16 dezembro 2020

Escrito nas Entrelinhas: Parte 2 ~ Capítulo 6

 



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Capítulo 6


*4 de Junho de 2017*


Depois da manifestação em que Takoda e os seus amigos tinham aparecido a dançar e a cantar, a população de Grace Falls levou à letra o lirismo da canção. Toda a cidade ficou com a idade de que eles passavam necessidades! A população organizou-se e não tardaram a levar-lhes alimentos, brinquedos e roupa! Shappa e Chayton ficaram muito surpreendidos pela atitude. Não precisavam de nada, mas ainda assim aceitaram tudo, explicando às pessoas que iriam doar tudo o que recebessem à Reserva Indígena, pois havia muitos ameríndios que passavam fome. Ao fim de pouco tempo, eles já não tinham onde colocar tanta coisa! Depois de colocadas várias hipóteses, eles optaram por fretar um camião que transportasse tudo para a Reserva.


Quanto ao Takoda e aos amigos, estes tinham-se tornado estrelas. Por onde quer que passassem, as pessoas queriam cumprimentá-los e algumas, em particular jovens do sexo feminino, chegavam mesmo a querer trocar contactos e faziam-lhes propostas indecentes! Isto divertia imenso os jovens, que não estavam habituados àquele tipo de galanteios e partilhavam os mesmos com muita naturalidade, às refeições, em casa dos Chayton, entre muita risota. Os pais de Takoda acharam por bem que Takoda e os restantes acompanhassem o transporte das coisas até à Reserva, bem como serem eles a distribuir os bens entre a comunidade. Afinal, tinha sido graças a eles que tinham conseguido obter tanta coisa!


Com a promessa de reverem Matoskah quando regressassem, Takoda e os restantes acabaram por aceitar a missão. Assim, algumas horas mais tarde, ele e os amigos seguiram para a Reserva, entre muitos aplausos, à medida que o camião atravessava a cidade de Grace Falls.


- Finalmente! Vamos ter um pouco de paz! - comentou Shappa.


- Este ambiente era insustentável para o Matoskah. Fizemos bem… Pelo menos assim, ele poderá descansar um pouco antes do funeral do Jules, não é? - questionou Chayton, colocando o braço por cima dos ombros de Shappa.


- De acordo com o doutor Michael, ele regressa a casa depois de amanhã. Precisamos de ter muita paciência com ele, querido. A forma como ele vai reagir a tudo isto, neste momento, é imprevisível. - suspirou Shappa.


- Eu sei que sim. Mas também acredito que seja melhor ele estar presente no funeral do Jules. Conforme a reacção dele, depois encaminhamo-lo para a Reserva ou até mesmo para a nossa aldeia natal… - afirmou Chayton com voz serena, mas determinada.


- É, concordo contigo. Vamos preparar tudo para o receber, então? Quero que o nosso filho se sinta o mais confortável possível… - rematou Shappa, dando um beijo ao marido.


*6 de Junho de 2017*


A tarde estava a chegar ao fim quando uma ambulância parou em frente da casa dos Chayton. Vários médicos e enfermeiros saíram e retiraram uma maca, onde estava Matoskah, ainda adormecido. Shappa, que os aguardava com impaciência, abriu a porta e explicou onde era o quarto do filho. Alguns vizinhos começaram a aparecer na rua, depois de espreitarem pelas janelas o que se estava a passar.


*7 de Junho de 2017*


O dia amanhecera radiante. Takoda e os seus amigos tinham viajado durante a noite, depois de descobrirem que Matoskah já se encontrava em casa. Quando chegaram, perceberam que Chayton e Shappa não estavam em casa. Eles tinham deixado um bilhete escrito em cima da mesa de jantar. Nesse bilhete, eles avisavam de que tinham ido ao mercado comprar frutas e que Matoskah ainda não tinha acordado. Caso Takoda e os restantes chegassem e eles ainda não estivessem em casa, deviam fazer pouco barulho e tomar o pequeno-almoço, aguardando que Matoskah acordasse. Ele tinha sido bastante sedado e poderia reagir mal, caso o acordassem inesperadamente. Takoda, porém, não resistiu. Enquanto os amigos preparavam o café da manhã, ele foi a correr ao andar de cima e entrou no quarto do irmão. Este dormia serenamente. Ele despiu-se e deitou-se ao lado do irmão, feliz. Instantes depois, Matoskah acordou, sobressaltado.




