30 setembro 2022

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 22

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Capítulo 22




*1 de Junho de 2018*


Shade, Noah, Damian e Bianca encontraram-se já o sol ia alto. Os dois casais tinham ficado acordados até às tantas na noite anterior. Como Noah iria partir ao meio da tarde e a viagem seria bastante longa, decidiram almoçar no restaurante do hotel onde estavam hospedados. 

Shade estava particularmente triste naquele dia. Depois da fantástica noite que ele e Noah tinham tido na companhia de Thomas, o empregado do hotel, custava-lhe ainda mais ter de dizer adeus a Noah. Lendo-lhe os pensamentos, Noah passou-lhe a mão pelas pernas, por debaixo da mesa. Shade virou-se para ele e Noah sorriu-lhe.

Damian observava a cena, num misto de ciúmes, de alegria e também uma certa tristeza. Ele e Noah tinham-se envolvido numa das noites em que Shade discutira com Noah. 

Nessa noite, Damian estava no bar do hotel, uma vez que Bianca já se tinha recolhido, a pensar na sua vida e no que iria mudar dali para a frente. De repente, Noah apareceu no bar, triste e cabisbaixo. Damian, apercebendo-se de que o amigo estava com cara de caso, convidou-o a sentar-se ao seu lado. Os dois conversaram durante bastante tempo. 

O clima foi mudando gradualmente entre ambos. Com música ambiente, boas bebidas e a conversa a mudar para um campo mais colorido e bem mais intimista, os dois homens seguiram para o quarto de Noah, onde tiveram uma grande noite de sexo! Daquela vez, Damian ficou a dormir com o Noah. Tudo fora tão bom, que eles repetiram a dose várias vezes, antes e depois de acordarem!

- “Só um homem consegue entender tão bem outro homem, garanto-te!” - confessou Damian, entre beijos, quando se preparava para sair do quarto de Noah, no dia seguinte.    

Noah pediu a Damian para este não contar o que se havia passado entre eles. Damian concordou, pois não queria magoar Shade. Assim, durante o resto do tempo, os dois cruzavam olhares e por vezes iam juntos à casa de banho, demorando-se um pouco mais do que seria de esperar! 

O desejo falava mais alto! Ambos não precisavam mais do que alguns minutos para regressarem aliviados e com ar bastante satisfeito! Shade, que andava mais absorto do que o costume e Bianca, que tinha mais em que pensar, não davam grande importância a isso.

O almoço daquele dia estava delicioso, mas nenhum dos jovens falava muito com os restantes. Estavam todos perdidos nos seus próprios pensamentos. Aquele dia despertara cinzento e invernoso, contrariando os dias agradáveis, solarengos e quentes que tinham vivido desde que haviam chegado a Washington. O tempo taciturno parecia espelhar o que ia na alma de todos eles. Noah seria o primeiro a partir, mas os restantes iriam embora no dia seguinte. Shade e Damian de regresso a Fargo e Bianca de regresso a San Diego. 

Terminado o almoço, Noah foi buscar as suas coisas. Shade acompanhou-o. Os dois regressaram pouco depois. Shade tinha os olhos muito brilhantes. Bianca deu-lhe a mão, emocionada, sorrindo para ele.

- Tens de ter muita força! - sussurrou-lhe, afagando-lhe a mão.

O motorista que Zelda tinha contratado para servi-los durante aquela estadia veio ter com eles e colocou a mala de Noah na bagageira, enquanto os jovens entravam no carro e colocavam os cintos de segurança. O motorista, arrancou pouco depois, conduzindo-os ao Ronald Reagan Washington National Airport, que fica localizado a 8 quilómetros a Este da cidade de Washington D.C., já no condado de Arlington, na Virgínia. Como o tempo não estava famoso, os jovens apanharam muito trânsito pelo caminho.
  
Assim que chegaram ao aeroporto, chovia a cântaros! Noah foi a correr fazer o check-in. O avião dele partiria daí a muito pouco tempo. Quando ele pegou na sua mala, Shade desatou a chorar. Caíra-lhe a ficha, por fim.




- Então, querido? O que tens? - perguntou Noah, com carinho.

