28 abril 2021

Escrito nas Entrelinhas: Parte 2 ~ Capítulo 18

 


Capítulo 18

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Shappa não tardou a chegar.

Bianca entrou no carro e ambas partiram, em direcção da morgue do hospital da cidade. Por todo o lado se viam postos de controlo. Chegadas à morgue do hospital, depararam-se com o doutor Joshua a conversar com outro médico, o doutor Tails. Falavam muito baixinho e pareciam debater algo sério. Quando viram Bianca e Shappa, Joshua fez um ar inquisidor e Shappa apresentou as suas credenciais.

- Sou a doutora Shappa Chayton, do FBI. Venho acompanhar Bianca Sullivan para que esta faça o reconhecimento oficial do cadáver da mãe, Laura Sullivan.

Tails e Joshua trocaram um olhar de surpresa entre si, muito rapidamente. Joshua despediu-se, regressando ao seu consultório. Já o doutor Tails agradeceu a Shappa e conduziu as duas até ao local onde o corpo de Laura estava preservado.

- Talvez seja melhor colocar uma bata e uma máscara, Bianca… O corpo da sua mãe já está em alguma decomposição e poderá causar-lhe náuseas… - comentou Tails.

- Eu vou ser forte! Eu tenho de ser forte! - reclamou Bianca.
 
O doutor Tails destapou um cadáver e tal como previa, Bianca foi-se imediatamente abaixo. Laura tinha ainda algumas roupas vestidas, uma grande mancha de sangue no peito e partes do seu corpo em falta, provavelmente por causa de algum animal que a tinha encontrado. Assim que viu o corpo da mãe, Bianca deu um grito, a que se seguiram vómitos. Tinha ficado muito agoniada com a visão do corpo da mãe dela. 

- Só conseguimos encontrar a sua mãe graças à tecnologia que o FBI possui, sabe? O corpo estava preso entre uma saliência muito ingreme e totalmente oculto a olho nu. Felizmente, com as novas tecnologias criadas pela empresa do seu pai, foi possível recuperar o corpo da sua mãe. Lamento imenso que tenha de a ver assim… - rematou Tails, tapando novamente o corpo.

- O meu pai, onde está?

- Ele já falou com o FBI e está a par de tudo. Esperamos o seu regresso a qualquer momento entre hoje e amanhã. - esclareceu Shappa, encaminhando Bianca para fora da morgue.     


Um telefone tocou, não muito longe do local onde se encontravam. Um vulto observava Bianca, através de uns binóculos.

- Estou? Quem fala?

- “Daqui fala Messias…. És tu?

- Mão Divina! Oh sim! Mas que honra voltar a escutar esta bela voz!

- “Estamos a ficar sem tempo. O cerco aperta-se. Ainda não resolveste a missão que te incumbi…

- Peço-lhe inúmeras desculpas! A Agatha tem tido imensa sorte! Mas de hoje não passa! Ela vai ter o que merece!

- “Espero bem que sim, que tu resolvas tudo como deve ser! Não podemos correr mais riscos!

- A propósito…. Sabia que a Shappa trabalha para o FBI? Acabei de a ver a sair da morgue onde a Bianca foi identificar a mãe dela, que apareceu morta!

- “A mãe da Bianca apareceu morta?” - perguntou a voz, admirada.

- Não foi você que a matou? - perguntou o vulto, com curiosidade.

- “Não tinha nada contra essa mulher… Ela foi morta? Em que circunstâncias? Sabes-me dizer?

- Parece que foi alvejada no peito no cume do Pico do Diabo. Pensei que era obra sua…

- “Outra vez? Já te disse que não sabia de nada… As coisas estão a sair do nosso controlo! Espero que resolvas a questão da Agatha ainda hoje!

- Farei o meu melhor! Vou dar à Agatha uma lição que ela não se esquecerá tão cedo! - congratulou-se o vulto, esfregando as mãos de satisfação.



