23 junho 2020

Escrito nas Entrelinhas: Parte 1 ~ Capítulo 2


Capítulo 2



*12 de Outubro de 2016*

- Coloco o jantar na mesa, senhor Sullivan?

Eddie Sullivan era um homem dos seus cinquenta e muitos anos. Ele era de estatura média, bem constituído. Tinha cabelos cor de palha e olhos esverdeados. Gestor de uma empresa que fornecia material tecnológico para todo o país, Eddie era uma das pessoas mais influentes da cidade de Grace Falls.



Edward Sullivan, conhecido por Eddie Sullivan, é o gestor de uma empresa tecnológica chamada GraceTech!


- Pode colocar sim, Maurice. Já liguei para o meu filho uma data de vezes, mas o telemóvel dele está desligado. Espero que ele apareça depressa! - respondeu o senhor Sullivan, com brusquidão.


Maurice é a governanta da família Sullivan.


Maurice fez-lhe uma vénia e deslocou-se à cozinha para trazer o jantar. Ela era uma senhora de meia-idade, que tinha vindo trabalhar para a família Sullivan ainda Jules não era nascido. Ela era de média estatura e tinha muitos cabelos grisalhos por entre os seus longos cabelos pretos, amarrados num carrapito no alto da cabeça. Boa pessoa e muito trabalhadora, toda a família Sullivan gostava muito dela. Depois de colocar o ensopado de borrego na mesa, o senhor Sullivan declarou:

- Por hoje é tudo, Maurice! Pode deixar que eu mando o meu filho arrumar a mesa depois, como castigo por não estar em casa a horas para jantar. Pode ir!

- Tem a certeza, senhor?

A porta de entrada abriu-se. Jules entrou com ar melindrado, ao aperceber-se de que o pai já se encontrava em casa. Pousou a mochila no hall de entrada e foi ter com o pai à sala de jantar.

- Jules, tu já viste que horas são? São quase nove da noite! - resmungou o pai, enquanto Jules lhe dava um beijo e este retribuía.

- Desculpa pai, estive com a Michelle… - desculpou-se Jules, com ar atrapalhado.

- Vá, vai lá lavar as mãos e anda para a mesa. Falamos depois!

Jules despediu-se de Maurice, que lhe fez uma festa nos cabelos. Ela pegou nas suas coisas e foi-se embora para casa. Jules foi à casa de banho e passados alguns minutos, sentou-se à mesa junto do pai. Este tinha ligado a televisão pois o noticiário estava prestes a começar. Duas caras sorridentes - uma mulher e um homem - surgiram no ecrã e apresentaram-se:


Dois dos pivôs da GFNews: Cher Sales e Mitch Ohlman! 

- “Olá, caros telespectadores! Boa noite! Eu sou a Cher Salles! 

- Olá, boa noite! Eu sou o Mitch Ohlman! Esta é a emissão das 21 horas do GFNews!

Cher era uma mulher loira de cabelos compridos, que lhe davam pelo meio das costas. Tinha olhos esverdeados e um rosto cativante para ficar à frente das câmaras da televisão. Pigarreando, ela anunciou:

- “Nas notícias de hoje: Father Simon completa hoje dois meses como nosso Reverendo aqui na cidade! Toda a população de Grace Falls está muito satisfeita com o trabalho de Father Simon, que demonstra ser um Reverendo muito amigável e preocupado com o bem-estar da comunidade. Numa entrevista que passaremos depois das notícias, fiquem a conhecer um pouco mais da vida de Father Simon!

Já Mitch era um homem bastante atraente! Alto, bem constituído, com cabelo curto, olhos escuros e um pouco de barba. Ao sorrir para a câmara, Mitch comentou:

- “É verdade! O nosso Reverendo já teve alguns episódios bastante interessantes na sua vida, que decidiu partilhar connosco! Por isso não percam, em exclusivo para a GFNews, a primeira grande entrevista de Father Simon! Entretanto, a nossa próxima história parece digna de um filme, não é, Cher?

Mitch e Cher riram-se um pouco, mostrando estar à-vontade em frente das câmaras.