Entre fungadelas, Shade respondeu:

- Custa-me que te vás embora, Noah! Eu não sei quando te voltarei a ver! Não quero que vás! Não quero ficar sozinho!

Noah abraçou-o. Damian chorava em silêncio e Bianca escondera o rosto entre as mãos.

- Eu estarei sempre à distância de uma mensagem, de um toque... Tu agora tens telemóvel, querido! Podemos falar todos os dias, se quiseres! É só instalares o WhatsLap! Até podemos fazer chamadas em vídeo... Daquelas que... Tu sabes... 

- Noah piscou o olho a Shade.

Apesar de querer parecer forte, mostrando um sorriso animador e encorajador, a verdade é que Noah estava igualmente triste. Ele sabia que muito dificilmente estaria tão cedo com Shade. Ele agarrava-se à esperança de que, através do aplicativo, eles pudessem colmatar a saudade. Noah chegara a ponderar largar tudo e simplesmente ficar com Shade. 

Este dissuadiu-o de fazer tal coisa, quando Noah lhe falou nisso, dias antes. Shade queria partir, depois de Damian ir-se embora para Nova Iorque, em busca das suas origens. Ele precisava de tempo para se organizar, assim como criar um plano. Até aquele momento, Shade não fazia a mínima ideia do que iria fazer quando encontrasse o seu pai biológico. Só pensava na promessa que Jules lhe deixara no diário2.

Bianca aproximou-se de Noah e agradecendo toda a ajuda e carinho, entregou-lhe discretamente um envelope. Em voz baixa, para que mais ninguém a pudesse escutar, ela pediu a Noah para este abrir o envelope apenas quando estivesse no avião. Ele acenou-lhe com a cabeça fez-lhe uma vénia. Shade virou costas e afastou-se um pouco. Bianca foi ter com ele e abraçou-o, consolando-o.

Damian, por sua vez, abraçou Noah e sussurrou-lhe:

- Meu, eu adorei o que vivemos juntos! Se eu puder, vou visitar-te lá à tua terra! Se quiseres, vens tu visitar-me lá a Nova Iorque! Pode ser? Ficamos assim combinados? Terei todo o gosto em rever-te,

- Está combinado! Estou desejoso de te ver lá no espectáculo “Os Miseráveis”! Muita merda, Damian!

- Obrigado, meu! Vamos mantendo o contacto! Quando fores, avisas-me e eu ofereço-te o bilhete para o espectáculo desse dia! 

- Fixe! Tu és mesmo um gajo muito porreiro! Muito obrigado! - elogiou Noah, feliz.

Os dois amigos abraçaram-se. 

Damian sussurrou ao ouvido de Noah:

- Depois do espectáculo, faço uma representação em privado para ti! Só tens é que arranjar o “palco” certo! 

Cúmplices, os dois abraçaram-se com mais força. Noah expressou um sorriso maroto, ao sentir Damian a passar-lhe a mão! Aproximaram-se mais um do outro e roçaram subtilmente os altos que ambos tinham nas calças, com um sorriso cúmplice.

Uma voz impessoal interrompeu o momento:

- Última chamada! Última chamada para o embarque do voo SAD - 01987 da American Airlines, com destino ao Sioux Falls Regional Airport, na Dakota do Sul! 

A viagem de Noah ainda seria longa. Depois de chegar à Dakota do Sul, em pouco mais de 45 minutos estaria em White River. Ainda assim, foi com o coração apertadinho que se abraçou pela última vez a Bianca, Shade e a Damian. Ao virar costas, ele desatou a correr para o terminal de embarque do seu voo, para que os amigos não o vissem a chorar!

Ao vê-lo partir, Shade foi a correr atrás dele, aos gritos, desesperado! 

Damian ficou num misto de emoções, com alguns remorsos à mistura! Bianca, por sua vez, estava cada vez mais rendida aos encantos do seu meio-irmão! Depois de passar algum tempo na companhia dele, ela julgava compreender o porquê de Jules se ter afeiçoado daquela forma ao irmão! Shade queria tanto ser amado e desejado, que se entregava de corpo e alma a quem lhe desse um pouco de carinho, amor e atenção. Todos ficaram ali, junto de uma grande janela, até que o avião de Noah levantou voo e com grande alarido, partiu. 

