12 dezembro 2020

Escrito nas Entrelinhas: Parte 2 ~ Capítulo 4

 



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Capítulo 4


- Lamento imenso doutora, por estar a tocar em feridas antigas... - comentou Hudges, num tom meigo.

- Já passou, já passou. Fico emocionada por saber que o Senador Tieman está preocupado com o meu filho.

- Quanto a isso, pode ter toda a certeza de que nada faltará nos cuidados ao Matoskah! Ele terá os mais avançados tratamentos da Medicina para se recuperar o quanto antes! O Senador não olhou a despesas! - comentou Michael, com ar satisfeito.

- Director Hudges... Como está a correr a autópsia ao corpo do Jules? - perguntou Shappa, a medo.




- O corpo do rapaz estava demasiado carbonizado para conseguirmos reconhecê-lo. Só o conseguimos fazer com uma perícia dentária...

- Ou seja, voltamos à estaca zero... - comentou Michael, sentando-se, com ar preocupado.

- De facto, eu também vos convoquei aqui para debatermos as linhas que vamos seguir.... Creio que o mais acertado é revermos todos os processos desde que vocês se mudaram para Grace Falls.

- Conseguiremos aceder à base da polícia e aos dados que eles recolheram sobre os jovens que se suicidaram no último ano? Isso não dará nas vistas? - perguntou Shappa, intrigada.

O Director Hudges levantou-se e virou costas, ficando de frente para a janela, com ar pensativo.

- O pai do Jules pediu a nossa ajuda. Quer sigilo, como é óbvio, mas nós iríamos investigar de uma forma ou de outra. A empresa dele é uma das maiores financiadoras da campanha do Senador Tieman à Presidência!

- Então os rumores sempre são verdade? - perguntou Michael, enquanto tomava um novo café, trazido pela secretária do director Hudges.

- Assim é, meus caros. Os Republicanos não estão nada satisfeitos com a actuação do nosso Presidente actual. Ele é o Presidente mais impopular da 

História do nosso país! A forma como ele governa, o desrespeito pelas nossas decisões, os constantes escândalos com a Imprensa e o pior de tudo...

- A guerra eminente com a Rússia e com a Coreia do Norte... - suspirou Shappa, com ar cansado.

- Exactamente, doutora! Todos esses factores estão a contribuir para uma desacreditação do nosso grande país, perante os outros, principalmente os mercados europeu e asiático! A nossa economia depende deles! O nosso Presidente está a causar bastantes danos à imagem da nossa bela América! - exclamou Hudges, com ar colérico, enquanto levava uma mão ao peito e fazia sentinela à bandeira que tinha à sua direita.

Shappa sentiu vontade de rir ao ver aquele gesto. Para ela, todas as pessoas eram iguais, independentemente do país onde tinham nascido. Porém, tais pensamentos não podiam ser ditos em público, mais ainda quando se trabalhava para uma instituição como o FBI. Assim, limitou-se a tomar o café, sem nada dizer.

Hudges sentou-se na sua poltrona.

- Bom, desculpem-me. Deixei-me levar pelas emoções... - retorquiu mais calmo, enquanto limpava gotas de suor que surgiram na sua testa com um lenço de seda.

- Director, quais são as novas ordens? Como devemos prosseguir? - perguntou Michael.

- Você deve acompanhar o jovem Matoskah para o novo local. As tropas irão buscar-vos logo à noite, quando a maioria da população já se encontrar a dormir. Por isso, doutor Michael, aconselho-o a ir imediatamente para o hospital, tratar dos preparativos!

Hudges levantou-se, seguindo-se Michael, que entendeu a mensagem. Sorrindo aos dois, o doutor Michael virou costas e saiu a grande velocidade. Depois deste sair, Hudges sentou-se e sorriu.

 - Quanto a si, doutora Shappa.... Existem várias coisas que eu queria discutir consigo. Além do que já falamos, claro.

Shappa, que se levantara ao mesmo tempo que Michael, sentou-se, intrigada. O que viria por aí?

- Como já lhe comuniquei, Eddie Sullivan pediu a ajuda do FBI para tratar do caso do filho dele. Claro que face a um desfecho como o ocorrido, nós agiríamos de qualquer forma. Mais ainda por causa do Senador Tieman.