- “Assim é, Mitch! Durante a tarde de hoje, 4 assaltantes tentaram roubar o banco de Grace Falls, o Millennium Eagle Bank! O que eles não estavam à espera era da inesperada e eficaz acção de dois jovens que impediram o assalto! O banco foi salvo por dois índios!

Jules estava a comer a sopa e quando escutou Mitch, engasgou-se! O pai olhou para ele, indignado:

- O que se passa?

Atrapalhado, Jules bateu com a mão no peito e bebeu um pouco de água, começando a tossir! O pai dele levantou-se e aplicou-lhe algumas palmadas nas costas, enquanto na televisão, Mitch prosseguia:

- “Vamos em directo para o Millennium Eagle Bank, onde a nossa repórter, Kelly Lars, já se encontra com a dona do banco, Joanne Olsen.


A jornalista Kelly Lars e banqueira Joanne Olsen!


- “Olá senhores telespectadores, boa noite! Estamos em directo do Millennium Eagle Bank, onde esta tarde, um bando de quatro homens encapuzados entrou com intenção de assaltar o banco, pouco antes da hora do fecho. Diga-nos, Joanne, como é que tudo aconteceu?

Uma senhora de meia-idade, sorriu para a repórter e relatou:

- “Boa noite, Kelly! Olhe, foi tudo tão rápido! O assalto deu-se a dez minutos da hora do fecho do banco para os clientes. Um bando de quatro homens irrompeu com violência pelo banco, ameaçando funcionários e clientes. Queriam todo o dinheiro que tínhamos nas caixas. Entre as pessoas que estavam cá dentro, estavam dois irmãos índios. O mais novo correu para a rua e furou os pneus do carro dos bandidos! Depois disso, ele desatou a gritar que o banco estava a ser assaltado e que alguém chamasse a polícia. O irmão mais velho deixou-se estar deitado no chão como estávamos todos nós. Quando se apercebeu de que os ladrões estavam a ficar desorientados, porque o irmão havia dado o alerta e tinha furado todos os pneus do carro da fuga, o rapaz mais velho lançou-se como um urso sobre os bandidos e com meia dúzia de golpes, conseguiu imobilizá-los, até à chegada da polícia!

- “Não vemos disso todos os dias!” - comentou a repórter, surpreendida.

- “Tem toda a razão! Em nome do banco, eu quero agradecer novamente aos jovens Matoskah e Takoda! Nós vamos abrir uma conta-poupança no valor de cinco mil dólares para cada um deles! Passem cá no banco quando quiserem!

A câmara voltou-se para a repórter, que rematou:

- “Entretanto, os novos heróis de Grace Falls serão condecorados pelo Mayor Charles no próximo sábado, numa cerimónia a decorrer na Câmara Municipal de Grace Falls, às 12 horas!

A emissão voltou ao estúdio, onde Mitch comentou:

- “Uma cena digna de um filme de índios e cowboys! Ah ah ah!

- “E onde não faltou acção! Ih ih ih!” - gracejou Cher.

Mitch pigarreou e falou num tom mais sério:

- “A GFNews já tentou chegar à fala com os dois jovens, que se mudaram há pouco tempo para a nossa cidade, sendo que até agora a tarefa se mostrou impossível, uma vez que nenhum dos jovens, nem mesmo os pais deles, se mostraram disponíveis para fazer qualquer declaração.

Jules estava abismado a olhar para a televisão! Então fora isso que acontecera com Matoskah depois do final das aulas! O pai de Jules perguntou:

- Tu conheces o… Como é que é mesmo? Matosak?

- Matoskah, pai! Sim, eu conheço-o! O Matoskah é meu colega de turma. E é muito bom aluno…

- Qual o apelido dele?

- Hummmm… Não sei… Nunca perguntei…

- Grunf! A miudagem de hoje em dia nunca sabe nada! É incrível! - resmungou Eddie.

- Sei que o pai dele é advogado e que se chama Chayton… - suspirou Jules, baixando a cabeça.

- Chayton? Estás a falar do James Chayton? Já ouvi falar muito dele! É amigo do Senador Tieman! Esse advogado trabalha para uma das maiores companhias de advogados do país! Ó Jules! Então tu tens um colega dessa envergadura e ainda não o trouxeste cá a casa porquê?

- Ó pai, não sabia que tu estavas interessado em conhecer os meus colegas…

- Esse não é um colega qualquer! Tudo bem que ele não é como nós! Ele é um índio e eles lá têm os seus costumes. Segundo ouvi dizer, esse Chayton anda sempre descalço! - comentou Sullivan, rindo-se em seguida.

- Sim… O Matoskah também anda… E eu estou a pensar experimentar… - respondeu Jules, sorrindo um pouco envergonhado.

- Se com isso ficares mais próximo desse rapaz, por mim… Já fizeste asneiras bem piores… - gracejou Sullivan, sarcástico.

- Tu queres que eu traga o Matoskah cá a casa, pai? Para um jantar?

- Claro que sim! Quero conhecê-lo a ele, quero conhecer o irmãozinho dele! Agora que são heróis, será boa publicidade para a minha empresa!

Jules suspirou aliviado. Ele queria levar Matoskah a sua casa, mas receava que o pai reprovasse a atitude.

- Disseste que esse miúdo é um bom aluno?

- Neste momento, eu e o Matoskah somos os melhores alunos da turma…

- Então tens mais um motivo para o trazer cá a casa! Vocês podiam estudar juntos! Espero sinceramente que tu melhores mais as tuas notas. Afinal seres o melhor da turma e teres um índio ao mesmo nível do que tu…! Bom, deixa a tua mãe regressar da tournée que depois combinamos um jantar com a família do teu colega. Quero mesmo conhecer esses tipos! - declarou Sullivan com ar interessado, enquanto comia o ensopado de borrego.

Jules suspirou, triste.

Era o que ele temia. O pai mostrava claramente o seu preconceito, como aliás, tantas outras pessoas na cidade haviam feito ultimamente. Podia ser que agora, com a história do assalto frustrado ao banco, a família de Matoskah passasse a ser vista com outros olhos.

Remetendo-se ao silêncio, feliz por um lado e triste por outro, Jules comeu o ensopado de borrego. O jantar naquela noite estava delicioso. Perdido em pensamentos sobre o colega indígena, Jules olhava absorto para a televisão. Cher falava, com um ar grave:

- “Continuam as buscas por Christine Bolt, a jovem de 19 anos que desapareceu sem deixar rasto há 3 semanas. A polícia de Grace Falls pede e agradece a todos os cidadãos por qualquer informação sobre Christine. Até agora, todas as buscas revelaram-se infrutíferas. Esta é a última fotografia que a rapariga publicou nas redes sociais, com a legenda: “Perdida na escuridão, há espera de um sinal. Só escuto a voz do silêncio...”. Qualquer informação que os senhores telespectadores possam ter, é favor de a comunicarem ao posto de Polícia mais próximo ou através do telefone: 605-106-549. Obrigado!


Antes de desaparecer misteriosamente, Christine Bolt deixa uma mensagem enigmática:
“Perdida na escuridão, há espera de um sinal. Só escuto a voz do silêncio...”


Jules voltou a engasgar-se, desta vez com violência, ao escutar a notícia e ao ver a fotografia de Christine na televisão. Ele e Christine tinham tido um relacionamento, meses atrás. Um dia, sem que nada o fizesse prever, Christine decidira acabar tudo com ele e inclusive, deixou de lhe falar. Jules tentara saber o motivo para Christine ter acabado com ele, mas perante os constantes silêncios dela, ele acabara por desistir e seguir em frente. Fora nessa altura que Jules começara a namorar com Michelle. Eddie desligou a televisão, bebeu um pouco de vinho e comentou:

- Vocês hoje em dia não sabem lidar com a vida. Basta surgir uma pedra maior no vosso caminho, que logo vocês fogem de casa, em vez de enfrentarem os problemas. Esta miúda provavelmente fugiu para outro Estado e agora anda por aí, perdida…

- Não sei pai, não sei… - respondeu Jules, perturbado. - A Christine é uma rapariga forte e decidida. Não me parece, do que conheço dela, que ela seja do género de pessoas que fogem dos problemas.

- Então e tu e a Michelle? Esse namoro é para valer ou já te fartaste, como todas as outras miúdas antes dela? - perguntou Eddie Sullivan, com um sorriso.