- Hey! Quem és tu?! - perguntou, empurrando Takoda para fora da cama.

 

- Matoskah?! - perguntou Takoda, admirado pela reacção.

 

- Quem és tu, miúdo? Como vieste parar aqui, à minha cama? Onde está o meu ciyé8 , o grande Tatanka22? - resmungou Matoskah, com ar zangado.


- Tatanka? - perguntou Takoda, confuso. - O Tatanka morreu, não foi? Ainda antes de eu nascer… - Eu sou o teu misún17, Takoda… Não te lembras de mim, ciyé?

 

Matoskah levantou-se num ápice, ainda mais zangado!

 

- Tatanka o quê? Tu estás a mentir-me, miúdo! Isso não se faz! Quero ver o meu ciyé, Tatanka! Vai buscá-lo! - gritou, enquanto abanava Takoda com violência.

 

Não tardou muito para que Takoda começasse a chorar. Assustado por ver o irmão agir assim, Takoda fez xixi pelas pernas abaixo. Ao olhar para Takoda a reagir daquela forma, um raio rebentou na cabeça de Matoskah, fazendo com que este fechasse os olhos e tivesse uma visão.


*12 de Novembro de 2016*

 

Matoskah estava ali, deitado naquela mesma cama, na companhia de outro rapaz, cujo nome ele não se recordava. Pareciam estar bem-dispostos e felizes.

 

- “Estás confortável? Queres mais alguma almofada?” - perguntou Matoskah.

 

- “Eu estou bem assim, obrigado!” - respondeu o rapaz, com um sorriso.

 

- “Ainda bem. Fico contente! Que dia que tivemos, hein? Espero que o Takoda esteja bem…” - suspirou Matoskah.

 

- “Ele vai ficar! Acredita em mim! Ele gosta muito de ti, Matoskah! Adora-te!” - comentou o rapaz.

 

- “E eu a ele. Ele é o meu lindo misún, o meu aŋpétu wí18” - respondeu Matoskah, com um sorriso ternurento.

 

- “Awwwww! Vocês são tão fofos! Eu derreto-me todo quando vos vejo juntos…” - suspirou o rapaz que estava deitado ao lado dele.

 

Passado algum tempo, bateram à porta. Matoskah levantou-se, nem se preocupando em vestir algo para proteger a sua intimidade. O rapaz que estava com ele ficou a olhar para o seu corpo nu, embasbacado! Matoskah riu-se divertido, com a cara que o rapaz estava a fazer. Ele aproximou-se da porta e abriu só uma fresta. Quem estava à porta era o tal miúdo, que pelos vistos se chamava Takoda e estava a chorar.

 

- “Então, misún? O que aconteceu?” - perguntou Matoskah, abrindo a porta de imediato.

 

- “Matoskah!” - exclamou Takoda, que se aproximou do irmão e o abraçou. - “Eu tive um pesadelo com aquele menino de hoje à tarde! Ele apareceu e disse coisas… Coisas horríveis! E eu fiquei com tanto medo…! Eu…

 

O pequeno começou a soluçar, ao aperceber-se da presença do rapaz de cabelos ruivos. Matoskah deu-lhe um beijo e sussurrou, com carinho:

 

- “Hoje queres dormir com o mano? Eu vou tratar daquilo, para os papás não saberem de nada! Deita-te ao lado do Jules, está bem? Eu volto num instante, está bem? Tomas conta dele, Jules?

 

Matoskah foi até ao quarto do irmão. A roupa de cama tinha uma grande mancha de xixi. Rindo-se para si mesmo, ele retirou tudo, colocou a roupa a lavar e regressou ao quarto de Takoda, onde colocou roupa limpa na cama.

 

Quando acabou, ele voltou em bicos de pés para o seu próprio quarto. Não queria que os seus pais acordassem. Ao chegar ao quarto, deu com Takoda e o tal rapaz chamado Jules a sorrirem, só com a cabeça de fora do edredão.

