:

- Eu tenho a certeza de que o Jules está feliz! As pessoas que pertencem a esta tribo são seres muito iluminados! Merecem toda a alegria e felicidade do Mundo!

- Concordo plenamente! - murmurou Bianca, enquanto chorava, emocionada. - Já não me lembrava de sentir esta alegria no meu coração…

- Ainda vais ser muito feliz, minha querida, podes escrever isso! - comentou Shappa, visivelmente chorona.

- Os nossos filhos são tão lindos! Não são? - perguntou Chayton.

- Pode ter a certeza disso, Chayton! - respondeu Bianca, abraçando Chayton, que chorava como se fosse uma criança.

Agora que conhecia um pouco mais e melhor toda a cultura indígena, Bianca apercebeu-se do quanto eles eram felizes com o essencial. Não precisavam de muito. Na verdade, não precisavam de nada. Tinham-se uns aos outros e isso parecendo que não, era tudo o que precisavam.

Finalmente, Bianca compreendeu o porquê de Jules ter ficado fascinado com eles. No meio de uma sociedade sedenta de poder, de egocentrismos e vaidades, saber apreciar o essencial, um sorriso, um carinho, uma troca de olhares, um beijo, um passeio, uma flor, o céu estrelado… Tudo isso valia infinitamente mais do que “Gostos” em fotografias e comentários nas redes sociais. Aquela era uma lição que Bianca queria guardar consigo para o resto da vida. Faria os possíveis para partilhar aquela lição com os seus alunos no futuro.


*19 de Agosto de 2017, 10:39*


Eddie Sullivan regressou à cidade depois de saber pelas notícias que Maurice tinha sido encontrada morta e que a sua casa tinha explodido. Bianca estava incontactável há já algum tempo, bem como Shappa, Chayton e Agatha. Totalmente desnorteado, Eddie procurou por ajuda e cruzou-se com o doutor Joshua, que aceitou tomar um café com ele.  


*19 de Agosto de 2017, 14:16*


O telemóvel de Bianca tocou. Ela, Agatha, Shappa, Chayton, Matoskah e os amigos deste estavam acampados nos arredores de Grace Falls. Estudavam uma forma de regressar à cidade e confrontar Joshua, mas segundo o que sabiam, este não estava na cidade há já algum tempo. Tinha ido a um congresso e esperava-se o regresso dele.

Admirada por sentir o telemóvel a vibrar, Bianca tirou-o da sua mala. Nas últimas semanas, com tudo o que lhe tinha acontecido, só o ligava de vez em quando, para saber se o pai lhe tinha ligado. Mas este nada dissera, o que levara Bianca a considerar que o pai ainda estava perturbado com as informações que ela lhe tinha apresentado e não queria falar com ela. Ao pegar no telemóvel viu que era um número desconhecido. 

Atendeu.

 
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- Estou sim?

- “Olá Bianca…!” - falou uma voz metálica, impessoal.

- Estou? Quem fala? - Bianca agitou os braços, para chamar a atenção dos restantes e colocou a chamada em alta-voz.

- “Daqui fala a Mão Divina, minha querida! É só para dizer que tu tens algo que eu quero e eu tenho algo que tu certamente queres de volta! Por isso, proponho-te uma troca: o portátil do Jules, com todo o conteúdo que ele tinha lá. Em troca, poderás reaver o teu pai ainda com vida! Para tal, é bom que saias da tua toca e regresses imediatamente à cidade! Encontrámo-nos na Igreja de Grace Falls, às seis da tarde! Ah, acho que é escusado dizer, mas nada de vires acompanhada! Se eu perceber que vens acompanhada pela polícia, eu terei todo o gosto em matar o teu pai à tua frente! Estamos entendidos?

- Como é que eu sei que isto é verdade? - perguntou Bianca, tentando controlar os nervos.

- “Fale! É a Bianca!” - ordenou a voz.

- “Estou…? Bianca? Não venhas! É uma armadilha!” - gemeu Eddie, com voz fraca.

