22 abril 2021

Escrito nas Entrelinhas: Parte 2 ~ Capítulo 17

 


Capítulo 17


- Isto é assustador! Quanto mais investigamos mais nos apercebemos do quão grande isto se está a tornar! - gemeu Bianca, assustada.

- É por isso que eu e a Shappa temos demorado muito para avançar nas investigações. Temos dado com tantos becos sem saída, que nem imaginas! Além de podermos estar a lidar com “copycats”, sabes? Imitadores não faltam neste tipo de situações… - suspirou Agatha.

- Para além do que já falamos…. Existe desconfiança em todo o lado, sabes? Estamos a pisar um terreno muito perigoso… E não sabemos em quem podemos confiar! - rematou Shappa.

Agatha levantou-se.

- Eu agora tenho de ir. Preciso de manter o meu disfarce, mas ao mesmo tempo, preciso de me reunir com os membros do Departamento de Defesa que enviaram para cá…

Shappa seguiu-se-lhe.

- Pois, eu também tenho de me encontrar com o meu chefe, para fazermos um ponto da situação… Tu ficas bem, Bianca?

- Fico…. Acho que vou ler mais um bocado do diário do meu irmão, a ver se avançamos com isto, não é? Ainda temos muitas páginas para ler! - exclamou Bianca.

- Sim, é o melhor a fazer, sim! Faz isso e toma nota do que achares pertinente! Amanhã ou assim combinamos algo! Até breve! - remataram Agatha e Shappa, fechando a porta atrás de si.

Bianca foi à cozinha preparar alguma coisa para comer. Estava terrificada com todos os pensamentos que lhe vinham à cabeça. Como poderia Jules ter vivido tão atormentado e mantido sempre um sorriso nos lábios?

·


*Não muito longe dali…*


- Estou? Quem fala? - perguntou um vulto, que observava a casa de Bianca.

- “Daqui fala Messias. Congratulo-me e congratulo-te a ti! Viva a Mão Divina!” - respondeu uma voz metálica, ao telemóvel.

- Deus! És tu?! - gemeu a primeira voz, emocionada!

- “Sim, sou eu! Estou muito feliz com o teu trabalho! Parabéns! Estás a ir muito bem! A tal rapariga, como é que se está a portar?

- As informações que tenho é que ela se uniu à médium da cidade e à mãe dos índios para trabalharem juntas na descoberta do que aconteceu com o irmão da Bianca. E pelos vistos elas ainda não conseguiram saber grande coisa… Mas estão a caminhar a passos largos para tal.

- “Essa miúda é perigosa. Mas se lhe tirarmos as amigas, será mais fácil destabilizá-la ainda mais. Segundo sei, já não lhe falta muito para quebrar, certo?

- Sim, a medicação está a fazer os efeitos que se pretendiam. Ela mesmo que descubra alguma coisa, não vai longe!

- “Óptimo… Ainda assim, resolve o problema da Agatha… Essa mulher é uma valente pedra no nosso caminho! Ela dá-se com gente importante! Quero o assunto arrumado nos próximos dias!

- Não se preocupe! Eu vou tratar dela pessoalmente! - rematou a segunda voz, com um sorriso diabólico, antes de desligar a chamada. - E depois disso, tratarei de ti, minha querida Bianca…


*1 de Agosto de 2017*


- Olá bom dia! Queria falar com o senhor Thomas, ele está? - perguntou uma mulher baixinha, de cabelos castanhos.

- Olá bom dia, senhorita Andrews! O Senhor Thomas vai recebê-la já! - exclamou uma funcionária da agência de seguros, enquanto colocava lipgloss disfarçadamente nos lábios.

- Ohhhh, pode-me emprestar o seu? - perguntou a mulher, pedindo o lipgloss emprestado à funcionaria, que se chamava Ivonne. - Com a pressa, não coloquei o meu hoje!

- Com certeza, aqui está! - declarou Ivonne, levantando-se e entregando o lipgloss a Wilma Andrews, viúva de James, o director da televisão GFNews.

- Senhorita Andrews! Mas que prazer! Quer dizer… - comentou Thomas, um senhor cinquentão com ar bastante charmoso. - Lamento que nos tenhamos de encontrar sob as actuais circunstâncias…  Traga-nos cafés, Ivonne!

- É para já, senhor!

Ivonne levou os cafés e passados alguns minutos pediu a Thomas para regressar a casa, pois não se estava a sentir muito bem. Thomas, que estava prestes a começar uma conversa importante com Wilma, aceitou logo e dispensou a empregada.

- Então, senhorita Wilma, em que a posso ajudar?

- Bom…. Você sabe que o James e eu não estávamos a passar uma fase fácil no nosso casamento…

- Claro, claro…. Sei sim! Mas… Fases menos boas acontecem em todos os casamentos!