 

- Já arrumei tudo e pus a roupa para lavar, Takoda… Os pais não se aperceberam de nada! Vocês estão bem? Espero que o Takoda não te tenha dado trabalho! - comentou, entrando na cama e acomodando-se junto do irmão e do rapaz chamado Jules.

 

- “Trabalho nenhum!” - respondeu Jules, com um sorriso.

 

- “Hummmm, a cama está quentinha! Ainda bem! Já começava a ficar com frio… A nossa casa consegue ser bem fria, às vezes…” - desabafou Matoskah, arrepiando-se de frio.

 

- “Eu aqueço-te!” - exclamou Takoda, abraçando-se a ele.

 

Matoskah suspirou feliz, ao ver Takoda acomodar-se no seu peito. O pequeno não tardou a adormecer.

 

- “Ele já está a dormir? Que aconteceu para tu saíres do quarto?” - perguntou Jules.

 

Matoskah olhou para o irmão, certificando-se que este estava a dormir. Takoda dormia tranquilo. Ele adorava dormir na cama do irmão mais velho.

 

- “O Takoda fez xixi na cama. Ele já não fazia isso há bastante tempo, mas recomeçou pouco depois de virmos para Grace Falls. Ele fica muito envergonhado quando isso acontece. Tem medo que o nosso pai lhe ralhe como quando ele era pequeno…

 

- “É compreensível…

 

- “O meu irmão tem sonhos muito especiais. Aliás, o Takoda é um menino bem especial. Ele consegue comunicar com facilidade com os nagi tanka9 e estes com ele. Sabes? É muito provável que um dia o Takoda se torne um wicasa wacan11.

 

A visão terminou ali.


No primeiro momento, sentiu que tinha vivido aqueles momentos noutra vida! No entanto, tudo parecia tão real! Aquilo era mesmo real! Ao ver Takoda a chorar, assustado e molhado, Matoskah correu para ele.

 




- Takoda… Desculpa-me, misún! Eu…! Eu estou confuso…! Eu não sei o que se passa…! Perdoa-me! - suspirou, abraçando Takoda com força, chorando com ele.

- Ouvimos barulho… Está tudo bem? - perguntaram Chayton e Shappa, que tinham chegado a casa e ao escutarem os gritos de Takoda, galgaram as escadas a correr, assustados com o que poderia estar a acontecer.

- Mãe! Pai! - gritou Matoskah, abraçando os pais. 

- Filho! - gemeram os dois, mal contendo a alegria e o choro.

Com a algazarra, não tardou para que Cetan Nagin12, Maȟpiya Lúta13, Siha Sápa14 e Wakinyan15 viessem ter ao quarto. Emocionados, todos correram para os braços de Matoskah, que rapidamente os reconheceu.

- Amados ciyé! Como é bom rever-vos! Estou tão feliz! - exclamou Matoskah.

Passada a euforia inicial, todos começaram a falar ao mesmo tempo! Shappa insistiu para que fossem tomar o café da manhã, já que ela e o marido tinham comprado algumas das frutas preferidas de Matoskah. Este lá acabou por aceitar, embora tivesse uma pergunta a queimar-lhe os lábios:

Quem era aquele rapaz chamado Jules que lhe tinha aparecido na visão?


*10 de Junho de 2017*


O dia do funeral de Jules chegou, por fim! 





*10 de Junho de 2017*

 

O dia do funeral de Jules chegou, por fim!

 

O dia estava triste, nublado e ameaçava chover a qualquer instante. O tempo parecia partilhar o sentimento que movia a população de Grace Falls, que comparecera em peso na igreja local, a fim de prestar uma última homenagem a Jules.

 

Na verdade, muitos populares tinham ido movidos pela curiosidade, pela pompa e circunstância da cerimónia. Jules iria ter um funeral digno de uma figura importante da nação. Dezenas de cavaleiros fardados marchavam a trote dos seus cavalos, levando o caixão de Jules envolto numa bandeira norte-americana.

 

O Senador Tieman e a sua família seguiam no cortejo fúnebre, juntos com a família Sullivan, enquanto acenavam à população. Os habitantes de Grace Falls batiam palmas e lançavam flores à medida que o cortejo atravessava a cidade. No final do cortejo, todas as pessoas seguiram para dentro da igreja, onde iria decorrer a cerimónia.

