11 setembro 2020

11 de Setembro ~ 22 anos depois

22 anos atrás, nesta data, eu estava a conhecer, aí pelas 15:30 da tarde, uma das pessoas que mais me marcou na vida.

Naquele tempo eu era explicador de um dos primos dele. Encotnrava-me na casa do primo, precisamente para dar mais uma sessão de explicações. E eis que de repente, entra um miúdo de 9 anos a correr pelas escadas e fica surpreso ao ver-me. Eu levanto a cabeça para ver quem era e também eu me deparo, surpreso.

Não sei explicar muito bem o que aconteceu naquele instante. O rapazito sorriu para mim, timidamente. Eu sorri para ele também e o primo disse-lhe:

- "Este é o João, o meu explicador. João, este é o Nuno, o meu primo."

Eu na altura estava com 17 anos.. O divórcio dos meus pais já tinha ocorrido, o regresso e ruptura da tentativa que se lhe seguiram, também. Eu já não via o meu irmão há algum tempo, fruto das circunstâncias abruptas com que terminara a tentavia de reconciliação. O meeu irmão tinha sensivelmente a mesma idade que o Nuno.

- "Então chamas-te Nuno?" - perguntei eu. - "É engraçado, porque eu tenho um irmão mais novo, da tua idade, que se chama Nuno, também!" - exclamei.

- "A sério? que fixe!" - congratulou-se o miúdo. - "Queres saber a melhor? Sempre sonhei em ter um irmão mais velho chamado João!" 

Bom, aquelas palavras foram ditas com um sorriso tão genuíno e tão feliz que senti-as como reais. Sem hesitar, disse-lhe com ternura:

- "Sendo assim, então a partir de agora tens um irmão mais velho!"

O miúdo ficou a olhar para mim com um ar bastante feliz e abraçou-me, emocionado. Fiquei perplexo ao aperceber-me de que ele ao abraçar-me, começara a chorar.

- Que se passa? Foi alguma coisa que eu disse? - perguntei, confuso.

- Não, nada disso! só estou muito feliz! - exclamou ele. - Sempre quis ter um irmão mais velho! Tenho uma irmã mais nova que é muito chata, sabes?

Entre risos, lá fui alternado a conversa com o miúdo e com o primo dele, visto que eu estava ali para ajudar o primo. Acabada a sessão, ambos foram ter com as mães a contar as novidades. E assim nasceu uma bela amizade.

 A nossa diferença de idades causava alguma estranheza a algumas pessoas, que não percebiam o que um rapaz e outro rapaz mais velho podiam ter em comum. Na verdade, ele tornou-se o meu irmão de coração, já que o meu irmão estava em parte incerta. Assim, eu e ele brincávamos muito, eu tornei-me explicador dele e até mais do que um irmão.

Tornei-me um pai, um cuidador.

Com ele vivi alguns dos momentos mais maravilhosos da minha vida. 

Com o passar dos anos, dei por mim a nutrir sentimentos muito nobres pelo rapazito que, aos poucos, se ia tornando um homem. Já depois dele atingir a maturidade, eu fiquei muito apaixonado. Sentia vontade de expressar e de lhe dizer o quanto o amava e o queria só para mim. No entanto, cedo me apercebi que ele gostava de raparigas e sempre o felicitei pelas suas conquistas amorosas. Afinal, eu acreditava que a maior e mais sublime forma de amor e de amar era ficar feliz por ele, mesmo que eu ficasse sozinho.



Bons tempos, estes. Todos éramos felizes, cada um à sua maneira...
Esta é uma das minhas fotos preferidas...


Nós tínhamos por hábito trocar uma lembrança todos os anos, no dia 11 de Setembro. Era uma forma de celebrar uma amizade especial que passou por muita coisa, muita coisa mesmo. Se eu me tornei aquilo que sou hoje e o Nuno se tornou aquilo que é hoje, à nossa amizade o devemos. Tenho a certeza de que ambos teríamos seguido caminhos bem diferentes se não nos tivéssemos encontrado naquela fatídica tarde nublosa...

Anos mais tarde, depois do Nuno ter partido numa jornada para a Hungria, por fim os meus sentimentos por ele cessaram. Foram 8 anos apaixonado por um rapaz e a viver no medo constante de ser renegado, rejeitado, sem aproveitar a vida, sem viver para mais ninguém, talvez porque eu ainda fosse muito naïve e imaginasse que o Mundo era o amor e uma cabana. 

Como estava enganado! [risos] 

Tempos houve em que me odiei por amá-lo e não conseguir deixar de gostar dele. Cheguei inclusive a mutilar-me e a tentar o suicídio. Não necessariamente por causa dele, mas por causa de não aceitar essa infelicidade para mim. Naqueles tempos, eu não conseguia aceitar que gostava de homens, que era diferente dos outros rapazes da minha idade. 