- Exacto! Ainda bem que compreende! A morte do James, assim, foi tão inesperada… Eu ainda não sei bem o que fazer da minha vida…

- E procurou-me porquê, senhorita?

- Bom… Eu sei que o James tinha uma apólice de seguro de vida… E eu gostaria de a resgatar, senhor Thomas…. Quero ir-me embora desta cidade maldita! Não tenho lá muito boas recordações desta cidade…

- Sim, eu sei, compreendo perfeitamente o que sente, senhorita! Deixe-me consultar os dados bancários sobre o seguro dele aqui no computador!


·


Thomas sentou-se em frente do computador e introduziu os dados da apólice de seguros de James. Passados alguns instantes, ele fez um ar surpreso e fungou. Olhando para Wilma, ele disse:

- Minha senhorita... Isto vai parecer estranho, mas… O seu marido deixou caducar o seguro. Faz mais de seis meses que ele não pagava o prémio do seguro e o seguro dele caducou!

Wilma levantou-se, indignada!

- Você só pode estar a brincar comigo, Thomas!

- Eu vou tirar um extracto para a senhorita ver com calma! O seu marido pelo que vejo aqui, fechou recentemente todas as contas bancárias! Ele deve ter transferido o dinheiro ou assim! Seja como for, aqui tem os documentos relativos ao seguro dele!

Zangada, Wilma ainda foi queixar-se a Joanne, a dona do banco, mas não havia nada a fazer. Desesperada, frustrada e enraivecida, Wilma entrou no carro, seguindo em direcção ao lago. Queria gritar tal era a raiva que sentia. James tinha-lhe passado a perna!

Estava ela já sentada nas margens do lago, quando de repente, começou a sentir-se mal. Não sabia porquê, mas estava a asfixiar! Ainda tentou ligar a pedir ajuda, mas não foi a tempo. Não demorou muito para que Wilma Andrews caísse morta, à beira do lago.

Bianca adormecera pouco depois de Shappa e Agatha terem ido embora na noite anterior, tendo muitos pesadelos. Ela sentia que a medicação que Joshua lhe tinha receitado não estava a fazer grandes efeitos, mas ainda assim, decidiu continuar a tomar. Ela sabia que por vezes a medicação levava o seu tempo a fazer efeito. Não estava com grande disposição para continuar a ler o diário do irmão. No entanto, como sabia que era importante, pegou no diário e prosseguiu a leitura.


*Diário de Jules, Página 61*


Tinham passado exactamente duas semanas desde o meu aniversário, quando a mãe do Daniel me chamou para ir a casa deles. Ela cruzou-se comigo na rua, nessa manhã e disse-me que o Daniel tinha deixado algo para mim no quarto dele.

Fiquei intrigado. O que seria?

No final das aulas desse dia, ganhei coragem e fui a casa dos pais do Daniel. Não queria nem por nada incomodá-los. Sabia que muito provavelmente o Daniel tinha falado com eles que eu e ele já não nos falávamos…

A mãe dele foi de uma enorme simpatia quando me recebeu. Insistiu que eu entrasse. Depois de muito choro à mistura, abraços e fungadelas, ela explicou-me que o Daniel se tinha suicidado mesmo. Ele tinha deixado uma carta aos pais, onde explicava que já não aguentava mais viver. Não explicava os motivos, só dizia que a vida tinha perdido todo o sentido. Pedia-lhes desculpas, bem como aos amigos e escreveu que deixara outra carta para mim. E na carta que deixou aos pais, ele pediu à mãe para me entregar a carta pessoalmente, pedindo-me perdão por o que fizera…

Eu fui-me completamente abaixo com aquilo. A senhora entregou-me um envelope e eu pedi para me vir embora. Queria chorar, queria gritar, queria ficar sozinho. A mãe do Daniel aceitou, claro e eu vim a correr para casa ler a carta do Daniel, que afixei na página seguinte deste diário...


Bianca virou a página e lá estava uma carta escrita à mão, anexada.


Querido Jules,

Não sei quantas vezes pensei em escrever-te desde que se passou aquilo no Verão, há uns tempos atrás. Fiquei tão triste, mas tão triste, que não tens noção.

Sei que te magoei. Sei que te magoei muito.

Eu juro por tudo o que há de mais sagrado que não tinha nenhuma intenção de te magoar. Quis abraçar-te, quis beijar-te, para te mostrar que eu te compreendia. Que eu estava ali e sempre estaria. Estaria sempre presente, para todos os momentos, mesmo aqueles em que precisavas do teu silêncio. Aqueles momentos em que eu sei que te odiavas a ti mesmo pelo que sentias.

Eu descobri muito cedo que era gay. Tu foste o primeiro rapaz com quem fiz algo. Foi especial, ter tocado no teu corpo, ter apreciado o teu crescimento, ter-te amado como nunca amei ninguém antes, nem depois de ti.

