Capítulo 3
Shappa, a mãe de Matoskah e Takoda, dirigia a alta velocidade. Ela tinha uma reunião com o seu chefe e já estava atrasada. Antes da reunião passara pelo hospital para saber notícias do filho, mas nem a deixaram vê-lo. Frustrada e aborrecida, colocou o pé no acelerador da sua carrinha. Não queria ter chatices com o seu patrão.
Tieman correu atrás do filho, mas tropeçou numa raiz de uma árvore e caiu. Tinha fracturado o tornozelo. O filho escutou o pai a gemer e correu para junto dele.
- Ó pai! O que faço? - perguntou o rapaz, bastante assustado, ao ver o pai a gemer e a chorar de dores.
- Filho.... Regressa ao nosso acampamento! Vai lá! Usa o telemóvel para pedires ajuda!
Lucius começou a correr de regresso ao local onde tinham acampado. Porém, ele estava nervoso e a vegetação cerrada fê-lo ficar confuso. Não tardou a perder-se na floresta.
- Hey! Socorro! Alguém me escuta? Eu estou perdido! Quero ir para casa e não sei o caminho! Hey! Socorro! Pai!
Desorientado, ele sentou-se no chão a chorar. De repente, um rapaz alto e forte apareceu à sua frente.
- Aiiii! - gritou Lucius, assustado.
- Wasichu3, não tem medo! Eu não fazer mal a ti! - respondeu o rapaz, aproximando-se com um sorriso.
- Quem? Quem és tu? - perguntou Lucius, impressionado.
- Eu ser Tatanka Ptecila4! E tu?
- Eu sou o Lucius! Tens um nome engraçado!
O rapaz bateu nos seus peitorais, orgulhoso. Ele tinha cabelos compridos e olhos brilhantes como o sol. Estava totalmente nu, mostrando um corpo delineado, treinado e bastante avantajado.
-
A floresta é perigosa para tu, wasichu!
Tatanka vai levar-te para fora daqui, agora!
Lucius
deu a mão ao rapaz, que aos seus olhos era um gigante! Afinal, o pequeno Lucius
tinha oito anos, enquanto o rapaz aparentava ter pelo menos o dobro.
-
Espera! Temos de ir buscar o meu pai! Ele
está por ali, algures.... Ele caiu e magoou-se! Não consegue andar! -
choramingou Lucius.
Tatanka
parou e olhou para Lucius, com ar preocupado.
-
Isso é mau! Hoje é dia da prova! A prova
para ser mim ser wicasa5! O Hanska Mato6 andar por aí!
-
Oh não! Isso não deve ser bom! O que é um
han mato? - perguntou Lucius, curioso.
O indígena respondeu, com voz dura.
- Wasichu não sabe? Wasichu mata Mato7 muitas vezes! Wasichu ser mau para Mato! Mato não gostar de wasichu!
Como
Lucius desatasse a chorar, assustado, Tatanka colocou-o aos ombros. Assim seria
mais fácil para os dois. Lucius chamou pelo pai. Ao fim de várias tentativas,
este respondeu de volta, com uma voz fraca. Tatanka correu pela floresta,
enquanto olhava para todos os lados. Temia que Hanska Mato aparecesse a
qualquer momento.
Por
fim, ele e Lucius encontraram o pai deste.
Tatanka pegou em Tieman sem dificuldades e transportou-o a ele e ao filho dele em direcção ao local onde tinham acampado. Estavam quase a chegar lá, quando de repente...
- Oh não! O que é aquilo? - perguntou Lucius, apontado para uma enorme criatura que se aproximava a grande velocidade.
- Aquele ser Hanska Mato! Eu ter de lutar com ele! Vocês esconder ali! Atrás da pedra! Depressa! - gritou Tatanka, colocando Tieman no chão e ajoelhando-se para que Lucius descesse em segurança.
Tieman
e Lucius esconderam-se atrás de uma rocha em forma de penedo, enquanto Tatanka
corria na direcção oposta. Um grande urso pardo rosnava, furioso! Tatanka
bufava e o urso bramia cada vez mais alto, até que se colocou de pé, em tom
ameaçador!
- Fecha os olhos e tapa os ouvidos, filho! Isto não vai ser bonito de se ver! - gemeu Tieman, enquanto chorava de dores e angustiado por não poder fazer nada.
A luta foi rápida. O grande urso pardo trespassou os peitorais de Tatanka com as suas garras afiadas. O rapaz ainda lhe deu luta, mas as garras do urso perfuraram-lhe os pulmões. O urso, passados alguns minutos a cheirar o corpo inerte de Tatanka, virou costas e foi-se embora.
Quando se aperceberam do silêncio que reinava, Lucius e o pai esgueiraram-se da rocha, para descobrirem que Tatanka estava morto. Horrorizado, Lucius começou a chorar e a berrar desesperado! Tieman deixou-se cair por terra, lívido.