- “Velho filho da puta! Seu cabrão!” - vociferou a voz metálica, dando um pontapé na barriga de Eddie, fazendo-o tossir sangue.

- Pai! Ei! Você! Pare! Eu vou! Até já! - gritou Bianca, muito assustada!

- “Então até já, minha querida!” - rematou a voz metálica, desligando a chamada.

- Não temos muito tempo até à hora marcada. Pouco mais de duas horas e meia! - comentou Matoskah, pensativo. - Temos de elaborar um plano!

- O Joshua deve saber que estamos todos juntos, o teu pai deve ter falado alguma coisa, se não mesmo tudo o que já sabe, sob efeito da hipnose… - lamentou-se Agatha. - Isso é um grande revés na nossa estratégia. Lá se vai o elemento surpresa…

- Olhe que eu se fosse a si, não diria isso… - comentou Wakinyan. - Só temos de nos separar em grupos e entrar na cidade por diferentes áreas, convergindo para a Igreja de Grace Falls!

- Mas é provável que a cidade esteja a ser vigiada… - opinou Bianca. - Embora eu não veja melhor solução.

- Vamos fazer um mapa da cidade, então! E definir os grupos! - declarou Matoskah, já bem à vontade no seu papel de novo líder.

Embora achasse o plano arriscado, Bianca não deixou de se congratular por ver tanta gente decidida em ajudá-la, mesmo colocando as suas vidas em risco, para o fazer. Enchendo-se de coragem, ela tomou nota do que tinha para fazer e do caminho que seguiria, que teria na rectaguarda Chayton e Wickmunke.

Ficou decidido que iriam entrar na cidade por cinco rotas diferentes, aos pares. Era mais fácil assim dispersarem-se e não chamarem a atenção. Bianca seria a última a entrar na cidade e seguiria pelo caminho mais fácil e óbvio, por forma a demonstrar alguma fragilidade emocional, algo que certamente a Mão Divina iria apreciar.


*19 de Agosto de 2017, 17:37*


Bianca chegou a pé à cidade. 

Não queria chamar a atenção. 

Deparou-se com uma cidade praticamente fantasma. Não se via vivalma na rua. A maior parte das lojas estava fechada. Muitas casas tinham um ar totalmente abandonado. O silêncio era sepulcral.

Ela e os restantes tinham combinado deixar os telemóveis na floresta, para não chamarem a atenção. Bianca seguiu o exemplo do irmão e colocou um brinco que continha uma microcâmara, que o pai lhe tinha ofertado na mesma altura que ao irmão e que ela trazia sempre consigo, embora nunca o tivesse utilizado. Às costas, ela levava o portátil de Jules, pronto para o entregar sem reservas, desde que o pai dela, Eddie, pudesse sair ileso e em segurança.

Olhou para o relógio. Faltavam dez minutos para as seis da tarde. Bianca apercebeu-se do bater do seu coração. Naquele momento, sentou-se na relva de um parque já bem próximo da igreja e constatou como a relva parecia mais vívida que o costume. Olhou tudo ao seu redor e pensou:

- “Quem me dera ter vivido a minha vida melhor… Quem me dera não ter perdido tanto tempo com ninharias…. Aqui estou eu, provavelmente a poucos minutos de morrer… A lamentar-me pelo que fiz e pelo que não fiz…

Quando pensou nisso, de imediato afastou esse pensamento.


- “Não! Não tenho de lamentar-me! Tenho de dar graças pelo que vivi! E se sobreviver, tenho é de mudar a minha vida e dar mais valor a tudo o que me rodeia! Dar valor ao que realmente merece ser valorizado!

Com o peito um pouco mais leve, Bianca levantou-se. Suspirou, para ganhar coragem. Decidiu que iria dar um passo de cada vez. Se ia morrer, pelo menos saborearia cada instante que faltava até esse fatídico momento.