- Compreendo e concordo, Director Hudges. Mas precisa de mim para...?

- Sempre directa ao assunto, não está para rodeios. É assim que eu gosto! Bom, eu quero que você e a sua família se aproximem da família Sullivan. Como disse o Michael, a chave do mistério reside no que aconteceu no prédio que ruiu. Mas antes disso, temos o rapaz! O Jules! Ele é a peça fundamental deste puzzle! Acredito que se pudermos contar com a ajuda da família dele, será mais fácil de deslindar o que realmente aconteceu!

Shappa ficou mais aliviada ao escutar aquelas palavras. Com um meio sorriso, respondeu:

- Por acaso, eu e o Chayton estávamos a pensar visitá-los...

- Óptimo! Façam isso! Vamos dar um voto de confiança a estas pessoas. Se surgir a oportunidade, abra o jogo com eles. Se não surgir, provoque-a! Diga-lhes que trabalha para o FBI, embora seja um segredo que eles devem manter. Desta forma estará a demonstrar que confia neles e ao mesmo tempo a lançar o isco - se eles agirem de má-fé, nós saberemos de onde veio a fuga de informação e tomaremos medidas. Shappa, não posso deixar de reforçar que esta é uma jogada perigosa da nossa parte...

- O Jules merece que se faça justiça. Nós temos de descobrir o que se anda a passar na cabeça dos jovens daquela cidade! Para que possamos colocar um ponto final nesta tragédia! O Matoskah não merecia perder o amigo! Nem quero imaginar como é que vai ser quando ele acordar! - desabafou Shappa.

- Quanto a isso, doutora Shappa, porque não convida os amigos do seu filho para irem passar uma temporada a vossa casa? Vou falar com o Senador e estou certo de que ele cobrirá todas as despesas!

Shappa emocionou-se. O Director Hudges estava a mostrar-se particularmente generoso naquele dia. Talvez a tragédia que ocorrera tivesse trazido um pouco de amor ao coração dele.

- Director, fico-lhe muito agradecida pela ideia e pela ajuda. De facto, vejo-me tentada a aceitar a oferta, já que assim o Takoda estará mais protegido, enquanto o Matoskah recupera!

- Muito bem! Tomarei as devidas providências ainda hoje. Você ligue para casa dos Sullivan e faça por marcar uma visita para amanhã. Se tudo correr bem, nos próximos dias as coisas terão mudado em Grace Falls e a vossa família terá um pouco de paz. Entretanto, aproveite para entregar este relatório ao Eddie Sullivan. Está aí a perícia ao corpo do pobre Jules.

Hudges entregou um envelope oficial e lacrado a Shappa. Estendeu-lhe a mão e rematou:

- Pode sair, por hoje é tudo! Boa sorte, doutora! Conto com a sua máxima descrição!

Shappa fez-lhe uma vénia, sorriu educadamente e saiu. Ao entrar no carro, partiu a grande velocidade, parando vinte quilómetros mais tarde. Ela sentia um nó no cérebro. Estava a ponto de chorar. Cansada e desejosa de tomar um bom banho, ela ligou para casa e pediu ao marido que este fosse adiantando o jantar, uma vez que ela chegaria um pouco tarde e já ia exausta.

- Olha Chayton, outra coisa... Não te importas de telefonar para casa dos Sullivan?

- O quê? Dos Sullivan? O que é que se passa, Shappa?

- Sabes? Acho que devíamos fazer-lhes uma visita.... Afinal o filho deles era como se nosso filho se tratasse...

- Está bem, eu concordo contigo, sim! Nesse aspecto tens razão, mas isso são coisas da nossa tribo! Tu sabias que andam a falar na cidade que foi o nosso Matoskah que causou a morte do Jules?

Shappa suspirou, cansada.

- Sim Chayton, o meu chefe já me falou nisso.... Mas olha uma coisa: se evitarmos a visita, isso só nos fará parecer mais cúmplices dessa mentira!

Chayton bufou ao telefone.

- Está bem, está bem! Tínhamos combinado aguardar que a poeira assentasse, mas eu vou telefonar a saber se amanhã de tarde podemos passar lá, então! Pode ser que nos recebam bem...

- Vamos acreditar que sim! Nem toda a gente da cidade pode ser má.... Até mais logo, meu amor! Um beijo! - rematou Shappa, desligando o telemóvel de seguida, enquanto conduzia para casa.