 

Para espanto de todos, pouco tempo depois, um novo grupo de indivíduos surgiu, montados a cavalo. Eram os indígenas da aldeia de Matoskah e companhia. À frente deles, vinha o Chefe actual da tribo, Heȟáka Sápa10, acompanhado de Chefes de outras tribos aliadas que faziam questão de estar presentes na cerimónia.

 

A população de Grace Falls começou a cochichar entre si, quando eles pararam em frente da igreja, colocando os cavalos a alimentarem-se com algo que eles traziam em bolsas. Os indígenas entraram na igreja, ajoelharam-se e alguns deles seguiram até junto da família Sullivan. O Chefe Heȟáka Sápa retirou um cocar19 que trazia num saco e entregou-o a Matoskah, para que este fosse colocá-lo sobre o caixão de Jules. 


Desde que tinha acordado, Matoskah ainda não se recordava de muita coisa. Aos poucos, ia-se recordando de Jules, mas ainda não se recordava do que acontecera para estar agora ali, no funeral deste. Matoskah sentia uma forte dor no peito. Os médicos tinham garantido a Shappa e Chayton que era natural o que andava a acontecer e que Matoskah recuperaria completamente ao fim de algum tempo. O Chefe Heȟáka Sápa fez uma vénia aos familiares de Jules e declarou:

 

- Amados irmãos wasichu3! O vosso amado filho Jules, conhecido por nós como Sunka20, passou a prova2 que o tornou um wicasa5! Para a nossa tribo, o Jules Sunka era um takuye1, apesar de ser um wasichu! Toda a nossa comunidade chora e sofre com este terrível acontecimento! Que o nosso bem-amado irmão Sunka consiga seguir em paz, rumo à Boa Estrada Vermelha, onde reside o Grande Búfalo Sagrado! Que ele olhe por nós! Mitakuye Oyasin16!

 

- Mitakuye Oyasin! - responderam os restantes indígenas em coro, fazendo uma vénia ao caixão de Jules e levando a mão esquerda ao peito.

 

Eddie, Laura e Bianca agradeceram, emocionados. Toda a população sussurrava entre si, alguns em tom jocoso. O Senador Tieman aproximou-se e com reverência, exclamou:

 

- Ó meu bom e velho amigo, Chefe Heȟáka Sápa! É um gosto para mim, revê-lo! Lamentável… É que seja nestas circunstâncias… - corrigiu, olhando rapidamente para Eddie.

 

O Chefe Indígena sorriu para Tieman e ainda falaram alguns segundos, para espanto da maioria da população de Grace Falls.

 

Father Simon observava a cena com relativo interesse. Ele certificava-se que tudo estava em ordem, já que a televisão estava ali presente, para filmar a cerimónia. Matoskah depositou o cocar em cima do caixão de Jules. Ao fazê-lo, teve uma nova visão.




*3 de Dezembro de 2017*

 

Matoskah estava perto de uma linda cascata. Os seus amigos estavam nus, tal como ele e bem animados, enquanto se sentavam muito divertidos à volta de uma fogueira, para se aquecerem. Ele dirigiu-se a uma tenda, onde foi buscar comida e bebida para todos!

 

Sentia-se eufórico!

 

Matoskah puxou Jules para a beira dos seus amigos e apresentou-o:

 

- “Amados ciyé, hoje é um dia muito feliz para a nossa tribo! Além de eu ter passado nas provas que prepararam para mim, o meu colega e amigo Jules passou na prova que o torna um dos nossos! Saudemos o nosso novo ciyé! Temos de pensar num nome para ele! Mas, antes disso, brindemos!

 

- “Assim é que se fala, Matoskah! Taŋyáŋ yahí21, misún Jules!” - gritou um dos amigos, sendo seguido pelos restantes.

 

Lágrimas rolavam pelo rosto de Matoskah. As visões sucediam-se.

 

*4 de Dezembro de 2017*

 

- “E ontem? Foi bom? Gostaste?” - perguntou Jules, com carinho, enquanto acariciava o rosto de Matoskah.

 

Matoskah aproximou-se de Jules e beijou-o.

 

- “Poder deixar dentro de ti a minha essência… Foi bom, sim!

