10 julho 2020

Escrito nas Entrelinhas: Parte 1 ~ Capítulo 6


Capítulo 6



*1 de Novembro de 2016*

Jules acordou com uma bruta dor de cabeça e um pouco zonzo. Não se lembrava de ter apanhado uma bebedeira como a da noite anterior. Levantou-se com dificuldade e cheio de dores pelo corpo todo. Tinha ficado a dormir no chão da sala e pelos vistos o pai não se incomodara com isso. Ao dirigir-se para a casa de banho, deu com um bilhete:


Jules, podia dizer muita coisa, mas sei que não iria adiantar de muito. Estou desiludido contigo. Não te vou tirar a mota, mas também não te vou deixar andar com ela nos próximos tempos. 
Hoje a Maurice não vem. Eu dei-lhe o dia de folga. Quero que limpes tudo até eu chegar.

Pai

- Oh pá! A sério? - comentou Jules, consigo mesmo.

Jules dirigiu-se, pouco depois para a cozinha, preparando um café bem forte. Olhou pela janela para o jardim e viu a quantidade de coisas que teria de fazer. Suspirando aborrecido, colocou mãos à obra. Ele queria falar com Matoskah e sabia que só poderia ir a casa deste depois de limpar toda a porcaria que ele e os colegas haviam feito na noite anterior.

Foi o desejo de reencontrar Matoskah que fez Jules ter forças para limpar tudo e arrumar as coisas em caixas e caixotes. Estas seriam recolhidas pela empresa que tinha organizado a festa, mais ao fim do dia. Pelo caminho, ainda ligou várias vezes para Matoskah e chegou a enviar-lhe algumas mensagens, mas não obteve resposta.

Já o sol se estava a pôr quando Jules conseguiu deixar toda a casa arrumada. Tomou um banho e vestiu uma roupa confortável. Colocou um pouco do perfume que Michelle lhe tinha dado e rezando a todos os santos que conhecia, dirigiu-se à morada que Matoskah lhe indicara uma vez, já que Jules nunca tinha ido a casa de Matoskah.

Ao chegar lá, deparou-se com uma casa simples, mas muito bonita. A casa era toda feita em madeira e fazia lembrar uma enorme cabana de uma casa das montanhas. Respirando fundo, Jules aproximou-se, pé ante pé, da entrada da casa e ganhando coragem, tocou à campainha. Ele escutou passos a correr apressados por umas escadas e momentos depois, a porta abriu-se. Era Takoda. Jules sorriu e perguntou, colocando as mãos sobre os olhos, devido ao sol que se punha no horizonte:

- Olá Takoda! Tudo bem? Olha, o teu irmão está? Precisava de falar com ele…

Takoda encostou a porta e convidou Jules a sentar-se nas escadas da entrada, enquanto ele se encostava ao muro do alpendre.

- Olá Jules! Eu estou melhor! Parabéns atrasados! O meu mano está, mas ele não quer falar contigo. Ele…

Nisto, um vozeirão ecoou pela casa, abrindo a porta de entrada de repente:

- Takoda, onde estás? Não andes a apanhar frio, senão podes ter uma recaída!

Matoskah ficou surpreso ao ver Jules sentado ali, à entrada de sua casa. Ignorando-o, virou-se para o irmão e resmungou:

- Toca a vir para dentro, Takoda! Se ficares pior, depois quem tem de ouvir dos pais sou eu!

Takoda encolheu-se perante o ar zangado do irmão. Levantou-se, sorriu timidamente para Jules e correu o mais depressa que pôde para dentro de casa. Jules também se encolheu um pouco. Não se recordava de vê-lo assim. Matoskah virou costas e preparava-se para fechar a porta quando Jules o interrompeu:

- Matoskah… Eu vim… Para falar contigo…

- O que queres tu? Vens fazer como os teus amigos e colegas e gozar com o “índio”?

Jules ficou chocado com a dureza no rosto de Matoskah. Com lágrimas nos olhos, respondeu:

- Nada disso! Eu vim pedir-te desculpas! Eu…

Matoskah mostrava-se impassível.

