10 fevereiro 2020

Sombras da Luz: Skyfall ~ Capítulo 2


Capítulo 2


O dia amanhecera radioso. O céu estava pincelado em tons de azul e dourado, como se a própria natureza quisesse festejar o evento! Razor acordara felicíssimo! Mal ele se levantou, eis que entram no seu quarto a sua mãe e irmã mais nova, decididas a felicitar o jovem Cavaleiro.

- “Olá bom dia meu querido filho, como está o meu passarinho loiro?” - perguntou a sua mãe, afagando-lhe os seus sedosos cabelos loiros.

- “Olá querida mãe e irmã, estou bem, muito obrigado!” - respondeu Razor, com um sorriso enorme.

Era a primeira vez que a mãe o ia acordar e dar-lhe os bons dias, pois normalmente era uma das aias da família que cuidava do menino.

- “Eu e a tua irmã vamos preparar-nos para a cerimónia. Meu pequeno cavaleiro!” - respondeu a mãe, com um meio sorriso.

Quando Razor, com um ar feliz, ia abraçar-se a ela e dar-lhe um beijo, ela e a sua irmã já tinham virado costas e saído do quarto. Razor suspirou, triste. Como estava habituado às faltas de amor e de afecto por parte da sua família, encolheu os ombros.

De imediato, ele começou a pensar no dia que o aguardava: ele iria ser nomeado Cavaleiro e teria uma espada de verdade! Mais animado, ele vestiu-se rapidamente, saiu a correr aos saltos e pulos de alegria do quarto e ao entrar no salão onde serviam as refeições, esboçou um enorme sorriso a todos os presentes, dizendo:

- “Olá muito bom dia a todos!”

Todos os familiares viraram-se de repente e as conversas cessaram de imediato. Naquele instante, Razor pensou ser ele o tema de conversa, mas no segundo seguinte, todos os familiares levantaram-se e cumprimentaram-no. Razor ficou emocionado e correu para junto do pai e dos irmãos mais velhos.

- “Pai!” - gritou Razor espantado, mas feliz.

Ele já não via o seu pai desde a última Grande Cruzada ao serviço do rei. O pai de Razor, Seth, era um grande General do reino de Spodeth-Alpha. Feliz e orgulhoso do seu filho ter sido nomeado Cavaleiro em tão terna idade, ele esboçou um meio sorriso e abraçou-se a ele.

Todas as pessoas ali presentes emocionaram-se com o momento... Era um momento raro. Ver o pai a mostrar um sorriso...! Quanto mais dar um abraço, à frente de todos! Razor desatou a chorar desalmadamente...!

Estava a ser o dia mais feliz da vida dele! Recompondo-se, pai e filho tomaram as suas posições à mesa. Ao sentar-se ao fundo da mesa, eis que o pai chama-o da outra ponta, ordenando:

- “Razor, senta-te aqui, à minha direita!”

Seth enxotou literalmente um dos irmãos, para que Razor pudesse sentar-se. O jovem cavaleiro acenou com a cabeça e mal acreditando no que se estava a passar, pensou:

- “Será que estou a dormir ainda? Parece um sonho, tudo isto!”

Os irmãos de Razor normalmente implicavam com ele, mas naquele dia, até eles estavam simpáticos e bem-dispostos. Convém salientar de que ser nomeado Cavaleiro era a maior honra que se podia ter no reino de Spodeth-Alpha. A família de Razor era das mais prestigiadas do reino, pois todos os seus membros, com excepção da mãe e da filha mais nova, eram Cavaleiros desde há muitas gerações.

Após tomarem um fantástico pequeno-almoço, Razor e a sua família dirigiram-se para o palácio do Rei Gallanos. Seria lá que iria decorrer a cerimónia.

- “Aiii, não devia ter comido tanto ao pequeno-almoço, tenho o estômago aos saltos!" - queixou-se o nosso jovem herói, enquanto massajava a barriga.

- “Não vos preocupeis com isso filho, essas dores são apenas medo!Um cavaleiro não deve ter medo de nada!!” - declarou Seth, entre gargalhadas.

O general Seth estava particularmente bem-humorado naquele dia. Além de ter sido o responsável directo pela conquista de mais territórios para expandir o já grande reino de Spodeth-Alpha, ele estava feliz pelo seu filho ter sido nomeado cavaleiro. Seria o terceiro dos seus quatro filhos a ser nomeado cavaleiro. Ele nunca acreditara muito no potencial de Razor. Acabava por passar a vida a desprezá-lo, valorizando os feitos dos restantes irmãos. Por vezes, Seth sentia um certo peso na consciência, mas ele era assim e nunca iria mudar. Ele era um homem apaixonado pelo poder e pela ambição. Corria o rumor de que Seth não olhava a meios para atingir os seus fins. As más-línguas comentavam que o jovem Razor tinha sido nomeado Cavaleiro tão cedo devido à influência do seu pai na corte do Rei Gallanos.

Ele não se importava com isso. Ele partilhava a opinião de que quem era bem sucedido, era sempre alvo das más-línguas. Seth era um homem bonito. Aliás, toda a família era bonita. Ele tinha um olhar profundo, tão profundo que amedrontava as pessoas. Quando estava zangado, dizia-se que Seth podia matar só com o olhar! Isso fez nascer a expressão “o olhar de Seth”, que era expressa quando as pessoas estavam a olhar profundamente para algo. Os seus olhos eram azuis, um tom de azul muito escuro, o que fazia reforçar ainda mais o brilho intenso do seu olhar. Com uma forte cabeleira loira, qual juba de leão e uma pele dourada pelo sol dos muitos combates em que já participara, ele era realmente uma figura bastante atraente.