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*19 de Agosto de 2017, 18:00*


Os sinos ecoavam e anunciavam as seis horas, quando Bianca entrou na igreja. A porta estava entreaberta, mas tal como tudo na cidade, a igreja em si parecia abandonada. Havia muito pó em cima dos bancos.

Bianca fungou. 

Entrou pelo corredor principal e seguiu, determinada. A zona do claustro mais à esquerda estava quase na obscuridade, devido à hora do dia. Bianca encostou-se a um pilar, onde tinha o maior raio de visão sobre toda a igreja. Não queria ser apanhada desprevenida. De repente, um vulto vestido com um manto púrpura e uma máscara na cara saiu de um dos confessionários que estavam precisamente no claustro.

- Bem, bem, bem… - afirmou uma voz metálica. - A menina Bianca sempre veio! É assim mesmo!

- Onde está o meu pai? - perguntou Bianca, agarrando-se com todas as forças a uma falsa coragem que invocara naquele momento.

Se era para haver confronto, que fosse rapidamente! Caso contrário, Bianca tinha medo de perder a coragem e render-se.

- Oh, sim! O seu paizinho...! - declarou a voz metálica, em tom melífluo. - Trouxe o que combinamos?

- Está aqui! Na minha mochila! Este é o portátil do meu irmão!

A figura mascarada arrancou-lhe a mochila das mãos e ligou o portátil.

- Qual a palavra-passe? - perguntou.

- A palavra-passe é… Shade.

- Shade, hã? Curioso…

Rindo-se para consigo mesma, a figura encapuzada digitalizou “SHADE” e conseguiu acessar ao conteúdo da pasta.

- Creio que gostará de saber disto, menina Bianca… - declarou, enquanto verificava rapidamente o conteúdo. - Mas o diário do seu irmão não resistiu à explosão. Eu mandei resgatar aquele maldito diário, mas não tive sorte! Ele foi destruído pelas chamas! Tal como o seu irmão! Veja lá que coincidência extraordinária! Ah ah ah ah!

- Eu já fiz a minha parte! Que tal você cumprir a sua, agora? O meu pai?

- Muito bem, muito bem! Pode ir buscá-lo… Ele está ali, naquele confessionário! - respondeu o vulto, apontando para a direita, enquanto lia a carta de Jules.

Bianca correu imediatamente para o local indicado. O pai estava amarrado e tinha uma mordaça na boca para não falar.

- Pai! Pai! Estou aqui! Sou eu a Bianca!

- Mmmmmm! Mmmmmm! - respondeu o pai, entre gemidos!

- Ó pai! Perdoa-me! - desculpou-se Bianca, abraçando o pai.

A figura encapuzada batia palmas, enquanto erguia uma pistola a Bianca e a Eddie.

- Mas que final espectacular e glorioso! Uma filha que pede ao pai perdão pelos seus pecados! É perfeito! Adorei! 

- O que é que quer agora? Já lhe dei tudo o que queria! Agora pode apagar os ficheiros, não é? Não é, doutor Joshua? Já pode fugir em paz!

- Doutor Joshua? - perguntou o pai de Bianca, com voz combalida.

O vulto riu-se, completamente divertido.

- Sim senhor! Que linda detective você tem, Eddie! A sua filha devia ter ido para detective em vez de professora! Às tantas, por esta altura, ainda o pobre Kyle estaria vivo…  Ou não…! 

- Como é que se atreve?!? - insurgiu-se Bianca, arrependendo-se de imediato.

- Tu não estás em posição de me falares assim, Bianca! Já é mais do que tempo de me dares o merecido respeito!


·


*PAFFFFF!*


Uma mão pesada atingiu o rosto de Bianca, ao ponto de esta virar o rosto e ficar a ver estrelas.

- Ohhhhh…. Perdoa-me! Que péssimo exemplo eu dei agora! Mas até eu, Deus, por vezes perco a paciência com vocês, meus filhos!

- Deus? - perguntou Bianca, levando a mão ao rosto.