 

Matoskah levou as mãos à boca. Queria dar um berro. Antes que o pudesse fazer, uma nova visão turvou-lhe os pensamentos.


*21 de Maio de 2018*
 

Jules cantava algo, com olhar perdido, enquanto com uma mão espalhava algo sobre os objectos do quarto que ele e Matoskah tinham criado e com a outra cortava uma e outra vez os pulsos, que jorravam sangue intensamente!
 
- “Ó Jules! O que estás a fazer?” - gritou desesperado, aproximando-se de Jules.

- “Não te aproximes mais, Matoskah!” - vociferou Jules. - “Eu não quero conspurcar-te com o meu pecado! Tu não mereces isso!

- “Mas…! Tu estás doido! Jules!

Jules verteu um enorme galão sobre si. Um forte odor a gasolina espalhou-se de imediato pelo espaço.
 
- “O que estás a fazer? Jules!” - gritou Matoskah.
 
Jules sorriu. Mas era um sorriso triste.
 
- Matoskah…! Não imaginas como fico feliz que me tenhas encontrado…! Mas… É tarde demais…!
  
Os gritos de Matoskah desvaneceram-se. Horrorizado, ele viu Jules a acender e a atirar um isqueiro para o chão à sua frente! A chama percorreu de imediato todo o local! O fogo começou a destruir tudo o que Jules e Matoskah tinham levado para ali!
 
- “A morte do EU… Esta sim… É a liberdade absoluta! Obrigado, meu amor! Obrigado por todos os belos momentos que passamos juntos!
 
De repente, o fogo deu uma reviravolta e Jules entrou em combustão instantânea!





- “Perdoa-me, Matoskah! Nada temo, porque a Mão Divina me irá acolher! Nada temo, porque…”  - gritou Jules, atirando-se pela janela de um terceiro andar!

- “Jules! Nããããããooooo!” - gritaram o Matoskah da visão e o Matoskah que estava em frente do caixão, totalmente horrorizados!

Finalmente, Matoskah lembrava-se de tudo! 

Perante aquele grito, toda a gente se assustou, pensando que o rapaz estava a ter um surto psicótico. Matoskah chorava e gritava, desesperado! Os amigos de Matoskah correram para junto dele e tentaram acalmá-lo! 

Muitas pessoas, perante o choro dele, choravam também. Outras murmuravam, maldosamente, que o rapaz estava a fazer teatro para que tivessem pena dele. No entanto, via-se perfeitamente que o rapaz estava a sofrer muito! Eddie Sullivan aproximou-se dele a chorar e virando-se para a população em peso, berrou, zangado:

- Muitos de vocês só estão aqui por cerimónia, para aparecerem com essas caras mal lavadas na televisão! Já estas pessoas, que vocês menosprezam, sentem a dor, a verdadeira dor pelo meu filho ter morrido! Tenham vergonha! Respeitem a dor alheia! Muitos de vocês têm filhos da idade do meu Jules! Estão, por isso, sujeitos a passar por este pesadelo também!

Matoskah queria abraçar Takoda, mas este ficara em casa, após muita insistência dos pais e dele próprio. Receavam que ele ficasse traumatizado. Assim, quando Eddie se aproximou, Matoskah abraçou-se a ele e chorou imenso! Os amigos de Matoskah também se abraçaram a eles. Father Simon emocionou-se com aquilo e comentou:

- Bonitos são os caminhos do Senhor, nosso Deus! Só Ele para trazer algo de bom perante uma tragédia como esta…! Peçamos perdão ao Senhor, meus irmãos, porque somos todos pecadores!

Toda a população ficou surpreendida perante as palavras de Father Simon. Muitos fecharam os olhos, enquanto rezavam e pediam perdão. 

De repente, escutou-se um trovão ao longe.



Aparece um misterioso guerreiro! Quem será ele?!?


Um homem surgiu à soleira da porta, momentos depois. Era um guerreiro indígena e trazia Takoda consigo, montado a cavalo. Os Chefes Indígenas abriram a boca, muito espantados. Expressaram a sua admiração ao falarem entre si, no seu dialecto. Os restantes indígenas aproximaram-se do guerreiro e de Takoda. Este saltou do cavalo, tendo o misterioso homem feito o mesmo. O guerreiro indígena colocou o cavalo junto aos outros cavalos e entrou na igreja, ficando encostado à porta. Todos os indígenas o observavam com espanto e respeito. As restantes pessoas viraram-se para trás, para o ver melhor.