Tudo em ti me encantava.

Desde pequeno que me fascinava o teu olhar, os teus cabelos vermelhos, o teu sorriso caloroso. Sonhava há muito com o momento em que os nossos lábios se tocassem, de verdade.
  
Até que, naquele fatídico dia, as nossas hormonas começaram a despertar velozmente. Deixamo-nos levar pelo desejo e pelas emoções. Beijamo-nos, exploramos o corpo do outro. Foi tudo tão bom! Nesse dia, eu tive a certeza de que estava apaixonado por ti! Que te amava e que viria a amar pelo resto dos meus dias!

Não demorou muito para que me rejeitasses. De início pensei que estavas confuso, mas depois caí em mim: tu não gostavas de mim. Só me vias como teu amigo e nada mais… As coisas chegaram a tal ponto que no início da escola desse ano, quando eu tentei uma última aproximação, tu empurraste-me com força e disseste que não me querias falar mais.

Isso doeu até hoje, querido Jules.

Se soubesses o quanto lamento e condeno-me por ter sido tão egoísta, por só ter pensado em mim…  

Eu tentei, nos meses seguintes aproximar-me de ti…. Tentei várias coisas, mas não tive sorte. Acabei por me cruzar com outras pessoas e com o passar dos dias, que se tornaram semanas e mais tarde, semanas que se tornaram meses, fui ultrapassando a dor, com a ajuda da Dra. Mariza e do Dr. Joshua. Eles sugeriram que eu criasse algo onde expressasse o que sentia por ti, como um diário ou assim. Eu optei por criar uma canção… Nunca a mostrei a ninguém…. Deixo-te aqui o ficheiro só para tu escutares…. Espero que gostes, meu querido e amado Jules.



·


[Daniel]

Eu não sei como amá-lo
O que fazer, como movê-lo
Eu tenho mudado, sim eu realmente mudei
Nestes últimos dias
Quando eu me vi
Eu parecia outra pessoa

Eu não sei como encarar isso
Eu não vejo o porquê dele me mover
Ele é um homem
Ele é apenas um homem
E eu tive tantos
Homens antes
De muitas maneiras
Ele é apenas mais um

Devo levá-lo para baixo?
Devo gritar e gritar?
Devo falar de amor?
Deitar os meus sentimentos cá para fora?
Eu nunca pensei que eu iria chegar a isto!
O que é isso tudo?

Ainda
Se ele dissesse que me amava
Eu estaria perdido
Eu ficaria assustado
Eu não poderia lidar
Apenas não poderia lidar

Eu viro a minha cabeça
Eu recuo
Eu não quero saber!
Ele assusta-me!
Eu quero-o tanto!
Eu…. Amo-o.... Tanto!


Um beijo e um abraço, com saudades de um tempo que nunca vivemos! Perdoa-me, mas não aguento mais! Vou acabar com a minha vida, porque sem ti, a minha vida já não faz sentido!

Amar-te-ei para sempre, Jules Sullivan!

Do teu, 

Sempre,

Daniel Masters”



Bianca levantou os olhos do diário!




- Ó meu Deus! Jules…


*Diário de Jules, Página 73*


Fiquei podre com a carta do Daniel. Ele era tão lindo, tão especial! Como é que eu fui tão estúpido?

Odeio-me!
Odeio-me!
Odeio-me!

Fui tão cabrão! Porquê???

Tenho chorado imenso todos os dias…. Sinto-me tão culpado pela morte do Daniel! Quem me dera poder voltar atrás no Tempo e consertar as asneiras que eu fiz!

Daniel…. Prometo-te que um dia me juntarei a ti e viveremos um amor sem fim!

Um amor pela eternidade!

A Maurice bem que diz que só damos valor às coisas quando as perdemos. E foi precisamente isso que aconteceu comigo…. Só percebi o quanto eras importante para mim depois de te perder… 

Como fui capaz de te fazer isto?

De agora em diante, vou lutar para ser feliz, seja do jeito que for!

E a ti, Daniel, tu que foste o rapaz a quem dei o meu primeiro beijo, a quem toquei verdadeiramente o coração e quem me tocou a mim, espero que me perdoes por todo o sofrimento que te fiz passar!

Sei que agora não há nada a fazer, mas quero que saibas que estes cortes que estou a fazer agora nos pulsos são a minha penitência pelo que te fiz sofrer! Tu não merecias ter morrido assim! Não é justo!

Não é justo, caralho!!!

Se um dia te vir novamente, quero dedicar-te esta canção…

E espero que sejas capaz de me perdoar por tudo, Daniel…



·

[Jules]

Tu, que eu agora sei que amo, estás a deixar-me, 
Apesar de eu ainda não ter dito uma palavra em minha defesa!
Tu disseste que me amavas, que querias ser feliz comigo,
Mas eu não fui capaz de te dizer uma palavra, implorando para que ficasses!