- Oh sim, minha filha! Eu sou Deus! - declarou o vulto, orgulhosamente. - O Messias encarregou-me de liderar um Mundo Novo, um Mundo que eu estou a cuidar para a sua chegada! E nada como ter uma cidade como Grace Falls para lhe oferecer de bandeja, totalmente pronta para ser preenchida de gente que pense e queira agir como nós!

- Como assim? - perguntou Bianca, confusa.

- Bom, já que não sairás daqui com vida, creio que te posso conceder essa misericórdia. Felizes aqueles que partem desta vida com um pouco de conhecimento, não é? - comentou o vulto, rindo-se para si mesmo. - Tu e o teu irmão julgam que sabem de tudo, mas afinal não sabem de nada! O Jules sacrificou a sua vida em vão! Ah ah ah ah ah ah ah!

- Mas, porque diz isso?


·


O vulto retirou a máscara e falou, com a sua voz normal:

- Porque eu é que sou Deus, minha menina! Eu é que sou a Mão Divina!!!

- Ohhhhh! Não pode ser! Father Simon! Você?!? - exclamaram Bianca e Eddie!

- Tanto pode, que assim é…! - respondeu Father Simon, baixando o capuz e mostrando ostensivamente um emblema da Mão Divina.

- Não pode ser! Você é um padre! Você é suposto ser um protector das pessoas! Um guia para elas! - retorquiu Bianca, em pânico.

- E quem disse que não é esse o nosso objectivo, minha querida? A Mão Divina foi criada para ajudar as pessoas. Inicialmente, quando o Messias me contactou, ele disse que queria que eu liderasse um grupo que ajudaria a tornar este Mundo melhor. Eu aceitei! Essa é a missão de sonho de qualquer missionário! Tornar o Mundo melhor! No entanto, minha querida Bianca, este Mundo, como o conhecemos, está podre. Pais abusam dos filhos. Filhos batem nos pais. Homens metem-se na cama com homens. Mulheres despem-se por dinheiro e por “Gostos” nas redes sociais... Nudez gratuita! Miúdos como o teu irmão, julgam carregar uma cruz com o peso do Mundo, quando tens crianças a morrer à fome! Crianças que fazem birras porque os pais não lhes dão telemóveis e roupas de marca! Uma sociedade que valoriza as faltas de respeito e vive para o consumo e para a adicção! Este Mundo está podre! Aliás, estava podre, até o Messias encher-me com a sua Graça Divina e nomear-me o Deus do Novo Mundo!

- Você está doido, Father Simon! Eu entendo a sua indignação, mas não é por matar as pessoas que as coisas vão mudar! - resmungou Bianca.

- Eu não queria matar ninguém, minha querida…. Só queria purificar! Retirar a maldade e o pecado deles! Infelizmente, tal tarefa tornou-se demasiado difícil e inglória… Não tive outro remédio senão avançar para medidas mais drásticas! Foi assim que decidi experimentar recorrer a algo que aprendi durante os anos em que estive como missionário numa missão: hipnose!

- Então…. Foi você quem começou com este flagelo?

- Minha filha, eu sou a Mão Divina! Como é óbvio, este trabalho deixou de ser fácil de ser feito sozinho, então tive de procurar aliados…. Foi aí que o teu querido Théo, o doutor Joshua, entre tantos outros…! Eles aceitaram muito facilmente servir-me e trabalhar para mim! Ah ah ah ah ah ah!

- Como é que funcionavam as coisas? - perguntou Bianca, agastada.

- De uma forma muito simples. Entre os meus aliados, a quem ensinei hipnose, criamos uma rede, a Mão Divina, onde temos vários núcleos, mas todos os núcleos estão conectados aos mesmos pontos centrais! Por exemplo, todos os miúdos que morreram aqui em Grace Falls, eram pacientes do Joshua ou miúdos que frequentavam a igreja para se confessarem! Mesmo que os idiotas da polícia e do FBI apanhem algum núcleo, sempre existem novos núcleos prontos a tomar o seu lugar! As pessoas estão desejosas de ver nascer um novo mundo, puro e mais pacífico! Isto sem esquecermos os poderosos aliados que conquistamos para a nossa causa!