Intrigada com tudo o que acontecera naquele dia, mas ainda pensando no que lera até então do diário de Jules, Bianca ganhou coragem e questionou:

- Como é que estão os seus filhos? Porquê que o seu marido não regressou à cidade, Shappa?

Admirada com a súbita conversa, Shappa ficou pálida e estacionou o carro uns metros à frente. Suspirou. Olhou para Bianca com os olhos brilhantes e respondeu:

- As coisas entre o Chayton e eu não andam lá grande coisa ultimamente. Ele tem tido muito trabalho, mas eu também tenho tido. Ainda assim, eu sempre que posso comunico com a tribo e vou sabendo o que se passa. O Chayton não faz nada. Liga-me, pergunta pelos miúdos e manda beijos para eles. Está sempre a queixar-se do excesso de trabalho que tem entre mãos agora, com o Senador Tieman a governar o nosso país. Não faltam pessoas a querer deitar o Tieman abaixo, principalmente empresários que procuram conquistar as terras dos nossos antepassados. Felizmente, que nesse aspecto, termos o Presidente Tieman é benéfico. Ele tem lançado duras campanhas de protecção dos povos ameríndios. Todos nós lhe estamos imensamente gratos por isso, mas ele tem ganho muitos inimigos dentro e fora da Casa Branca. Eu sei que continuo a ser uma péssima mãe para os meus filhos.

Bianca tentou reconfortar Shappa.

- Ohhh, não diga isso! Tenho a certeza de que tanto o Takoda como o Matoskah são bons miúdos! E para isso também contribui a educação que vocês lhes transmitiram! O meu irmão tem… Quer dizer… Tinha… O Matoskah em grande consideração… Ele gostava muito dele…

Shappa sorriu.




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- Pois é, o teu irmão era um rapaz muito especial. Tinha uma energia semelhante às dos nossos filhos e dos amigos deles. No nosso povo, nós consideramos pessoas como o teu irmão, winkte26.

- Hã? O que é isso? - perguntou Bianca, surpreendida.
  
Shappa retirou uma folha de um caderno e desenhou, para poder explicar a Bianca.
 
 - Na nossa cultura, nós acreditamos que os seres humanos podem pertencer a 5 géneros diferentes: masculino, feminino, transgénero, dois espíritos femininos e dois espíritos masculinos. Os nossos filhos e os amigos com quem eles mais se dão e que já tiveste oportunidade de conhecer, todos eles possuem Dois Espíritos27. Desde cedo que nos apercebemos disso. É, na verdade, uma enorme bênção para uma tribo quando nascem crianças com Dois Espíritos. Cedo nos apercebemos que eles eram assim. E fizemos grandes celebrações!


 

- Espere lá… Como funciona isso? Você sabia que o Jules e o Matoskah tinham um relacionamento? Que eles estavam a namorar?

- Sim, sabia… O Takoda apanhou-os uma vez, a “brincarem” um com o outro, lá em casa. Na altura, o Takoda ainda se assustou, mas depois compreendeu. Quem apanhou um tremendo susto foi o teu irmão. Saiu nesse dia à pressa da nossa casa e esteve sem aparecer durante algumas semanas.

- Então… E o seu marido? O que acha ele de tudo isto? Vocês acham bem? Que eles sejam gays?

Shappa ficou surpresa com o tom de voz de Bianca. Olhando seriamente para a rapariga, respondeu:

- Bianca, quem somos nós para julgar? O teu irmão, como já deu para perceber pelas leituras que fizemos, sofria bastante por causa dessa atitude. Não aprendeste nada com o que lhe aconteceu? Uma mãe sabe sempre. A forma como o Matoskah e os amigos se davam, a forma como olhavam e exploravam o corpo uns dos outros… Eles nutrem um profundo amor uns pelos outros. E isso é, de longe, o mais importante! Eles estarão sempre presentes na vida uns dos outros, até porque cresceram juntos, apesar de cada um vir a governar uma tribo num futuro não muito distante. Mesmo o meu pequeno Takoda anda entusiasmado com o seu primeiro amor. 

