18 abril 2021

Escrito nas Entrelinhas: Parte 2 ~ Capítulo 13

 

Capítulo 13


·


*Enquanto isso, na Reserva Ameríndia…*


Os Chefes de várias Nações Ameríndias estavam reunidos na Reserva junto com os seus wicasa wacan. O Grande Chefe da tribo de Matoskah, o Chefe Heȟáka Sápa, tinha-os convocado para debaterem vários assuntos do interesse deles. Aproveitou o facto de estarem reunidos todos os wicasa wakan e explicou-lhes o que acontecera no funeral de Jules.

Com o passar dos dias, Matoskah deu por si a perder a audição. Naquele dia, apercebeu-se de que já não ouvia nada! Desesperado, tentou gritar, mas nenhum som saía da sua boca! Triste e assustado, procurou Baya Ainila e explicou-lhe por gestos o que se estava a passar com ele. Como Baya era o único rapaz surdo da tribo, talvez fosse ele o que melhor o compreenderia.

- Tenho medo, Baya! O que se passa comigo? Porque deixei de conseguir comunicar-me com as outras pessoas?

Baya respondeu-lhe por língua gestual, com um sorriso triste:

- Eu compreendo-te bem, amado Matoskah! Quer dizer, eu acho que te compreendo… Nunca escutei nada na minha vida, pelo que não sei como é perder a audição… Mas sei que a vida é muito difícil para nós!

Matoskah abraçou Baya.

- Desculpa se alguma vez te fiz sofrer… De facto, só quando passamos pelas coisas é que lhes damos o seu merecido valor.

- Matoskah… Não precisas de pedir desculpas. O Sunka era muito teu amigo, não era? Como o Takoda é para mim, certo?

- Agora que falas nisso…. Tenho reparado que tu e o meu misún estão muito próximos! Ele agora anda muito contigo!

- O Takoda é um rapaz especial…. Está a fazer-me bem poder estar na companhia dele. Na escola, eu tive alguns problemas por causa da minha incapacidade e o Takoda ajudou-me, sabes? Ele não se importa que eu seja assim, surdo. Ele tem muita paciência para comigo. Gosta de mim pelo que eu sou… 

Ao saber daquilo, Matoskah ficou surpreso! Estaria Baya a dizer-lhe aquilo que ele estava a pensar?

- Olha lá, Baya… Tu estás a gostar do meu misún…?

Baya Ainila corou e sorriu, envergonhado.

- Ele é lindo, Matoskah! Gostava de poder dizer-lhe palavras bonitas. Isto é, dizer-lhe palavras bonitas por voz, não só por gestos ou escritos, percebes?

Matoskah ficou irritado e enciumado!

- Tu sabes que o meu irmão ainda é muito novo para essas coisas, não sabes? E tu também és! Ainda só tens 8 anos! - gesticulou.

- Está bem, está bem! Mas o que tem isso? Por acaso existem regras para expressar o que temos de mais bonito? - questionou Baya Ainila.

Quando Matoskah se preparava para responder, alguém colocou uma mão sobre o seu ombro direito. Ele virou-se. Era um dos wicasa wakan. Por gestos, o homem disse-lhe:

- Matoskah, anda comigo, já temos uma resposta para ti!

Baya Ainila abraçou o amigo que, de imediato, esqueceu que estava chateado com o rapaz.

- Boa sorte, querido Matoskah! - rematou Baya, com um grande sorriso.

- Obrigado, misún Baya!

Acompanhando o homem durante algum tempo, Matoskah deparou-se com uma grande fogueira, onde estavam reunidos os Grandes Chefes e os seus wicasa wacan. Espantado com a seriedade no rosto de todos, ele demorou algum tempo até se aperceber que o homem misterioso que aparecera no funeral de Jules também se encontrava presente. 


Quem será o misterioso guerreiro?



Quando se apercebeu disso, Matoskah não tardou a uivar e a gesticular! Todos os presentes trocaram olhares de satisfação entre si e o misterioso indígena levantou-se, aproximando-se do centro da fogueira.


O Chefe da tribo de Matoskah levantou-se também e depois de gesticular para o céu, olhou nos olhos de Matoskah e explicou por gestos:

 

- Amado filho Matoskah! Sabemos que tens vindo a perder a audição ao longo dos últimos dias! Estás a passar uma dura provação, que te conduzirá a um grande futuro! Os wicasa wakan reuniram-se para debater o teu estado e todos, sem excepção, receberam respostas dos Grandes Espíritos!