*25 de Maio de 2017*


Reinava uma certa inquietação em casa da família Sullivan. Laura e Bianca aguardavam com impaciência a chegada dos pais de Takoda e Matoskah. Eddie bebericava um copo de whisky quando bateram à porta. Todos respiraram fundo. Maurice saiu da cozinha a correr para abrir a porta.




 - Olá boa tarde! Sejam bem-vindos à casa da família Sullivan! - exclamou, com uma pequena vénia.

- Muito obrigado, minha senhora! É muito amável! - retorquiu Chayton, fazendo uma vénia a Maurice, sendo seguido pela esposa e pelo pequeno Takoda.

Eddie, Laura e Bianca levantaram-se e aproximaram-se, apresentando-se. Chayton esticou a mão para os cumprimentar e com uma vénia, deu a conhecer-se e à família:

- Senhoritas, eu chamo-me Chayton. Esta é a minha esposa, Shappa. E este é o nosso filho mais novo, Takoda.

Takoda correu para os braços de Eddie e abraçou-se a ele, começando a chorar.

- Senhor Eddie, o meu ciyé não fez mal ao Jules! Ele é um menino bom!

Eddie abraçou Takoda e ajoelhou-se. Laura e Bianca observavam a cena, enternecidas.

- Querido Takoda, o tio Eddie sabe disso! Eu sei que o teu irmão seria incapaz de fazer mal ao Jules. Eles eram os melhores amigos...

Dito isto, Eddie começou a chorar, enquanto Takoda se abraçava fortemente a ele. Os restantes emocionaram-se.

- Por favor, sentem-se. Maurice, pode fazer-nos um café forte? Acho que vamos precisar... - pediu Laura, enquanto limpava as lágrimas.

Chayton afirmou de imediato que não queria incomodar, nem dar trabalho. Shappa ofereceu-se para ajudar Maurice, mas esta recusou. Laura sorriu-lhes timidamente.

- Lamento imenso que tenhamos de conhecer-nos numa situação como esta... - retorquiu Shappa, educadamente. - Não queríamos incomodar-vos num momento tão delicado. Acredito que estarão cansados de toda a gente vos vir incomodar. Afinal, numa hora como esta, querem é estar em paz e sossego!

- Minha cara, não incomodam nada! Eu aproveito para pedir desculpas por ainda não vos ter contactado. Vocês sabem! Tudo isto...! Enfim...! Como está o Matoskah? - inquiriu Eddie, um pouco mais tranquilo.

Maurice apareceu com os cafés. Shappa queria falar, mas sentiu um nó na garganta. Eddie apercebeu-se disso e comentou, com um pequeno sorriso:

- Takoda, a Maurice preparou um bolo de chocolate delicioso! Vai com ela até ao jardim, ela dá-te umas fatias! Para acompanhar o bolo, tens um sumo de laranja bem fresquinho!

Percebendo as intenções do pai, Bianca sorriu para Takoda:

- E também podes brincar com o meu cão! Ele chama-se Joker!

Ao ouvir aquilo, Takoda animou-se imediatamente. Virou a cabeça para os pais, que sorrindo para ele, lhe acenaram com a cabeça. Feliz, ele levantou-se e seguiu atrás de Maurice, enquanto falava sem parar.

- Obrigado! O nosso Takoda é ainda pequeno para escutar certas coisas! - agradeceu Shappa.

- O Matoskah foi transferido ontem à noite do hospital. Foi enviado para uma clínica particular, cujo dono é o Senador Tieman... - respondeu Chayton, com ar sério.

- Mas afinal, o que tem o vosso filho? - inquiriu Laura.

- Não sabemos ao certo. Os médicos do hospital acharam melhor ele ser visto por clínicos especializados. Daí a transferência. O último relatório indica que ele ficará bem, talvez até mostre melhorias nos próximos dias ou próximas semanas. - explicou Shappa.

- Ainda assim, eles dizem que existe a possibilidade do Matoskah sofrer algum tipo de amnésia ou trauma. Neste momento os médicos não conseguem afirmar com plena certeza o que acontecerá.

- Eu ando há muito tempo para saber uma coisa. Vocês são muito ligados ao Senador Tieman. Como é que foi que vocês o conheceram? - perguntou Eddie, curioso.