- E vocês acham isso certo? Afinal o Takoda só tem 9 anos!

- Como diz o meu filho e muito bem: a idade é só um número. O que realmente importa é o que sentimos no coração. Ele precisa de experienciar e vivenciar, para saber o que realmente quererá no futuro. Tal como o teu irmão fez, tal como o Matoskah e os restantes fazem. Sabes, Bianca? Se a vossa cultura se permitisse viverem mais em prol de vocês mesmos e não tanto para as expectativas que vocês criam uns para os outros, a favor de uma ilusão de sociedade, vocês seriam muito mais felizes. Acredita em mim.

- Ainda me custa a acreditar que o meu irmão fosse assim…. É como se ele fosse uma pessoa completamente diferente daquilo que eu conhecia! - confessou Bianca, por fim.

- Custa-te a acreditar porque tu tens ideias erradas sobre o amor e a entrega a outra pessoa, minha querida. Espero sinceramente que consigas adaptar-te à realidade, porque serás muito, mas muito mais feliz se o fizeres. O teu irmão não deixa de ser quem era só por causa de um aspecto da sua essência. O que ele faz com outras pessoas dentro de quatro paredes… Isso só a ele lhe diz respeito. Tens que respeitar. Agora é o momento certo para mudares a forma  como o vês, se conseguires aceitar isso! Ele amava profundamente o Matoskah. O meu filho gostava dele, tal como gosta do Takoda e dos restantes. O Takoda também é um winkte26. Os restantes possuem dois espíritos que coabitam harmoniosamente uns com os outros, daí a proximidade entre todos eles.

- Olhe lá… E como está o Matoskah? Tem tido notícias dele?

Aos poucos, o sorriso que Shappa tinha no rosto esmoreceu.

- Eu vou-te contar uma coisa, mas por favor, não partilhes com ninguém, está bem?

- Claro que sim! Pode confiar!

- Então… É assim…. O Matoskah, quando esteve em coma, foi abusado sexualmente pelo doutor Michael. Como se isso não bastasse, os médicos que acompanharam o meu filho na clínica militar sujeitaram-no a testes diversos, entre eles, ao uso de um soro, chamado o Soro da Verdade.

- O quê?!? - inquiriu Bianca, atónita.

- Esse soro contém poderosas substâncias que mexem com o nosso sistema nervoso, mas que permitem revelar todos os segredos das vítimas. Foram dadas ordens para injectar esse soro no meu filho, com o objectivo de saberem o que sabia ele da Mão Divina e tudo o que ele sabia sobre o Jules.

- Que horror!

- Foi assim que o meu filho acabou ilibado das acusações de que era suspeito. Aquela droga é uma arma letal e infalível. Infelizmente, devido à sua poderosa acção, o soro provoca danos no cérebro, que podem ir desde amnésia até à perda parcial ou total dos 5 sentidos…

- Ó meu Deus! Isso é horrível! E agora?

Shappa olhou para o horizonte, triste. Depois de dar um longo suspiro, prosseguiu:

- O nosso Matoskah teve de partir na companhia de um indígena muito especial. Aquele homem que apareceu no funeral do teu irmão, ao lado do Takoda, lembras-te?

Bianca recordava-se desse momento. Como poderia esquecê-lo? Ela tinha visto Jules e Daniel a dançarem juntos, a sorrirem um para o outro, envergando lindos fatos de cerimónia! Agora que pensava nisso… Ela tinha visto Jules! Será que as outras pessoas também o tinham visto? De imediato, ela partilhou essa lembrança com Shappa que lhe confirmou aquilo que Agatha também lhe havia dito: naquele fatídico dia, várias almas tinham dançado na igreja, entre os vivos!