Depois de dada a ordem para desprenderem os cintos, Noah levantou-se e tirou o casaco da bagageira do seu assento, retirando o envelope que Bianca lhe entregara. Sentou-se no seu lugar, junto da janela, abriu a carta e começou a ler:




Washington D.C. 
23 de Maio de 2018

Estimado Senhor Jefferson,

Quem lhe escreve é Edward Sullivan. 
Queria agradecer-lhe por tudo o que fez. 

Eu sei que a Saúde no nosso país fica muito cara e espero que o cheque que envio junto com esta carta o possa compensar pelos gastos que teve com o meu filho Shade. 

De igual forma, agradeço-lhe do fundo do meu coração por se ter dedicado a cuidar dele, quando toda a equipa do hospital de White River se queria ver livre do Shade e deixá-lo entregue à sua própria sorte, visto ele ser um sem-abrigo. Segundo vim a apurar mais tarde, depois de falar consigo da última vez, o Shade foi expulso do hospital de San Lynch pelos mesmos motivos.  

Sim, eu já soube que você foi o único que quis, verdadeiramente, cuidar do Shade, sem saber sequer quem era ele, nem sabendo que havia uma recompensa em nome dele. Segundo as minhas fontes, você só soube que havia uma recompensa pelo Shade no dia em que o meu filho saiu do hospital. 

Concluo dessa forma que você fez tudo de coração aberto, mostrando um grande altruísmo e generosidade. O Mundo precisa de mais pessoas como o senhor. 

Bem-haja! 

Lamento não poder entregar-lhe o cheque pessoalmente, mas no momento em que lhe escrevo, não me estou a sentir muito bem. Espero que me perdoe.

Com os meus sinceros e mais respeitosos cumprimentos,
Atentamente,

Edward Sullivan


Noah leu a carta e chorou, emocionado! Pelos vistos, aquela carta fora uma das últimas acções que Eddie fizera, antes de morrer! 


*Algumas horas mais tarde, em Washington D.C.*


Os três jovens tinham regressado ao hotel. Como os voos iriam partir durante a madrugada do dia seguinte, jantaram bastante cedo. Bianca pediu a Damian para ficar a sós com Shade. 

- Não há problema! Eu ainda tenho de fazer a minha mala, por isso... Se precisarem de mim ou de alguma coisa, eu estarei no meu quarto! - rematou Damian, piscando o olho e sorrindo aos dois irmãos. 




Shade suspirou, desconfortável. Ele tinha adiado o mais que pôde a conversa que suspeitava que Bianca queria ter com ele! Bianca olhou para ele, olhos nos olhos.

- Shade, está tudo bem? Estás melhor das dores de cabeça? 

- Sim, estou melhor, obrigado... Só me sinto um pouco enjoado e cansado... Dormi pouco a noite passada... Se calhar, é melhor ir dormir agora... - desculpou-se Shade, tentando fugir à conversa.

- Acredito que sim, acredito que sim... - riu-se Bianca, condescendente. - O Jules agia da mesma forma que tu, quando se queria esgueirar a uma conversa...

O rosto de Shade iluminou-se imediatamente. Com um sorriso nos lábios, ele perguntou:

- Tu gostavas muito dele, Bianca?

- Claro que sim! Ele era e continua a ser o meu irmão! E agora, tu também, Shade!

O rapaz foi apanhado de surpresa com aquela resposta! Não encontrou argumentos para rebater e remeteu-se ao silêncio, com os olhos marejados de lágrimas. Bianca, emocionada, tocou no rosto de Shade.

- Não consigo imaginar o que tu e o Jules sentiram, o tormento que deve ter sido para vocês, quando descobriram que eram irmãos separados à nascença! O Jules teve uma vida cheia de luxos e tu tiveste uma vida cheia de dificuldades...

Ela escolhia as palavras a dedo. Já se apercebera que Shade era bastante sensível e estava totalmente indefeso naquele dia. Não tardou para que lágrimas rolassem pelo rosto deste, enquanto desabafava o que lhe ia na alma.

- O Jules e eu tivemos o azar de ser separados sabe-se lá porquê. Mas eu sempre sonhei que tinha irmãos, algures por aí! Eu sentia-me vazio! Quando conheci o Jules, percebi que éramos muito parecidos! Até fisicamente! Eu sempre ouvi dizer que existe uma pessoa bastante semelhante a nós por aí! Pensei que ele era essa pessoa!