- Vocês! Isso é horrível!

- O teu irmão Jules… Havias de ter visto a cara dele… Quando me contou, entre choros, que tinha descoberto que a Mão Divina era o doutor Joshua… Ele temia pela sua própria vida… Dizia que agora que tinha tomado consciência do valor da vida, não queria morrer mais…

- Não foi por causa disso! - vociferou Bianca. - O meu irmão tinha encontrado uma pessoa por quem valia a pena ele continuar a viver! O Shade!

- Humph! Não sei quem é esse, nunca ouvi falar nesse nome antes…! Mas não importa! O teu irmão era um pecador e teve um final lindo! Ahhhhhh! Como adorava ter estado no lugar daquele jovem indígena e ser eu a ver o Jules a imolar-se pelo fogo e a atirar-se do 3º andar!

- Você! Você é um doido! Um louco! Você está doente! Muito doente! - guinchou Bianca, abanando a cabeça.

- Eu sou Deus, minha filha! Eu tenho o poder de escolher quem vive e quem morre nesta cidade! Eu sou o Deus de Grace Falls! E em breve, serei o Deus deste belo país! E depois… Do Mundo inteiro!!! - gritou Father Simon, com um olhar totalmente insano!

Aproximando-se de Bianca, Father Simon encostou o cano frio do revólver à cara dela e declarou, num tom de voz preciso e cativador:

- Vamos lá acabar com isto de uma vez por todas, minha querida! Tu vais matar o teu pai com esta arma. Deixarás por escrito que descobriste que o teu próprio pai era a verdadeira Mão Divina e que não suportaste o choque. Mataste-o, para acabares com este flagelo que ele causou. Terminas a carta anunciando que te irás suicidar em seguida, pois não aguentaste tamanho desgosto. Estás pronta? Quando eu estalar os dedos em 3,2,1…


*CATRAPAM!!!*


Matoskah caiu sobre Father Simon e este deixou cair a arma ao chão. Shappa entrou pela igreja adentro e pegou na arma. Chayton e os restantes desceram de várias zonas da igreja e imobilizaram totalmente Father Simon, colocando-lhe uma mordaça para o impedir de falar e uma venda para evitar o contacto visual. Sem o olhar e sem o falar, ele era apenas e só um homem comum, com uma ideia totalmente deturpada de Justiça!

- Estás bem, Bianca? - perguntou Agatha, perante o olhar lívido de Bianca.

- Eu quero acreditar que vou ficar bem… - comentou esta, fazendo festinhas na cara do pai, que estava muito enfraquecido. Joshua tinha-o drogado com algo e Eddie ainda estava sob efeito disso.


·


Shappa telefonou para amigos de confiança que tinha no FBI e não tardou a chegar uma delegação que, em conjunto com os Assuntos Internos e a CIA, levaram Father Simon para uma prisão psiquiátrica de Segurança Máxima, vendado e amordaçado. Ele continuava a ser um perigo para todos os que se cruzassem com ele, enquanto vivo.

Nos dias que se seguiram à captura de Father Simon, os membros da Mão Divina começaram a ser capturados. O doutor Joshua e o doutor Tails foram apanhados a tentar fugir do país, de carro, rumo ao Novo México. Em troca de penas mais suaves, eles aceitaram revelar tudo o que sabiam, o que foi uma grande ajuda para a derrocada final da organização Mão Divina.


*Nova Ioque, 24 de Agosto de 2017*




Na televisão, um repórter explicava, com satisfação:


- “Desde o dia em que foi capturado o verdadeiro líder da Mão Divina, um padre chamado Father Simon, que temos assistido a um verdadeiro efeito dominó, com pessoas e figuras influentes a serem presas por todo país! O esquema, bem complexo, funcionava de forma muito simples: cada núcleo da Mão Divina era composto por grupos de 5 pessoas, que tinham de prestar contas das suas actividades aos respectivos líderes. 