- Eles estavam tão felizes…! - comentou Bianca, emocionada. - Agora compreendo…! Mas…! E o Matoskah? Existe alguma coisa que possa ser feita por ele?

- O nosso Matoskah está neste momento no Grand Canyon, onde o misterioso guerreiro espera conseguir devolver-lhe os sentidos. Ele terá de passar um conjunto de provas que lhe permitirão criar uma nova tribo e recuperar os sentidos que perdeu. Não existe mais ninguém que o possa curar a não ser este misterioso indígena…. Só ele tem a sabedoria necessária para tal. Ele é o último membro de um dos mais antigos e míticos povos indígenas.

- Você acha que ele vai conseguir?

- Eu quero muito acreditar que sim, minha querida Bianca! Que os Grandes Espíritos acompanhem o Matoskah nesta missão e ele saia vitorioso!



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*Enquanto isso, no Grand Canyon…*


Matoskah treinara dia e noite para as provas que Wickmunke lhe reservara. Quando finalmente se sentiu preparado, ele declarou, de forma efusiva, o seu desejo ao amigo. Wickmunke congratulou-o e explicou-lhe que ele iria ser testado de diversas formas e que se passasse todas as provas que tinham sido preparadas para ele, ele estaria apto a recuperar os sentidos bem como a tornar-se o líder de uma nova tribo! Animado com essas perspectivas, Matoskah empenhou-se ao máximo.

Na primeira prova, ele teve de subir um penhasco bastante ingreme e trazer do topo um objecto que o seu amigo deixara lá em cima - um cocar lindo, cheio de penas nas sete cores do arco-íris. Era o cocar de Wickmunke.

Na segunda prova, Matoskah teve de enfrentar um grande urso branco. Era uma luta de morte! Matoskah queria evitar o confronto físico com o seu próprio espírito animal, mas tal não lhe foi possível. Depois de ser bastante atacado e ficar em risco de vida, tal como acontecera com o seu irmão, ele viu-se obrigado a usar de toda a sua força, determinação e empenho para derrotar o grande urso branco. Como este apresentasse uma força e resistência fora do normal, Matoskah impregnou os seus melhores golpes, mas ainda assim, o urso branco regressava sempre para lutar mais.

- Tu tens que o derrotar com um golpe final! Ele voltará sempre, a menos que tu aceites que tens de lhe dar o golpe fatal com vista à tua sobrevivência! - gesticulou Wickmunke, com ar zangado.

- Não lhe quero fazer mal! Não o posso matar!

- Tens de fazê-lo! És tu ou ele!   

Matoskah fugiu a correr e escondeu-se do urso branco. Chorou em silêncio, ciente que o próximo confronto com este seria o último. Pediu desculpas aos Grandes Espíritos porque iria tirar uma vida. Em resposta, ele escutou no seu coração:

- “Mitakuye Oyasin, Matoskah!

Chorando e urrando emocionado, o rapaz saiu do seu esconderijo. O grande urso branco não estava muito longe. Cheio de compaixão pelo animal, Matoskah aproximou-se sorrateiramente e com um golpe certeiro, abateu o animal, partindo-lhe o pescoço.

- Muito bem, muito bem! - congratulou-se Wickmunke. - Eu sei que não foi uma prova fácil, mas graças a isso, teremos alimento para o resto do tempo que aqui passaremos! Além disso, poderás usar a pele do urso na tua nova capa! Os Grandes Espíritos vão impregnar a sua força nessa capa!

E assim, durante os dias seguintes, os dois indígenas cuidaram com muito carinho dos restos do urso branco, o animal sagrado de Matoskah. Criaram uma linda capa que Matoskah podia carregar consigo, leve e fácil de usar. Quando a colocou, Matoskah assemelhava-se muito ao seu primo Wakinyan, que também usava uma capa com uma cabeça de animal na maior parte do tempo.