 

- A sério? - perguntou o rapaz.

 

Os homens ali presentes levantaram-se e desataram a saltar e a urrar à volta da fogueira. Matoskah acompanhou-os, embora não ouvisse nada!

 

O Chefe prosseguiu.

 

- Assim é, meu filho. Os Grandes Espíritos estão a testar-te com a finalidade de te concederem uma grande honra. Vês aquele homem ali? - apontou o Chefe para o misterioso indígena que surgira no funeral de Jules. - Ele é uma dádiva dos céus para ti, meu filho! Ele é, nada mais, nada menos, do que Wickmunke25!

 

Matoskah levantou-se, chocado!

 

- O quê? Não pode ser possível!

 

Wickmunke aproximou-se.

 

- Assim é, como diz o nosso amado Chefe Heȟáka Sápa. Eu vim até ti para te ajudar a superar estas provas, querido Matoskah. Os Grandes Espíritos desejam que tu faças os testes para criares a tua tribo…

 

- E nós consideramos que estás na altura certa para os fazeres! - afirmou o Grande Chefe, com um sorriso.


- Não! Não! Não! Como é que tu podes ser ele? - gesticulou Matoskah, muito assustado! - Tu não podes ser ele! Tu és de carne e osso!

 

Os homens à volta deles riram-se com gosto. Por vezes, as tribos indígenas eram abençoadas com dádivas celestiais, como aquela que Matoskah tinha à sua frente!

 

- Eu sou o último guerreiro da minha linhagem e povo, Matoskah! É vontade dos nagi tanka que tu cries uma tribo! Mas para tal, precisavas e precisas de ser testado! Se aceitares e passares no teste, a tua recompensa será recuperares o dom de escutar, o dom de falar e também outras honras, como a de criares uma tribo, assumindo o título de Chefe dessa mesma tribo!

 

Os guerreiros ali presentes urraram, felizes! Matoskah observou o rosto de todos e viu que neles havia um orgulho imenso! Admirado, ele gesticulou:

 

- Mas tu és mesmo… Ele? Então… No funeral do Jules…

 

- Sim! Tu viste mesmo o teu ciyé, Tatanka! Eu permiti que todos os humanos lá presentes vissem os jovens que têm perdido as suas vidas repentinamente, naquela cidade amaldiçoada! Usei o teu irmão Takoda como canal para o fazer. Ele dará um grande wicasa wacan, quando chegar a hora! 

 

O Grande Chefe aproximou-se de Matoskah e explicou:

 

- Filho, ninguém vai obrigar-te a nada! No entanto, se quiseres recuperar a tua audição e a tua voz, tu terás de aceitar o teste que os nagi tanka te lançaram!Só assim poderás voltar ao normal! Não há nada neste mundo que te cure, a não ser isso!

 

Sentindo-se pressionado, Matoskah sentou-se, desanimado. Tinha medo de falhar! Era uma enorme responsabilidade! Lembrou-se de tudo o que já lhe tinha acontecido. Agora que pensava nisso, ele sempre fora talhado para aquilo. Desde pequeno que lhe diziam que um dia ele seria chefe de uma tribo. E não era verdade que, meses antes, ainda o Jules não tinha morrido, Matoskah começara a receber treino especial, nas florestas de Grace Falls?

 

O rapaz fungou.

 

Levantou a cabeça para o céu.

 

Fechou os olhos e pensou:

 

- “Ciyé Tatanka, ciyé Jules, ajudem-me! Ajudem-me a superar este desafio que os nagi tanka me colocaram no caminho!

 

Não tardou para que Matoskah escutasse um rugido, que vinha das Montanhas Brancas, umas montanhas cujos picos estavam cobertos de neve o ano inteiro e ficavam a noroeste da Reserva.

 

Era o rugido do urso pardo, o animal que o protegia. Com um sorriso, Matoskah levantou-se e olhando para o Chefe Heȟáka Sápa, ele gesticulou:

 

- Eu aceito o desafio! Cuidem do meu irmão Takoda, pelo tempo que eu precisar de estar ausente!

 

Os guerreiros ameríndios levantaram-se e dançaram à volta da fogueira, exultantes! A estes festejos seguiram-se, mas Matoskah já não teve oportunidade de assistir a esses. Wickmunke pegou nele, colocou-o em cima de um belo cavalo e sentou-se atrás dele. Antes de partirem, explicou-lhe rapidamente:

 

- Eu vou levar-te para o local onde tu serás testado. Vamos num só cavalo porque não podemos correr o risco de sofreres mais acidentes!