Nenhum dos grupos sabia quem pertencia a outros grupos, por uma questão de protecção das identidades, no caso de alguém querer sair e assim não estragar os esquemas deles. Cada grupo conhecia apenas os membros que eram recrutados, que falavam entre si em grupo. 

Todos agiam através de um gigantesco esquema em rede, liderado pelo Father Simon. O objectivo desta organização era o de purificar o nosso Mundo das pessoas que eles consideravam “joio”: pessoas com vícios, pessoas gays, pessoas de outras raças, credos, etnias e religiões. No entanto, tal objectivo foi-se perdendo à medida que o grupo foi crescendo desmesuradamente. 

Muitos membros foram enriquecendo, de forma ilícita, porque manipulavam documentos e seguradoras, ficando com os bens das vítimas. Muitos dos membros da organização estavam ligados a grupos de ajuda nas comunidades locais. 

E foi assim que logo no segundo dia após a captura de Father Simon conseguiu-se apanhar todo o grupo que trabalhava directamente com ele: Doutor Joshua, Psiquiatra; Doutor Tails, Médico da Medicina Legal; Dra. Mariza Blumenthal, Psicóloga; o Comissário da Polícia de Grace Falls, Henry Larson; a dona do Millennium Eagle Bank, Joanne Olsen; o Mayor da cidade de Grace Falls, Charles Dickson. O farmacêutico Théo Liberman já tinha sido capturado e suicidou-se ainda antes de ir a julgamento. 

Estes membros e os restantes foram já condenados à prisão perpétua, com excepção de Father Simon, cuja sentença será lida dentro de minutos. Segundo podemos apurar até ao momento, cada uma destas pessoas criava redes dentro da rede, formando uma extensa rede que atingiu até as mais altas patentes do nosso país.

É, pois, com tristeza e pesar que anuncio que o nosso estimado Presidente Tieman foi hoje preso, por estar envolvido neste esquema de corrupção, assim como o Director do FBI, Bruce Hudges. Ambos foram encaminhados de imediato para uma prisão especial de alta segurança em parte incerta, bem como todas as outras figuras influentes e de destaque público. Aguardarão lá por julgamento, sem direito algum a caução. A única dúvida que resta é saber se eles serão condenados a prisão perpétua ou à pena de morte. 

Neste momento, o Congresso está a debater febrilmente o que fazer, embora o mais provável seja entrarmos num cenário de eleições antecipadas. Recordo que o Presidente Ronald Vamp foi deposto e condenado a prisão perpétua há poucos meses, após se descobrir as ligações que ele mantinha em segredo com o Presidente da Rússia e com o Presidente da Coreia do Norte. 

Seguimos agora em directo para o Hospital Psiquiátrico Cherry Park, onde acompanharemos a saída de Father Simon para receber o veredicto do seu julgamento, no qual ele será, muito provavelmente, condenado à pena de morte na cadeira eléctrica, por crimes hediondos contra a Humanidade.

Father Simon apareceu a sorrir para as câmaras de televisão. Tinha um ar andrajoso, mas continuava a mostrar-se dedicado à sua causa:

- “Vocês são todos doidos!” - gritava ele. - “O Messias está de olho em vocês! Ele vai chegar na hora certa e vai salvar-nos! Messias! Que a tua Luz nos ilumine e abençoe! Que a tua Mão Divina me resgate destes malucos!


·


Uma pessoa estava sentada numa poltrona em Nova Iorque a ver televisão. Desligou a televisão e riu-se com desdém.

- Ah ah ah ah ah! Faço um brinde a isso, Father Simon! Bonitas palavras! Mas, sinto muito em dizer-te isto: vais ter muito que esperar, meu amigo…! Na verdade…

A pessoa aproximou-se de uma arca frigorífica, abriu-a e olhou para um corpo em decomposição que tinha lá guardado.

- Eu, se fosse a ti, Father Simon…. Esperava por mim sentado…. Sentado na cadeira eléctrica! Ah ah ah ah ah ah ah!






[Continua...]

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