A prova seguinte era uma prova física de resistência. Matoskah teve de subir e descer várias montanhas e tentar fazê-lo no menor espaço de tempo. Apesar de estar habituado a escalar montanhas, ele não estava habituado a suportar condições de tempo extremo. Ora apanhava momentos de muito calor, ora apanhava tempestades com temperaturas negativas. Valeu-lhe nesses momentos a capa que tinha confeccionado com a ajuda do seu companheiro de viagem.   

A cada prova que era bem-sucedido, Matoskah sentia que estava mais próximo de recuperar os seus sentidos. Sabia que o pior ainda estaria para vir, mas estava confiante de que conseguiria vencer, fosse lá o que ainda estivesse para vir.

Uma noite, acordou para se ir aliviar aos arbustos. Quando regressou ao local onde estava a dormir, tinha um bilhete a avisá-lo que para a próxima prova, ele teria que pescar um esturjão. Teria de o dominar e capturar. Admirado, o rapaz foi para um lago onde preparou o isco e o lançou à água.

Durante algumas horas, mesmo apercebendo-se de uma sombra que nadava nas profundezas do lago, Matoskah não teve sorte. O peixe não mordia o isco. Decidido a capturá-lo, ele lançou-se à água e mergulhou. O lago era límpido e muito selvagem. Percebia-se claramente que ainda não tinha sido alcançado pela acção do Homem.

De repente, Matoskah viu o esturjão: era um enorme peixe, com forma alongada, corpo endurecido e bigodes! O esturjão teria pelo menos 5 metros de comprimento! Ele ainda não se tinha apercebido da presença de Matoskah, que decidiu regressar à superfície, para recuperar o fôlego!

Surpreso com o tamanho do esturjão, ele decidiu criar uma armadilha para o capturar, mesmo tendo a certeza de que o animal deveria ser forte demais! Depois de algum tempo a trabalhar, Matoskah mergulhou novamente e partiu em busca do esturjão! Admirado, apercebeu-se que ele não se encontrava na área onde o tinha visto. Qual o seu espanto quando ao virar-se para trás, sentiu uma presença que o observava com bastante interesse: era o esturjão, que olhava para ele como uma saborosa refeição!

Nadando rapidamente para fora dali o jovem Matoskah pôs o seu plano em prática. Desenlaçou uma rede à medida que ia atravessando o lago! Quando percebeu que já tinha dado uma volta ao mesmo e estava a ficar sem fôlego, nadou até à superfície!

O peixe seguia-lhe todos os movimentos! Quando Matoskah correu para a margem do lago, o esturjão saltou para fora de água e foi aí que Matoskah cortou uma última corda que fechou a rede sobre o grande peixe! Este começou a esbracejar e partiu as redes ao fim de várias tentativas! Matoskah viu-se obrigado a usar toda a sua força para lutar e tentar controlar o rei dos esturjões, mas nada o fazia parar! Ele foi arrastado com violência pelo animal, mas usou essa força a seu próprio favor: quando o animal deu uma reviravolta e Matoskah se viu frente a frente, esticou os seus pés para a frente, pontapeando o animal com toda a força na cabeça. Devido ao impacto, ambos foram projectados para a margem do lago, onde Matoskah, por fim, o dominou.

Wickmunke surgiu, instantes depois.

- Que grande peixe que tu capturaste! Parabéns! Não é qualquer um que tem a força e a capacidade para apanhar o rei dos esturjões! Esta será uma façanha que se tornará uma lenda na tua tribo, Matoskah!

- Obrigado! - respondeu Matoskah, por gestos, totalmente esgotado.

- Com esta captura, teremos muito alimento para levarmos na nossa viagem de regresso! Temos de deixar secar a carne e defumá-la. Podemos usar as ovas do esturjão como alimento e nas primeiras trocas de comércio da tua nova tribo, bem como as placas ósseas para fabricar escudos! Para além disso, a cabeça do esturjão será um símbolo de respeito entre aqueles que visitem a tua tribo! Parabéns!