 

Acenando com a cabeça, Matoskah sorriu para o guerreiro misterioso. Não sabia explicar o porquê, mas sentia uma grande confiança nele, apesar de mal se conhecerem. O homem emanava uma força e uma energia extremamente boa e positiva! Foi assim que, instantes depois, entre palmas e urros, os dois guerreiros partiram, rumo ao pôr-do-sol.



·


*Entretanto, em Grace Falls…*


Depois de tentar sacar mais informações a Théo e este não se mostrar muito disponível para falar no assunto, Bianca tinha decidido visitar Michelle, a ex-namorada de Jules, na esperança de que esta lhe pudesse fornecer alguma pista. No entanto, a conversa com Michelle fora bastante formal. Ela ainda guardava ressentimentos em relação a Jules, por este ter acabado com ela, no ano anterior.

Ainda assim, Bianca ficou a saber que Jules realmente mudara desde a chegada de Matoskah à cidade. Soube que Jules tinha ficado muito fragilizado com a morte de Daniel, um dos seus amigos de longa data e que Jules tinha conta noutra rede social para além do Criss-Cross. Bianca agradeceu a ajuda e pensou que haveria de investigar tudo isso, com calma, quando estivesse em casa. Pelo caminho, lembrou-se de parar em casa de Shappa, a fim de a colocar a par das novidades.

- Tens a certeza de que não queres ficar cá em casa hoje, Bianca? Com o Chayton de regresso ao trabalho em Washington e os meus filhos longe daqui esta casa fica um bocado silenciosa…. Silenciosa demais… Já sinto muitas saudades de ver e ouvir o meu Takoda a correr por aqui… - suspirou Shappa, um pouco triste.

Bianca teve uma ideia.

- Ó Shappa, porque não vem jantar lá a casa? O meu pai também regressou ao trabalho, a Maurice está de férias, agora sou só eu e a minha mãe! Pelo menos assim não janta sozinha! Venha daí!

- Ohhh, não quero incomodar, filha!

- Não incomoda nada! Venha daí! - rematou Bianca, com um sorriso.

Shappa acabou por aceitar o convite. Foi à arca congeladora buscar um saco onde tinha um lombo e depois foi à garrafeira buscar um bom vinho. Passados alguns minutos, ela e Bianca estavam a entrar em casa desta.

- Que estranho…. Está tudo apagado… - comentou Bianca, ao abrir a porta. - Será que a minha mãe saiu?

Ao acender a luz da sala, Bianca reprimiu um grito! A sala estava virada do avesso! Shappa pôs-se em alerta de imediato, enquanto Bianca correu pela casa! Todos os quartos e divisórias tinham sido remexidos! No quarto de Jules, o computador de secretária desaparecera! No quarto dela, tinham remexido nas roupas. No quarto dos pais a mesma coisa. No andar de baixo, a porta de vidro que dava acesso ao jardim interior estava partida. A casa tinha sido assaltada! Bianca começou a gritar pelo cão, Joker. Temendo o pior, Shappa seguiu atrás dela para o jardim ao lado da piscina, onde se depararam com o animal inanimado e numa posição estranha.

- Joker! Nããããããooooo! Joker!! - guinchou Bianca, horrorizada!

Quem assaltara a casa tinha partido o pescoço ao animal. Bianca gritava desesperada! Shappa telefonou logo para a polícia e não demorou muito para que estes aparecessem para saber o que se passava. Bianca estava muito nervosa. Ligou para o pai, mas este deixara uma mensagem de voz a dizer que estava em reunião e não podia ser contactado. Ligou para a mãe, mas esta tinha o telemóvel desligado!

Enquanto Shappa se escondeu na cozinha e preparava algo para acalmar Bianca, esta encontrou o bilhete de Laura. No bilhete, a mãe dizia que tinha ido sair com amigas e não sabia a que horas regressaria. Bianca ficou com um mau pressentimento! De imediato, ela insistiu com os polícias que tomavam notas sobre o assalto:

- Por favor, senhores, anotem aí a ocorrência sobre o desaparecimento da minha mãe, Laura Sullivan! Eu sinto que isto está relacionado com o assalto à nossa casa!

Um dos polícias sorriu para o outro, divertido.

- Menina, a sua mãe deixou um bilhete a dizer que foi sair com amigas. É provável que quem assaltou a vossa casa estivesse à espera de uma oportunidade para o fazer! É do conhecimento geral que o seu paizinho regressou ao trabalho e a sua governanta está de férias.