Não tardou muito para que um rapaz indígena, alertado pelos gritos de Lucius, aparecesse de repente. Lucius chorava junto de Tatanka. O rapaz indígena, ao ver o corpo de Tatanka, gritou e uivou. Poucos minutos depois, a clareira onde se encontravam encheu-se de indígenas, entre eles Shappa, que começou a gritar, em estado de choque! Tatanka Ptecila era o seu filho mais velho! Chayton, o seu marido, abraçou-se a ela e ao pequeno rapaz indígena de cabelos arruivados que tinha uivado. Este encontrava-se abraçado ao corpo de Tatanka enquanto gritava algo no seu dialecto:
- Matoskah…. Tatanka partiu para junto do nagi tanka9… - gemeu Chayton, abraçando o filho, que começou a chorar convulsivamente.
O líder da tribo, o Chefe Heȟáka Sápa10, ordenou aos seus guerreiros que levassem Tatanka, Lucius e Tieman para a tribo. Na tribo, eles foram recebidos com respeito e dor, por parte dos homens, mulheres e crianças. A morte de Tatanka perturbou-os imenso. Ele era muito novo. Depois de analisar os ferimentos, o Wicasa Wakan11 tratou de Tieman e do filho deste.
Enquanto isso, os indígenas colocaram o corpo do jovem guerreiro no centro da aldeia. Shappa, Chayton e Matoskah, o irmão mais novo de Tatanka, lavavam cuidadosamente o corpo, enquanto algumas mulheres traziam roupas cerimoniais e o perfumavam. Os homens da tribo cantavam cânticos de pesar, à medida que pintavam o corpo do herói tombado em combate.
Todos choravam.
Ao cair da noite, uma fogueira enorme foi erguida. Para espanto de todos, Matoskah sentou-se em frente do corpo do irmão e começou a tocar flauta, sendo seguido de Cetan Nagin12, Maȟpiya Lúta13, Siha Sápa14 e Wakinyan15, quatro rapazes um pouco mais velhos do que Matoskah. Estes pegaram em guitarras, tambores e sininhos para o acompanhar.
- Tu sabias que o nosso filho sabia tocar flauta? - sussurrou Shappa para o marido.
- Não, eu não! O Tatanka deve ter-lhe ensinado em segredo! - respondeu Chayton, no mesmo tom de voz.
O Chefe Heȟáka Sápa deu início à cerimónia fúnebre, falando no seu dialecto.
- Mitakuye Oyasin16! Tudo está ligado, como o sangue que une uma família. Todas as coisas estão ligadas. O que acontece à Terra, recai sobre os Filhos da Terra. Não foi o Homem que teceu a trama da Vida. Ele é só um fio dentro dela! Tudo o que fizer à teia, ele estará a fazer a si mesmo!
Virando-se para Tieman e o filho, Heȟáka sorriu e falou:
- Ser um guerreiro não é o que vocês pensam que seja. O verdadeiro guerreiro não é alguém que mata, porque ninguém tem o direito de tirar a vida de alguém. Um guerreiro, para nós, é aquele que se sacrifica pelo bem dos outros. A sua tarefa é olhar pelos mais velhos, pelos indefesos, por aqueles que não podem trabalhar e acima de tudo, pelas crianças, que são o futuro da Humanidade!
Tieman e Lucius começaram a chorar! O Chefe Indígena chorava também, mas tinha um ar tão sereno, tão tranquilo! Não havia no rosto dele, nem de nenhum dos restantes indígenas, um traço de ódio. Apenas dor e tristeza. Heȟáka continuou:
- Ó Grande Espírito, cuja voz ouço nos ventos, cujo sopro anima o mundo, escuta-me. Sou pequeno e fraco, preciso da tua força e sabedoria. Permite que eu caminhe na Beleza, e faz com que os meus olhos contemplem para sempre o vermelho e púrpura do sol poente. Faz com que as minhas mãos respeitem todas as coisas que tu criaste. Faz os meus ouvidos aguçados, para que eu escute a tua voz. Torna-me sábio para que eu possa entender tudo aquilo que ensinaste ao teu povo. Permite que eu apreenda os ensinamentos que escondeste em cada folha, em cada pedra. Busco força, não para ser maior do que o meu amigo, mas para lutar contra o meu maior inimigo - eu mesmo. Permite que eu esteja sempre pronto para ir até ti, de mãos limpas e olhar firme. Assim, quando a minha vida estiver no ocaso, como o sol poente, que o meu espírito possa ir até à tua presença, sem nenhuma vergonha. Que o nosso amado filho e irmão, Tatanka Ptecila, de coração puro como o mais belo cristal, siga em paz, rumo à Boa Estrada Vermelha, onde reside o Grande Búfalo Sagrado! Que ele olhe por nós! Mitakuye Oyasin!
Todo o povo indígena clamou a uma só voz:
- Mitakuye Oyasin!
Uma estrela cadente cruzou os céus, quando Matoskah e os seus amigos terminaram de tocar a sua canção. Naquele momento, o Céu e a Terra tinham-se unido, partilhando a dor de todo um povo.
- Shappa, está a ouvir-me? Shappa? - Michael dava pancadinhas suaves no rosto de Shappa que parecia estar totalmente ausente.
De volta à realidade, Shappa suspirou:
- Desculpem-me.... Estava perdida em recordações.... - rematou Shappa, levantando-se, enquanto limpava algumas lágrimas que, teimosas, rolavam pelo seu rosto.
Notas
do Autor:
1 - Familiar;
Onde posso encontrar o Hudges? Que naco de homem :) muito giro e bom
ResponderEliminarMuito charomoso, sim! :)
EliminarEle deve andar por aí... =P