- As desculpas não se pedem, evitam-se… Eu já devia saber que não valia a pena confiar nas pessoas da tua laia. Foi um erro… - suspirou.


Jules ajoelhou-se e começou a chorar.

- Por favor, Matoskah… Eu peço-te desculpas! Por favor! Eu ontem… Eu ontem queria tanto que tu estivesses lá na festa! Queria tanto celebrar os meus anos contigo!

Matoskah não ficou indiferente a este gesto. Ele estendeu a mão ao Jules e disse, num tom mais sereno, encostado ao muro onde o irmão estivera antes:

- Não é preciso ficares assim. Vá, levanta-te! Eu não sou nenhum Nagi Tanka1para te prostrares!

Jules levantou-se e Matoskah encaminhou-o para dentro de casa. Takoda estava sentado na sala a ver desenhos animados e a comer bolachas.

- Senta-te à beira do Takoda que eu vou preparar-te um chá dos nossos… Vais ficar muito melhor! - comentou Matoskah, sorrindo e virando costas a cantarolar. 

Takoda aproximou-se de Jules e sussurrou:

- Não ligues! O meu mano é mesmo assim! Ele parece mau, mas na verdade, é muito bom! Ele prepara as ervas como ninguém!

Jules afagou os cabelos de Takoda:

- Gostas do teu irmão?

- Muito! O Matoskah é o máximo! Ele é o melhor mano do Mundo! E tu, gostas dele?

Jules corou até à raiz dos cabelos! Não estava à espera daquela pergunta! Rindo-se atrapalhado, com o coração a bater forte, olhou para a sala toda antes de responder, tentando não expressar o que lhe ia no pensamento.

- O Matoskah é um rapaz especial. Quero muito ser amigo dele e dar-me bem com ele, sabes? O teu irmão faz-me bem!

Uma voz divertida comentou, por cima das cabeças deles:

- A sério? Porquê que achas isso? Eu só sou um rapaz como todos os outros rapazes que tu conheces…

Matoskah tinha regressado com três canecas fumegantes, que continham um chá com um cheiro forte, mas agradável.

- Aqui está! Bebe isto, Jules! Tu também, Takoda! - ordenou Matoskah, sentando-se no sofá em frente de Jules.

Jules engasgou-se de imediato ao aperceber-se que Matoskah estava totalmente nu! Agora que reparava nisso, Takoda também se encontrava assim! Lendo-lhe os pensamentos, Matoskah riu-se e comentou:

- Nós somos habituados desde pequenos a andar o mais naturalmente possível, tanto dentro, como fora de casa. Infelizmente, estamos numa terra que não permite este tipo de coisas. Somos obrigados a andar vestidos. Na nossa terra natal, todos os homens andam nus. Cá em casa, às vezes vestimos algo, mas raramente…


- Na verdade, nós vestimos algo porque a ce2do Matoskah é enorme! Todos os dias de manhã, ela parece uma zuzéča3! - exclamou Takoda, rindo-se que nem um perdido, enquanto Jules ficava corado que nem um tomate a observar os dois irmãos.

- Olha quem fala! A tua também já se parece com uma zuzéča hoǧáŋ4! - respondeu Matoskah, atirando uma almofada ao irmão e começando-se a rir.

Jules encolhia-se no sofá. Aquela conversa deixara-o excitado. De onde estava conseguia ver muito bem, tanto Takoda como Matoskah! Os seus pensamentos exclamavam:

- “Bolas, que irmãos abençoados, meu Deus!

Colocando discretamente uma almofada no colo, Jules pegou no copo de chá que Matoskah lhe tinha oferecido e começou a beber. O trago inicial era desagradável, mas quando se começava a saborear o chá, o gosto passava a ser outro, mais suave.



Matoskah


Matoskah e Takoda brincavam um com o outro, quase esquecidos da presença de Jules. Este observava-os a rir e a fazerem palhaçadas pela sala. Como Matoskah ficava bonito! Ele ainda estava longe de atingir o auge da sua beleza e vigor, mas já se tornara um homem bastante atraente. Estes pensamentos deixavam Jules com a cabeça feita num nó!