Doía-me muito ser assim.

A verdade é que tudo acabou por mudar com a morte do meu irmão, há 6 anos atrás.

Foi um grande choque para todos nós. 

Cada um de nós sentiu a dor e fez o luto à sua maneira. 

O meu irmão e o Nuno tornaram-se grandes amigos depois de se conhecerem e eu estava feliz em ter dois Nunos na minha vida. Nessa fase, eu já conseguira ultrapassar os meus medos, já me aceitava mais e melhor e inclusivé, já havia namorado e sido muito, mas mesmo muito feliz, com outros rapazes.

Depois do meu irmão morrer, eu senti que tinha de me libertar daquele fardo que me acompanhara durante uma considerável parte da minha vida. Assim, numa noite, depois de bebermos uns copos, tive uma grande conversa com o meu amigo e contei-lhe tudo. Contei-lhe que era gay, que estivera apaixonado por ele, que nunca lhe dissera nada porque tivera medo de perder a sua amizade e isso para mim era mais importante do que um amor platónico.

Ele reagiu mais ou menos a tudo o que lhe disse. 

Certamente que na sua cabeça começou a rever atitudes minhas e a perceber que aqui e ali eu já dera sinais de que era gay, de que estivera apaixonado por ele, e por aí adiante. Na verdade, durante muito tempo eu tentei relacionar-me e ainda tive algumas namoradas, pelo que ele nem o meu grupo de amigos mais próximo [seriam mesmo assim tão próximos?!?], desconfiavam que eu era gay. 

Nesta altura, eu já estava bem comigo mesmo. 

Estava disposto a correr o risco de perder a sua amizade. 

Afinal, com a morte do meu irmão, todos ficamos muito abalados e eu acabei por me afastar de tudo e de todos. Mas a morte do meu irmão fez-me reavaliar a minha vida. Fez-me perceber que tinha investido demasiado tempo, amor, dedicação, afecto, em algo que nunca se tornaria real. Seria sempre algo na base da fantasia, do fraternal, da "brotheragem". 

Eu merecia ser feliz, junto de pessoas que me aceitassem como eu era de verdade. Não estava disposto a perder mais tempo, nem tão-pouco a desperdiçar a minha vida na companhia de pessoas que não respeitassem os meus gostos, gostos esses que eram diferentes dos amigos com quem compartilhei boa parte da minha vida.

E foi assim que, aos poucos, as coisas começaram a mudar.

Deixamos de estar juntos tantas vezes. A vida encarregou-se de nos afastar, cada um entregue aos seus trabalhos e vidas pessoais. Ainda assim, quando estávamos juntos, eu e o Nuno, sentíamos aquela cumplicidade bonita de uma amizade da vida inteira a vir ao de cima.

A última vez que estive com ele foi nas vésperas do final de ano do ano passado. Ele convidou-me para jantar, embora eu tenha interpretado mal o convite - pensei que ele queria vir cá a casa jantar e que iríamos cozinhar juntos, coisa que fazíamos desde a morte do meu irmão com relativa frequência. Era uma forma de convivermos, bebermos umas taças de vinho, colocarmos a conversa em dia, fumarmos umas ganzas... Bons momentos.

No entanto, como disse acima, o convite foi mal interpretado. Ele de facto convidou-me para jantar, mas queria jantar com mais amigos. Na altura, eu ainda estava casado - ele sabia de tudo - e levei o meu ex-marido comigo. Pelos vistos, isso foi algo bem constrangedor, apesar de nós sermos bem discretos. Ele e os amigos dele fizeram questão de nos ignorar quase 100% do tempo. Isso fez-me sentir pessimamente. Percebi que aquele miúdo que eu conheci, que eu ajudei a criar, que eu amara como nunca havia amado um homem antes, se tinha tornado um homem trintão interessante, rico de conteúdo e com alguma cultura, mas que desenvolvera, com o passar do tempo, uma grande falha - a falta de sensibilidade e de respeito para com aquele que outrora, fora o seu irmão de sonho.

Desde então, nunca mais nos falamos. 

Ainda assim, não estou zangado com ele. 

Fiquei triste e desiludido, mas sei que todos erramos. Não sou ninguém para o julgar. Mas eu gostava que púdessemos voltar a ser bons amigos, gostava de poder compartilhar com ele as minhas alegrias, tristezas e desabafos, como sempre o fiz. 

Ele e eu já nos cruzámos na rua. Houve aquele aceno de cabeça e um sorriso rápido - já que quando nos cruzámos, ele passa por mim de carro - mas a alegria de o ver é tão rápida quanto a velocidade a que ele passa por mim. 

Dura menos de um momento. 

Como eu gostaria que o tempo pudesse voltar para trás... 

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