O outro polícia prosseguiu:

- Além disso, a sua mãe é adulta. Nós só podemos lançar um qualquer tipo de aviso após 48 horas sem ela dar notícias! E ainda assim, é preciso haver motivos fortes para tal!

Bianca ia abrir a boca, mas controlou-se! Ela queria dizer que sim, que havia motivos, mas não podia levantar suspeitas! Estaria tudo relacionado entre si? Parecia-lhe coincidência a mais, mas pelo que se apercebera, a única coisa que tinham levado era o computador de Jules! Porquê que alguém se tinha dado ao trabalho de assaltar a casa deles para roubar apenas um computador e deixarem para trás dinheiro e jóias?

- Provavelmente porque quem assaltou a vossa casa queria algo que o Jules tinha na sua posse ou sabia… - comentou Shappa, depois dos polícias terem abandonado o local.

- Shappa… Você está a sugerir…. Aquilo que eu penso?!? - perguntou Bianca, atónita.

- É provável que sim.

Shappa telefonou para Agatha e esta não tardou a aparecer. Bianca explicou o que acontecera. As três mulheres fecharam a casa toda e saíram dali pouco depois. Agatha concordou com Shappa e Bianca. Era muito provável que aquele assalto tivesse algo a ver com a Mão Divina. Restava saber o quê. As três mulheres foram para a loja de Agatha e certificaram-se que ninguém as tinha visto a entrar. Pegaram no portátil e no diário de Jules e entraram no carro de Shappa. Bianca, de repente, lembrou-se de algo que Michelle mencionara.

- “O teu irmão mudou muito, com a chegada do Matoskah. Eles andavam sempre juntos.

Ela preparava-se para falar quando se recordou do que Théo lhe havia contado no dia em que fora jantar com ele:

- “Houve um tempo, mais tarde, em que ele andava feliz da vida, quando aqueles indígenas vieram viver para a cidade…

Bianca virou-se para Shappa e perguntou:

- Ó Shappa, diga-me… Qual é a data de nascimento do Matoskah? E a do Takoda?

- O Matoskah faz anos a 3 de Dezembro e o Takoda faz anos a 21 de Março, porquê?

- Agatha, deixe-me ver o diário, por favor… - pediu Bianca, cheia de esperança.

A médium passou-lhe o diário para as mãos.

- Como foi que eu não me lembrei disto antes? - perguntou Bianca, para si mesma.  

- Bianca? O que se passa? - questionou Shappa, curiosa.

Bianca pegou no cadeado do diário. Tentou várias combinações, sem sucesso. Com ar confiante, exclamou:

- Se esta combinação não funcionar, olhem, rebentamos com a porcaria do cadeado!

Shappa e Agatha olharam para Bianca, que sorriu para elas, nervosa. Ela marcou no cadeado:


3-1-0-3


*Click!*


- Ohhhhh! Tu conseguiste! Descobriste a combinação do diário! - guincharam Shappa e Agatha, perante uma Bianca emocionada e com um grande sorriso nos lábios!

- Finalmente, vamos descobrir o que o meu irmão andou aqui a escrever!

Não muito longe dali um vulto observava tudo, através de uns binóculos militares. Estava intrigado com o facto de Shappa, Bianca e Agatha estarem a conversar dentro de um carro há tanto tempo, tanto que os vidros já se encontravam bastante embaciados! De repente, o telemóvel que tinha no bolso vibrou. Tinha recebido uma mensagem, que dizia:


Salvé!
O Messias já se encontra entre nós!
Está muito satisfeito com o trabalho!
Temos de avançar com o Plano Original!
~ Mão Divina ~


- Graças a Deus! - comentou o vulto, esfregando as mãos, enquanto observava o computador de secretária que tinha ao seu lado. - Já estava a ficar farto desta pasmaceira!



Nota do Autor:

25 - Deus Arco-Íris;


[Continua...]

2 comentários:

  1. Sua trilhas musicais são espetaculares ...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Paulo!
      Tenho procurado encaixar músicas que se adequem aos momentos da história, para que esta se torne mais sensorial e provoque emoções em quem lê. :)

      Eliminar

Previsão Astrológica da Véu Encantado - Maio 2024

Maio traz consigo uma atmosfera mais tranquila em comparação a abril, período marcado por sinais de turbulência e mudança. No entanto, é nec...