Se era verdade que no passado ele sentira algo especial por outro rapaz, esta era a primeira vez que ele sentia um aprofundamento desses sentimentos. Ele queria tocar em todo o corpo de Matoskah. Queria beijar os lábios dele. Olhá-lo nos olhos e deixar-se afundar naquele peito desenvolto, acabando por ser salvo pela embarcação que Matoskah tinha entre pernas.

Outros pensamentos tomavam de assalto a cabeça de Jules, deixando-o ainda mais excitado por um lado e confuso por outro. Pigarreou e pediu para ir à casa de banho, quebrando o momento que Matoskah e Takoda estavam a ter. Estes, apercebendo-se da presença de Jules, serenaram e indicaram-lhe onde era a casa de banho.



Takoda


Regressado à sala minutos depois, Jules apercebeu-se que Matoskah e Takoda estavam vestidos. Cada um tinha uma túnica acastanhada com pinturas, feita à mão. Takoda estava encostado a Matoskah, com os olhos fechados. Matoskah fazia-lhe festas nos cabelos e cantava-lhe algo muito baixinho. Jules derreteu-se com a cena. Matoskah era, de facto, um irmão doce e querido. Sentou-se à frente dele e disse:

- Olha Matoskah, eu espero que consigas desculpar-me por ontem. Mesmo! Eu fiquei sem reacção perante a tua prenda, porque nunca ninguém me tinha dado algo assim. Mas queria dizer-te… Eu gostei mesmo muito!

Matoskah sorriu orgulhoso e respondeu:

- Sabes? Fui eu quem coseu a tua capa. Fiz assim… Por olho, estás a perceber? Por isso, se ela te estiver apertada, traz-ma que eu ajeito-ta.

Jules ficou bastante surpreendido com aquela informação!

- O quê? Foste tu quem a coseu? Caramba! Não sabia que tinhas sido tu! Puxa Matoskah, então é uma prenda mesmo especial… - comentou Jules, baixando a cabeça. - E eu que me comportei como um perfeito idiota…   

Matoskah ajeitou Takoda numa almofada. Sentou-se ao lado de Jules, pegando no rosto deste. Levantando-lhe a cabeça para que se olhassem nos olhos, sussurrou:

- Escuta… Jules… Não precisas de ficar assim. Eu percebi que o teu pedido de desculpas foi sincero. Eu também te peço desculpas pela forma como te tratei há bocadinho…. Pensei que tinhas vindo gozar mais um pouco, como fizeram os outros…

Jules sentiu uma vontade enorme de beijar Matoskah! Tentado afastar os pensamentos tórridos que lhe passavam pela cabeça, respondeu:

- Eles não são más pessoas. Só que… Bem…. Aqui em Grace Falls não estamos habituados a conviver com pessoas de outras raças, entendes? Eles ainda estão a habituar-se a vocês e vocês a eles… Mas olha que eles…

Matoskah interrompeu-o. Suspirou e após alguns segundos em silêncio, comentou, com alguma frieza:

- Olha… Isso cheira-me a desculpa esfarrapada, Jules… Mas não me importo. Não quero saber. Eu já estou habituado a ser posto de parte. Não me incomoda nada mesmo… - rematou, levantando-se. - Vou colocar o Takoda na cama, ele ainda precisa de recuperar as forças. A ver se na próxima segunda-feira ele já vai à escola. Tu ficas cá para jantar ou tens de ir para casa?



Só nessa altura é que Jules se apercebeu que a noite já tinha caído. Levantando-se apressado, despediu-se de Matoskah e foi para casa a correr, rezando a todos os santos que conhecia para que o pai dele ainda não tivesse chegado a casa. Caso contrário, Jules certamente apanharia um novo castigo.



Notas do Autor:

1- Grande Espírito; 
2- Pénis; 
3- Cobra; 
4- Enguia;


[Continua...]

4 comentários: