*22 de Maio*
- Olá Maurice! Os meus pais estão em casa?
- Olá menina! Não, eles foram à polícia prestar declarações! A menina chega quando?
- À polícia? Mas afinal o que aconteceu, Maurice?
- A menina já sabe.... O menino Jules.... - Maurice tentou controlar o choro, mas não conseguiu.
- Vocês estão a fazer tanto mistério! Caramba! Olha, em relação à minha viagem, era sobre isso que eu queria falar com eles, Maurice! Já tentei ligar ao meu pai, mas ele não me atende as chamadas. Eu tenho voo logo à noite, chego aí amanhã de manhã. Se não houver atrasos, estou aí às dez da manhã!
- Ainda bem, menina! Os seus pais precisam muito de si aqui! Eu vou avisar os seus pais assim que eles chegarem! Vou preparar o seu quarto, menina! Até amanhã! Faça boa viagem!
- Obrigada Maurice! Até amanhã!
Triste e resignada, Bianca passou o resto do dia a arrumar as coisas que ia levar consigo. Felizmente que faltavam poucas semanas para acabar o ano escolar, pelo que facilmente conseguiu pedir alguns dias para regressar a casa. O director da escola onde trabalhava disponibilizou-se a ajudá-la no que fosse possível e disse-lhe que aguardava pelo seu regresso, para o novo ano lectivo. Bianca suspirou aliviada, ao escutar aquilo. Ela tinha gostado bastante de trabalhar ali, no liceu Shepard, onde leccionava actualmente. Aquela questão era a que mais a preocupava. No entanto, essa não era a única.
Bianca decidira levar o Joker consigo. Ela teve de visitar várias lojas de animais, para encontrar uma caixa grande o suficiente, a fim de Joker ser transportado com o mínimo de conforto no avião. A viagem ainda era longa. Seriam pelo menos umas oito horas de voo. A essas horas, somar-se-iam as que Joker estaria de quarentena, na clínica veterinária do aeroporto de Arkansas City, cidade onde ficava o aeroporto mais próximo de Grace Falls. Depois de várias tentativas frustradas, Bianca conseguiu encontrar exactamente o que procurava. Era uma bonita casota de cão, concebida para voos de médio e longo alcance. O preço era um pouco exagerado, mas já que o pai tinha depositado uma quantia generosa, Bianca nem pensou duas vezes.
Com o passar do dia, ela começou a receber chamadas de amigos e colegas. A notícia da morte súbita do seu irmão começara a espalhar-se. No Criss-Cross choviam mensagens de condolências e votos de pesar. Ao fim da tarde, já com tudo pronto, Bianca decidiu passar pelas brasas. O seu voo sairia de San Diego durante a madrugada.
Eram onze e meia da noite quando Bianca despertou, assustada com o estrondo de um trovão. O calor que se fizera sentir nos últimos dias era o prenúncio de uma tempestade de Primavera. Não tardou para que a chuva caísse com violência, sendo intercalada por trovões. Bianca foi tomar um banho e vestiu-se apressadamente. Verificou que tinha tudo consigo. As malas já estavam à porta de casa. Tinha combinado com um Uber para a vir buscar a casa à meia-noite e um quarto. Escreveu um bilhete a explicar o que se passara, ao qual juntou as chaves suplentes da casa, colocando tudo num envelope. Abriu a porta e foi deixar o envelope na casa dos vizinhos da frente, os Jetsons.
Ela regressou rapidamente a casa, admirada com a intensidade da chuva. Sob aquelas condições, corria o risco de não ter voo. Preparou uma ceia rápida, para ela e para o Joker, que comeu tudo. À hora marcada, o Uber buzinou à porta da casa dela. Bianca colocou Joker na sua casota de viagem e abriu a porta, acenando ao condutor. Este, apercebendo-se que ela tinha várias malas de viagem, saiu apressado do carro, correndo para a casa de Bianca e ajudando-a a colocar as malas e o Joker no carro.
Pouco tempo depois, completamente encharcada, devido ao temporal, Bianca entrou no carro, aborrecida. Teria de trocar de roupa no aeroporto e não queria nada ter que o fazer. Felizmente, o seu voo partia de madrugada, pelo que ela não teria muita confusão no aeroporto. Infelizmente, a maior parte das lojas do aeroporto estaria fechada àquela hora da noite. Assim que chegou ao aeroporto, Bianca pagou ao condutor. Este foi chamar um funcionário do aeroporto, para que este ajudasse a rapariga. Ela agradeceu e foi procurar uma loja onde pudesse comprar roupa, enquanto o funcionário tratava do envio do Joker e das malas de Bianca.
Como suspeitara, a maior parte das lojas do aeroporto encontrava-se fechada. Apenas os bares, cafés e restaurantes pareciam estar abertos. Para sorte de Bianca, havia estabelecimentos que além de servirem comidas, também vendiam recordações. Assim, ela comprou algumas peças de roupa e foi até à casa de banho mais próxima para se secar e trocar de roupa.
Quando deu por ela, Bianca apercebeu-se que já não faltava muito para que o seu voo descolasse. Correu com quantas forças tinha para o balcão de embarque, não sem antes se certificar que o funcionário tinha feito o check-in de Joker e o seu, bem como expedido a sua bagagem. Aliviada, Bianca apresentou o seu telemóvel à funcionária que estava à porta que conduziria ao seu voo. Confirmado o código da sua viagem, ela embarcou. O seu lugar seria à janela.
Lá fora, a chuva ainda caía com intensidade. Os relâmpagos irrompiam pelos céus com bastante frequência. Bianca ficou apreensiva. Sabia que os aviões eram um meio de transporte seguro, mas viajar sob uma tempestade seria a primeira vez. O comandante do voo falou, numa voz suave e tranquilizadora.
- “Olá boa noite, estimados passageiros do voo 547 com destino a Arkansas City. O meu nome é Edgar e serei o vosso comandante durante este voo. Em nome da American Airlines, dou-vos as boas vindas a bordo. Conforme devem ter-se apercebido, San Diego está a enfrentar uma tempestade, pelo que o nosso voo partirá com um ligeiro atraso. De acordo com as mais recentes informações, a tempestade acalmará nos próximos vinte a trinta minutos. Enquanto aguardamos autorização para levantar voo, os nossos membros de bordo irão fazer uma demonstração de segurança e servirão uma ceia. Obrigado!”
Tal como o comandante vaticinara, a tempestade enfraqueceu bastante ao fim de pouco tempo. Quando o avião levantou voo, já quase não chovia e os trovões ecoavam ao longe. A tempestade seguia para noroeste, rumo a Las Vegas.
*23 de Maio*
- O voo está atrasado! - resmungava Eddie.
Edward Sullivan, mais conhecido por Eddie Sullivan
- A nossa filha não tem culpa disso, Eddie! Vê lá se te acalmas! Não precisamos de mais confusões nesta altura! - resmungou Laura, suspirando nervosa.
Laura Sullivan, uma cantora de música country
Eddie Sullivan andava de um lado para o outro no terminal do aeroporto de Arkansas City. A sua mulher estava igualmente nervosa. Ambos temiam a reacção da filha ao saberem como Jules tinha morrido.
Um avião pousou na pista. Eddie olhou para o placard pela enésima vez. Finalmente, o voo onde Bianca se encontrava tinha aterrado! Não conseguindo disfarçar a alegria, ele abraçou a esposa e ambos choraram, emocionados. Cerca de quarenta minutos depois, Bianca apareceu, com um carrinho cheio de malas e a casota de Joker. Os pais correram para junto de Bianca e todos se abraçaram a chorar.
- Oh, minha rica filha! Estás bem! Sã e salva! - exclamou Eddie, aliviado.
- O que aconteceu, pai? O Jules teve um acidente ou quê? - perguntou Bianca.
Eddie suspirou, triste.
- Bianca, eu já te disse ao telefone. O teu irmão… Ele suicidou-se....
Bianca abanava a cabeça enquanto todos choravam.
- Não, isso não pode ser verdade! O meu irmão jamais faria uma coisa dessas! Estás a mentir pai! Não pode ser!
- Em casa falamos melhor, está bem? - pediu Eddie, com um ar agastado.
Laura soluçava. Não conseguia falar. Os três arrumaram as coisas no carro de Eddie e seguiram viagem. Nenhum deles falava. Estavam todos entregues aos seus pensamentos. Quando por fim chegaram a casa, Maurice recebeu-os, emocionada. Bianca abraçou-se a Maurice e choraram as duas, enquanto os pais de Bianca retiravam as malas do carro e transportavam-nas para dentro de casa.
- Maurice.... Por favor, diz-me que tudo isto é mentira.... Que tudo isto não passa de um terrível pesadelo.... De uma brincadeira de péssimo gosto.... Por favor....
Maurice, a Governanta da família Sullivan
- Menina Bianca.... Eu daria tudo, mesmo tudo, para lhe poder afirmar isso.... Só Deus sabe como eu gostaria que tudo isto não passasse de um sonho mau.... Mas infelizmente, é verdade.... O menino Jules morreu.
- Eu não consigo acreditar nisso, Maurice! Não consigo! - rematou Bianca, sentando-se a chorar, enquanto Laura pedia a Maurice para fazer um chá para todos.
Alguns minutos depois, Maurice regressou à sala com várias chávenas de chá e um pratinho com bolachas. Eddie e a esposa agradeceram e convidaram Maurice a sentar-se com eles. Esta agradeceu, emocionada. Bianca pegou na sua chávena de chá e fez a pergunta que lhe queimava a língua.
- Então pai, o que aconteceu, afinal? Vocês dizem-me que o Jules se suicidou. Onde está o corpo do meu irmão? O que aconteceu para ele se ter suicidado?
Eddie olhou para a esposa. Pegou na sua chávena de chá, enquanto escolhia as palavras a dedo. Por fim, respondeu.