- Eddie! - resmungou Laura.




- Não tem mal! Não tem mal, minha senhora! Eu conto...! Talvez assim... Vocês compreendam como nós sentimos verdadeiramente a perda e a dor que vocês sentem...

Chayton suspirou e contou a história de como Tatanka, o filho mais dele e Shappa, tinha morrido ao salvar Tieman e o filho deste, Lucius. Eddie, Laura e Bianca escutaram tudo atentamente, ficando chocados com o relato. Bianca abraçou Shappa. Eddie abraçou Chayton e Laura recomeçou a chorar.

- Meu Deus! Parece-me que afinal estamos todos no mesmo barco... Nunca pensei! - suspirou Eddie. - Tão pouco fazia ideia de que o Matoskah e o Takoda tinham tido um irmão... O Jules nunca falou no assunto.

- É provável que nem o Matoskah o tenha partilhado, sabe? O Tatanka morreu ainda antes do Takoda nascer. Já o Matoskah.... Ele foi o primeiro membro da nossa tribo a ver o irmão morto. Foi o Matoskah quem deu com ele....

- Aiii! Que horror! Coitado! Deve ter sido um choque e tanto! - gemeu Bianca, impressionada.

Shappa abriu a sua mala e retirou algo:

- Este era o nosso Tatanka, na última vez em que ele tirou uma fotografia.


Tatanka Chayton


- Caramba! Que rapaz bonito! - comentou Laura, impressionada.

- Awwwww! É mesmo! - respondeu Bianca.

- O vosso filho Tatanka... Ele é parecido com o Takoda e com o Matoskah! Bom trabalho, hã, Chayton? - comentou Eddie, aplicando uma palmada nas costas de Chayton. - Venha daí, vamos preparar um whisky! Bem precisamos! Você bebe, certo?

Chayton acenou com a cabeça. Bianca levantou-se e foi à cozinha buscar sumos para ela, Laura e Shappa. Entretanto, na sala, a conversa continuava, num tom mais ligeiro. Quando se sentaram novamente, Chayton comentou:

- O Matoskah teve muito apoio por parte dos nossos outros filhos, sabem?

- Espere lá.... Você não disse que tinham apenas dois filhos? Vocês afinal têm mais? Vocês têm mais filhos? - perguntou Laura, confusa.

- É assim. Nós tivemos o Tatanka e o Matoskah. Um ano depois da morte do Tatanka, nasceu o Takoda. Porém, na nossa tribo, todos somos irmãos. Os filhos de uns, são os filhos de todos! Assim, os amigos do Matoskah são como se fossem nossos filhos também. E o Jules também se tornou um filho para nós... - rematou Shappa.

- O nosso Jules até passou a andar descalço, por causa do vosso Matoskah... - comentou Eddie, em tom jocoso. - De início, eu pensei que fosse um modismo, mas ele acabou por habituar-se!

- Sabem? O vosso filho demonstrou um grande carinho, respeito e dedicação para com os nossos filhos e os nossos costumes. E esse gesto é algo que nós não esqueceremos! - rematou Chayton, com uma vénia.

Como todos ficassem em silêncio, Shappa abriu a sua mala e disse:

- Senhor Eddie, eu tenho aqui algo para si. Este não será o momento mais indicado, mas o meu chefe pediu-me para lhe entregar isto. 









Shappa entregou um envelope a Eddie, que ficou abismado! Por aquela é que ele não contava!

- Vocês...? Vocês...! Vocês trabalham para o FBI?!? - inquiriu, surpreendendo Laura e Bianca.

Shappa baixou a cabeça e olhou para todos os lados, antes de responder, em voz baixa.

- Eu peço-vos que guardem segredo sobre isso. Respondendo à sua questão, sim, eu trabalho. Fui enviada para Grace Falls com o objectivo de investigar o que se anda a passar na cidade e arredores! Afinal, com a morte do Jules, já se suicidaram 13 jovens....

- E quanto a mim, eu sou advogado, como você já sabe! Estou igualmente interessado em saber o que se passa, até porque o Senador Tieman está bastante preocupado com o assunto! - respondeu Chayton, enquanto saboreava o whisky.


[Continua...]

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Esta foi uma novela que tive um gosto bastante grande em escrever. :)

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