O homem estava em tronco nu. Era um homem muito alto, com um corpo de fazer inveja a qualquer mortal. O seu cabelo era comprido, em tons musgosos e estava preso no alto da sua cabeça. Já os seus olhos eram uma mistura de tons entre o cinzento e azul-glacial. Com ar sereno, o misterioso guerreiro sorriu para Takoda, que lhe retribuiu o sorriso.

Os amigos de Matoskah e Takoda aproximaram-se deste e do misterioso homem. Takoda e os amigos deram as mãos, enquanto o homem colocava a sua mão esquerda sobre o ombro de Takoda. Este começou a cantar:




[Takoda]

Sabes? Os meninos,
São anjos sem asas!
Que o Céu nos envia,
Para sermos melhores!
 
São eles quem nos mostra,
Qual é o caminho!
Onde está a beleza,
Do nosso destino!

Quando um menino ri,
O sol aparece!
Tudo fica bonito,
O Mundo floresce!
 
A vida continua!
Encontramos o caminho!
E aí, nós percebemos
Que ainda estamos vivos!
 

- Meu Deus! O Senhor enviou-nos um Anjo! Perdoa-nos Senhor, que somos pecadores! - exclamou Father Simon, enquanto chorava copiosamente, ajoelhando-se e dando as mãos aos seus acólitos.
 
Todas as pessoas presentes na igreja, com a excepção de Matoskah - que ficou embasbacado a ver o irmão e os seus amigos a cantar - deram as mãos e ajoelharam-se a chorar, emocionadas! Um raio de sete cores desceu dos céus e envolveu o misterioso indígena e o pequeno Takoda! Este virou-se para o homem misterioso e sorriu para ele, desafiando-o a cantar consigo:
 

[Takoda e ???]
 
Os meninos não morrem!
 

[Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan]
 
Os meninos não morrem!

 
[Takoda e ???]
 
Nós partimos para o Céu!
 

[Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan]
 
Nós partimos para o Céu!
 

[Takoda e ???]
 
Mas permanecemos na alma de quem nos ama!
Abre as tuas asas
E voaremos juntos!
 

[Takoda e ???]

Os meninos não morrem!
 
[Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan]

Os meninos não morrem!
 
[Takoda e ???]

Eles deixam-nos por um tempo!
 
[Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan]

Eles deixam-nos por um tempo!
 
[Takoda e ???]
 
Enquanto reúnem estrelas,
E nascem de novo,
Junto de quem os ama!
 
[Takoda]
 
Nos dias de hoje,
Os meninos, por esse Mundo fora...
Sofrem por ter Fome,
Sofrem por ter Frio,
Sofrem por ter Medo,
Por não poderem dormir debaixo de um tecto aconchegante…
 
A Terra chora!
O Céu chora!
Eles choram de todas as vezes que um menino
Chora em silêncio!





A dada altura, borboletas e pétalas de flores caíam do céu, envoltas no raio arco-íris, que nesta altura já iluminava Takoda, os amigos que cantavam com ele e o homem misterioso! As pétalas desvaneciam-se ao tocar no solo, como se fossem flocos de neve!


As borboletas seguiam para junto de todas as famílias ali presentes que tinham perdido jovens, vítimas de suicídio, nos últimos dois anos! Ao tocarem nelas, as borboletas voavam para junto de Takoda e do misterioso indígena, cujo corpo irradiava uma forte luz dourada!

 

[Takoda e ???]
 
Os meninos não morrem!

 
[Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan]
 
Os meninos não morrem!

 
[Takoda e ???]
 
Nós partimos para o Céu!

 
[Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan]
 
Nós partimos para o Céu!
 

[Takoda e ???]
 
Mas permanecemos na alma de quem nos ama!
Abre as tuas asas
E voaremos juntos!


[Takoda e ???]
 
Os meninos não morrem!

 
[Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan]
 
Os meninos não morrem!


[Takoda e ???]

Eles deixam-nos por um tempo!

 
[Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan]

Eles deixam-nos por um tempo!
 

[Takoda e ???]
 