Jules corou. Envergonhado, baixou os olhos para o prato e comentou:

- Conheces-me bem, não é pai? Pois…. Acho que o namoro já deu o que tinha a dar…. Quero ver se acabo tudo com ela até aos meus anos…

- Ela é filha da senhorita Palmer, não é? Vê lá se lhe envias um ramo de flores quando fizeres isso! Não quero histerismos à nossa porta!

- Combinado! - rematou Jules, pedindo licença para sair da mesa e começando a levar a loiça para a cozinha.

- Tens o teu telemóvel desligado, Jules. Vê lá se não te esqueces de o pôr a carregar. Liguei-te quando cheguei a casa para saber onde estavas e essa porcaria estava desligada.

- Desculpa, pai! Vou já colocar a carregar! Pronto, satisfeito? - retorquiu Jules, colocando o telemóvel a carregar na mesinha ao lado do sofá da sala.

Eddie Sullivan levantou-se da mesa e anunciou:

- Vou tomar um café ao Rochest Bar. Acaba de levantar a mesa, lava a loiça, toma um banho quente e vai dormir. O tempo começa a arrefecer, vou pedir à Maurice que mude a roupa de cama para a roupa de Inverno. Até amanhã!

- Está bom, pai! Diverte-te! Até logo! - respondeu Jules, com um aceno, enquanto o pai saía porta fora.

Passado uma hora, Jules encontrava-se sentado à janela a observar as estrelas, enquanto a banheira da casa de banho do quarto dele se enchia de água. Ele enrolou um charro enquanto pensava em Christine e no fim do seu namoro com Michelle.

Foi até à banheira e fechou a torneira.

Despiu-se.

Regressou à janela e ligou o sistema de som, sentando-se no parapeito a fumar.

O sistema de som começou a tocar uma música.




Estou a sentir-me grosseiro, estou a sentir-me vivo
Estou no auge da minha vida!
Vamos fazer alguma música, conseguir algum dinheiro
Encontrar algumas modelos para esposas!
Vou mudar-me para Paris, espetar heroína e foder as estrelas
Tu tomas conta da ilha da cocaína e dos carros elegantes!

Essa é a nossa decisão: viver rápido e morrer jovem!
Nós tivemos a visão, agora vamos ter alguma diversão!
Sim, é esmagador, mas o que mais poderemos fazer?
Conseguir empregos em escritórios,
E acordar diariamente pela manhã?

Esquece tudo sobre os nossos irmãos e amigos!
Nós estamos destinados a fingir…
Fingir!
Estamos destinados a fingir!

Fingir!
Estamos destinados a fingir!

Sentirei falta das idas aos parques, dos animais e de cavar minhocas!
Sentirei falta do conforto da minha mãe, do peso do mundo!
Sentirei falta da minha irmã, do meu pai, do meu cão e do meu lar!
Sim, sentirei falta do tédio, da liberdade,
E do tempo passado sozinho!

Mas não há realmente nada, nada que possamos fazer:
O amor deve ser esquecido!
A vida pode sempre recomeçar novamente!
As modelos terão filhos, nos divorciaremos!
Encontraremos mais modelos, tudo deve correr no seu curso!

Engasgar-nos-emos no nosso próprio vómito
E esse será o fim!
Estamos destinados a fingir!

Fingir!
Estamos destinados a fingir!

Fingir!
Yeah yeah yeah!


Jules aproximou-se da secretária onde estudava e pegou num x-acto. Acabou de fumar o charro e foi para a banheira, onde gemeu de prazer ao sentir o agradável calor da água a tocar o seu corpo frio por estar totalmente despido há já algum tempo. Olhou para os pulsos, onde alguns pequenos cortes ardiam em contacto com a água quente. Trauteando a música, Jules fez um pequeno corte no pulso esquerdo, enquanto chorava e suspirava:




- Estou cansado de fingir…
[Continua...]

2 comentários:

  1. Um Eddie Sullivan é que eu precisava na minha vida :) eheheheheh manda vir amigo

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    1. Ele vai ter contigo aì à Amadora, assim que as ligações estiverem abertas entre os Estaods Unidos e Portugal! :)

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