Tinha uma voz autoritária desde pequeno. Fora educado para ser um líder, tal como haviam sido o seu pai e o seu avô. Por causa disso, Seth cedo  entrou nas batalhas e guerras de Spodeth-Alpha. Ele era um homem muito musculado, embora esbelto. Tudo isto havia tornado Seth um homem profundamente narcisista e orgulhoso. Manipulador e hábil como só ele, conseguia muitas vezes fazer os outros cederem aos seus caprichos, sem sequer aperceberem-se disso! Fora assim, aliás, que conquistara o coração da mãe de Razor.

A mãe de Razor, Romeru, era uma mulher muito bonita e requintada, que nascera no seio da mais alta sociedade de Spodeth-Alpha. Devido a isso, era aquele tipo de pessoas que adoravam ser lisonjeadas e apreciadas. Tinha um ego tão grande quanto o seu estatuto. Com esta combinação, foi muito fácil ao General Seth conquistá-la. Romeru tinha um corpo elegante, um olhar delicado e suave, longa cabeleira ruiva e uma pele branca como a neve. Desde pequena que diziam que ela era um anjo caído do céu, devido à sua beleza.

Tanto elogio, tanta palavra bonita, acabaram por transformar a jovem Romeru numa rapariga extremamente vaidosa e convencida, sempre a dar valor ao exterior e a desprezar por completo tudo o que fosse abaixo do seu nível... Essa era, sem dúvida, uma das maiores, senão mesmo a maior, das perdições de Romeru. Apesar disso, ela tinha um grande amor pelos filhos. Não se enganem, porém: o amor pelos filhos era apenas uma fachada, pois Romeru estava era interessada nos maridos e esposas que eles haveriam de arranjar. Lá no fundo, bem no fundo, ela até chegava a gostar minimamente de três dos quatro filhos dela. No entanto e por motivos que descobrirão mais tarde, ela desprezava o pobre Razor...

E já que estamos a falar nele...

Razor passava o tempo inquieto na carruagem onde viajava com os pais e irmãos em direcção ao castelo. Não tirava os olhos do horizonte, onde se imaginara vezes sem conta a lutar com o pai e irmãos contra inimigos e guerreiros de outros reinos. Volta e meia, ele tinha uma visão particularmente especial...

“Estavam centenas de homens a combater, tanto dum lado como de outro. Uma luta feroz, sem precedentes. Espadas brandidas furiosamente, umas contra as outras... Cavalos galopando enraivecidos, relinchando de dor aos serem postos uns contra os outros... Um campo verde e pacífico, rapidamente tornava-se num campo sangrento e de guerra, até que a última espada se calasse...

...Até que um só cavaleiro restasse de pé...

Esse cavaleiro era Razor.

Ele derrotara sozinho uma horda de Cavaleiros. Após ver o seu pai e irmãos tombarem na frente de batalha, eis que uma fúria, uma raiva incontrolável, tomava conta do nosso jovem herói...

Ele chorava de raiva e de dor... E de repente, dá um berro... Era a sua alma a gritar... Já não aguentava mais aquilo...!

E então, tresloucado, desembainhava a espada e partia para o confronto final...”

Razor adorava rever aquela visão! Ele sabia que um dia seria mais forte de que todos os seus irmãos e até mais poderoso de que o próprio pai. Era esse o seu desejo mais íntimo: ser forte o suficiente para proteger aqueles que amava e receber assim o amor que desejava em troca!

A dada altura da viagem, ele colocou a cabeça fora da janela da carruagem. Que maravilha sentir aquela brisa primaveril, aquele doce aroma das plantas que desabrochavam... Se Razor pudesse definir um cheiro para a Felicidade, seria aquele!

- “Que delícia! Este deve ser o sonho mais bonito que alguma vez tive!” - pensava Razor.

- “Mal posso esperar para rever Suas Altezas!” - comentou Romeru, enquanto penteava o cabelo da filha mais nova, Lisah.

Lisah era uma criança muito mimada. Tal como sua mãe, Lisah tinha uma longa cabeleira, castanho-clara, pele branca como a neve e olhos azuis-esverdeados, que lhe davam uma graça muito especial. Com uma personalidade forte e obstinada, quem a conhecia dizia que ela era daqueles tipos de rapariga que iria ser o que quisesse quando crescesse.

- “O Rei Gallanos tem estado doente. Espero que melhore...” - respondeu Seth, com uma certa ironia na sua voz.

- “Cuidado com esses comentários, as paredes tem ouvidos!” - sussurrou Romeru.

- “Humph! Eu rio-me desses pobres infelizes...! Eles vão ver só!” - exclamou Seth.

Conversa puxa conversa, já se avistava o castelo no horizonte!

- “Oh, estamos a chegar, mal posso esperar!” - exclamou Razor, todo excitado.

A família de Razor encolheu os ombros e riu-se. Naquele dia parecia que nada, nem ninguém, conseguia demover a alegria e boa disposição a toda a família...

*De repente...*

- “Hummm....Pai...! Podes mandar parar a carruagem? Estou aflitinho... Para fazer xixi...!!” - sussurrou Razor, bastante envergonhado e corado.

O General Seth soltou uma valente gargalhada e lá mandou parar a carruagem.

*Minutos mais tarde...*

- “Então filho, estais melhor?” - perguntou Romeru, entre risos.

O pequeno Razor não apercebeu-se de que estavam todos a gozar com ele e com a sua inocência. Assim, ele pensou que a mãe e os restantes membros da família estavam a rir-se do “imprevisto” e respondeu que sim, que estava bem melhor. Quando ele se sentou, a carruagem prosseguiu viagem e passado algum tempo, chegaram finalmente ao palácio do Rei Gallanos.


[Continua...]

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