Enquanto reúnem estrelas,
E nascem de novo,
Junto de quem os ama!


[Takoda e ???]
 
Os meninos não morrem!

 
[Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan]
 
Os meninos não morrem!


[Takoda e ???]

Eles deixam-nos por um tempo!

 
[Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan]

Eles deixam-nos por um tempo!

 
[Takoda e ???]
 
Permanecemos na alma de quem nos ama!
Abre as tuas asas
E voaremos juntos!

 
[Takoda]
 
Querido Jules!

 
[Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan]
 
Querido Jules!

 
[Takoda]
 
Meu amado ciyé!

 
[Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan]
 
Meu amado ciyé!
 

[Takoda]
 
Não me deixes, nunca!
Fica comigo!
Porque eu preciso de ti!


Matoskah não conseguiu controlar mais as suas emoções! 


Chorou e uivou, ajoelhando-se perante aquele cenário! Por fim, a dor que sentia, libertava-se do coração dele! Durante alguns segundos, ele podia jurar que tinha visto Tatanka22, Jules23, Daniel23 e Kris23 a dançarem felizes, envergando lindos fatos de cerimónia! Eles dançavam ali mesmo, à frente dele!


 
[Cetan Nagin, Maȟpiya Lúta, Siha Sápa, Wakinyan]
 
Os meninos não morrem!
Nós partimos para o Céu!
 

[Takoda]
 
Os meninos não morrem…

 

Quando Takoda acabou de cantar, o raio de luz desvaneceu-se. O misterioso guerreiro virou costas e desapareceu. O céu, que se tinha mantido limpo e solarengo durante alguns minutos, voltou a ficar taciturno. Toda gente chorava e batia palmas, emocionada!

 

- Takoda! - gritou Matoskah, ao ver o seu amado misún a revirar os olhos e a cair para o lado, inconsciente!

 

Notas do Autor:
 
Embora já tenha publicado algumas destas notas, vou repostar todas as que aparecem neste capítulo, para tornar mais fácil a leitura da história para quem não tem acompanhado a mesma desde o princípio, no volume anterior.
 
Junto a estas notas, adicionei outras, para os leitores irem acompanhando e aprendendo um pouco mais sobre a linguagem e cultura indígena. Todas as notas estão distribuídas pela ordem em que surgem neste capítulo e não pela ordem numérica.


8 - Irmão mais velho, quando é um rapaz a dizer;
22 - “Escrito nas Entrelinhas: Parte 2”;
17 - Irmão mais novo, quando é um rapaz a dizer; 
18 - Sol;
9 - Grandes Espíritos;
11 - Curandeiro. Matoskah aqui quer dizer que Takoda se tornará um Shaman e será o braço direito do líder da tribo que Matoskah um dia criará;
12 - Falcão das Sombras;
13 - Nuvem Vermelha;
14 - Pé Preto;
15 - Pássaro do Trovão;
10 - Alce Negro;
19 - O Cocar é um adorno usado por muitas tribos indígenas americanas na cabeça. Pode servir simplesmente como ornamento, embora na maioria das vezes seja uma representação do status que cada um possui dentro da tribo. Geralmente, os cocares são confeccionados com penas, presas a uma tira de couro;
3 - Homem-branco;
20 - Cão. Além de ser o nome que Matoskah e os amigos decidiram para Jules, representando a Amizade e a Lealdade, também se refere a acontecimentos que ocorreram em “Escrito nas Entrelinhas: Parte 1”;
2 - Acontecimentos que ocorreram em “Escrito nas Entrelinhas: Parte 1”;
5 - Homem. Nesta história, os guerreiros indígenas tornam-se maiores de idade aos 17 anos. No entanto, para serem considerados “wicasa” aos olhos dos restantes membros da tribo, eles submetem-se a uma prova ou a um conjunto de provas, geralmente provas físicas, que exploram as suas aptidões naturais e talentos;
1 - Familiar;
16 - Expressão indígena que significa “Estamos todos interligados!” No texto, eu traduzi como “Somos todos Um!”;
21 - Bem-Vindo;
23 -
Escrito nas Entrelinhas: Parte 1”;


[Continua...]

2 comentários:

  1. Mais uma parte do conto que nos prende ao sofá

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    1. Gostei muito deste momento também. :)

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