- Então estavas longe de imaginar que te estavas a apaixonar pelo teu próprio irmão? 

- Confesso que houve momentos em que essa ideia me passou pela cabeça, mas parecia-me tão rocambolesca... A verdade é que eu estava mesmo feliz por conhecer alguém que me preenchia de uma forma que eu jamais senti! Com o Jules, tudo era possível! E olha, era recíproco!

Bianca pediu um café a um empregado. Precisava de organizar os seus pensamentos. Para Shade, tudo parecia lógico, mas a verdade é que ele estava a falar do seu próprio irmão! Decidida a ir até ao fim, ela prosseguiu:

- Eu li o diário do Jules, antes da nossa casa explodir2...

Shade ficou surpreso com a revelação! Talvez Bianca tivesse uma resposta que ele procurava!

- Olha lá, Bianca... Tu leste o diário até ao fim?
 
- Não tive tempo... A nossa casa explodiu2 antes de eu conseguir ler tudo... O diário ficou por lá, perdido. Porquê? - perguntou ela, curiosa.
 
- Espera um bocadinho! Eu volto já!



Shade levantou-se, visivelmente excitado com alguma coisa! Alguns minutos mais tarde, ele regressou ao restaurante, trazendo consigo a sua sacola. Ao sentar-se à mesa, junto de Bianca, declarou:

- A vossa casa explodiu, mas eu não desisti de procurar o diário do meu irmão2! Aqui está ele!

Desta vez foi Bianca quem ficou sem palavras! Shade retirou um diário sujo e humedecido da sacola! Ao abri-lo, ela confirmou! Aquela era a letra de Jules!

- Ó meu Deus! Como é que tu conseguiste isto, Shade?

- Depois de vocês deixarem a cidade, eu continuei à procura do diário, até que acabei por encontrá-lo! Já agora... Existe uma coisa que te queria perguntar, Bianca! Tu quando estavas a ler o diário, não notaste nada de especial?

Bianca folheou o diário de Jules, emocionada! Intrigada com a questão de Shade, ela tentou lembrar-se de algum pormenor. 

De repente, comentou:

- Agora que falas nisso... Se bem me recordo, faltavam páginas no diário! Páginas que foram arrancadas!

Shade levantou-se, eufórico!

- Foda-se! Eu sabia! Bem me parecia que não era impressão minha! Faltam mesmo páginas ao diário! Elas foram cuidadosamente arrancadas!

Bianca ficou surpresa com a novidade!

- O que queres dizer com isso, Shade?

- Não sei... Mas das duas, uma: ou o Jules arrancou as folhas que faltam porque quis... Ou alguém conseguiu chegar ao diário antes de nós e leu o que ele andava a escrever, arrancando partes que não queria que se soubessem!

Bianca coçou o queixou, com ar pensativo.

- Bom, isso faz todo o sentido... Afinal, naquela altura, a Mão Divina já andava no meu encalce, porque eu queria descobrir o que acontecera com o Jules2... Talvez tivesse sido o Théo...

- Quem é o Théo? - inquiriu Shade, curioso.

- Era um amigo meu, dos tempos de menina... Quando regressei a Grace Falls depois da morte do Jules, ele foi o meu grande apoio e tornamo-nos namorados... Estava longe de imaginar que ele era um dos membros da Mão Divina... Ele não fazia mal a uma mosca! Mas no final, viemos a descobrir que ele até estava a drogar o Jules!

- A sério?! Fogo, que filho da puta de cabrão, esse Théo! O que lhe aconteceu? 

Ao aperceber-se do que acabara de dizer, Shade levou a mão à boca e pediu desculpas à meia-irmã. Esta riu-se. Shade demonstrava ser muito genuíno quando se conseguia dar a conhecer.

- Não tem mal! Quando o Théo viu que tinha sido descoberto, ele explodiu com a farmácia que tinha na cidade e tomou um veneno qualquer, morrendo antes de ser capturado pela polícia2!
 

 
Nota do Autor:
 
2 -
“Escrito nas Entrelinhas: Parte 2”; 


[Continua...]

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