Depois daquilo, eu olhava para ti com uma expressão triste,
Negligenciei-te com a desculpa de estar ocupado!

Eu não sabia, eu não sabia como amar!
Porque eu não sabia como abraçar-te carinhosamente!
Eu não sabia que um coração tão suave como o teu, poderia cair e desfazer-se!
E sem pensar, eu afastei-me de ti!

Eu deixei-te sozinho!
Dizer agora: “Eu sinto muito!”
Parece-me estranho! 
Parece que passei pela tua vida sem perceber o quão importante eras para mim!

Mesmo que conheças outras pessoas,
Eles provavelmente serão melhores do que eu!
Por isso é que estou a deixar-te seguires em frente,
Porque, mesmo que eu conheça outras pessoas, elas nunca serão como tu!
É por isso que eu não posso apagar-te da minha vida!

Tudo o que restou foi um coração arrependido!
Tudo o que eu posso dizer agora é adeus…
Mesmo que o meu coração esteja a chorar…

Mesmo que agora eu saiba
Mesmo que agora eu saiba como amar,
A pessoa que eu quero amar, já não está mais aqui!

Este foi um amor que trouxe apenas lágrimas e sofrimento!
Espero que esqueças o que sentes por mim e sejas feliz a qualquer preço!

Todos os dias, enquanto choro,
Enquanto tudo o que me resta é rezar por ti!

Na próxima vida, eu espero que tu sejas o meu primeiro amor!
Na próxima vida, eu espero realmente entender o amor!
Se eu te reencontrar novamente, volta para mim, volta para os meus braços,
Para que nós tenhamos bons sonhos!”



Bianca levantou a cabeça, lavada em lágrimas! O irmão mostrava uma profunda sensibilidade que ela nunca tinha conhecido nele!


*Diário de Jules, Página 123*


Hoje, eu e o Matoskah voltamos a discutir.

Pensei que tudo fosse diferente, mas parece-me que eu sou realmente muito “verde” para certas coisas. Desde o aniversário dele que tudo ficou diferente. Eu sabia que estava apaixonado por ele, a noite da celebração dos anos dele com os amigos dele foi incrível!

Em todos os sentidos. 

Ainda sinto dores daquilo que fizemos…

Não sei, mas tinha ideia de que tudo seria diferente…. Sei lá…. Pensei que ele e os restantes fossem mais românticos…. Levaram tudo naquela noite com tanta naturalidade, beijaram-se, amaram-se ali, sem preconceitos…

Só eu é que continuei com macaquinhos na cabeça…

Não fui capaz de ver para além do óbvio.

Queria o Matoskah só para mim. 

Amava-o de uma forma que nunca me tinha feito sentir com ninguém - talvez com o Daniel. Mas, nessa altura, eu estava a tentar esquecer o Daniel. Gostava dele, mas como poderia tê-lo, agora que ele tinha morrido?

Entregar-me assim foi um erro. 

O Matoskah não analisa, não vê as coisas como eu vejo. Ele continua a ser dos amigos dele, continua a ser do irmão, que ele tanto ama… Não sei, mas pensei que quando finalmente fizéssemos amor, tudo seria mais fácil… 

Não foi.

Acho que romantizei demasiado. Acho que esperei ou criei demasiadas expectativas.

Quer dizer, vendo agora em retrospectiva… 

Foi bom. 

Foi agradável.  

Com o tempo, percebi que o Matoskah só queria fazer aquilo, não queria mais nada… E isso chateia-me. Eu quero algo mais para além daquilo. Quero tê-lo do meu lado como companheiro, mas ele recusa-se a isso. Diz que é um homem livre e que assim continuará. Que ele e os amigos são livres e que se amam daquela forma desde pequenos. Que não compreende as minhas necessidades. Que não percebe o que eu quero, já que ele me dá tudo o que tem.

E quanto a isso, não posso negar…

Ele dá-me mesmo com tudo, lol! xD

Agora, ele foi ter com os restantes à Reserva Indígena. Ficarão por lá algum tempo e eu aqui sozinho…. 

Sinto-me pessimamente.


Bianca fechou o diário, abismada! Jules e Matoskah namoravam? Será que Shappa sabia disso? De repente, o telemóvel de Bianca tocou. Esta atendeu.

- Sim?

- Bianca Sullivan?

- É a própria. Quem fala?

- Daqui fala do FBI! É para lhe comunicar que o corpo da sua mãe foi encontrado! Encontre-se com a doutora Shappa daqui a dez minutos! Ela passará em sua casa para você reconhecer o corpo!


[Continua...]

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