Durante os dois dias, Matoskah não aceitou participar em mais provas. Estava muito esgotado perante os esforços físicos. No entanto, ao aperceber-se que começava, aos poucos, a perder a visão, ele compreendeu que não lhe restavam muito mais alternativas. Quanto mais tempo deixasse passar, pior. 


*31 de Julho de 2017*


Assim, dias depois, ele aceitou a penúltima prova, que consistia num combate físico com Wickmunke. A luta foi muito renhida, mas Matoskah lá conseguiu deitar o companheiro ao chão e sentar-se em cima dele, após várias horas de combate.

- Parabéns Matoskah! Estás a uma prova de passar o conjunto de provas que te estavam reservadas! A próxima prova é a mais importante de todas e também a mais perigosa…

- Em que consiste?

- Saberás quando chegar a hora… No entanto, só saberás quando o momento chegar e não saberás quando será esse momento! Tens de estar com os olhos e a mente bem abertos, o tempo todo!

- Muito bem! Em nome da minha tribo, eu aceito o desafio! - gesticulou o rapaz, com ar determinado.




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*1 de Agosto de 2017*


Agatha acabava de atender o último cliente daquele dia. Com a cidade naquele estado, as pessoas que ficavam na cidade perderam, por fim, a vergonha e acorriam aos serviços de Agatha em busca de protecções, pedidos de ajuda, falar com entes queridos. Nunca o negócio dela correra tão bem. Ela estava a sentir-se particularmente feliz. Quando se  preparava para fechar a porta da sua loja, um vulto surgiu e colocou um pé, para que a porta não fechasse.

- Desculpe, mas por hoje não atendo mais ninguém… Terá de aguardar pelo dia de amanhã, se quiser marcar uma consulta… - respondeu Agatha com delicadeza, apesar de estar um pouco desconfortável.

O vulto fez força e entrou, atirando Agatha ao chão. Fechou a porta atrás de si e de imediato se colocou em cima de Agatha, colocando-lhe um pano embebido em algo que a fez perder os sentidos, poucos instantes depois. Rindo-se divertido, o homem pegou em Agatha e levou-a para a sala onde ela atendia os seus clientes. Deitou-a sobre uma maca onde ela fazia os tratamentos de Reiki e arrancou-lhe a roupa sem dó nem piedade.

Agatha despertou aos poucos, com a vista enevoada e a sentir-se zonza. O vulto estava a baixar as suas calças e no momento seguinte, penetrou-a com toda a força! A mulher gritou e o homem colocou as mãos ao pescoço dela, enquanto falava num tom de voz melífluo:

- Tu andas a portar-te mal, agora está na hora de seres castigada! A Mão Divina vai dar-te o que tu mereces! Ah ah ah ah ah!

- Socorro! Socorro! Alguém…. Me ajude…! - gemia Agatha, com muita dificuldade, enquanto o homem a violava violentamente e mantinha as mãos no pescoço dela, preparando-se para a estrangular!

De repente, um novo vulto surgiu por detrás do violador. Pegando numa bola de cristal que estava numa mesa daquela sala, atingiu o violador com toda a força na cabeça, ao ponto da bola de cristal se partir em pedaços!

- A bola da minha trisavó! - gemeu Agatha, em choque!

O violador revirou os olhos e caiu para o lado, inconsciente.

- A senhora está bem? - perguntou uma voz masculina, por detrás de uma máscara que tinha na cara.

Infelizmente, Agatha desmaiara com as dores que sentia. O segundo homem manietou o primeiro, que aos poucos recuperava os sentidos. Arrancou-lhe o capuz e não pode deixar de exclamar um “Ooohhhh!” de surpresa! O vulto tinha uma tatuagem da Mão Divina!

- Quem…. És tu…? - perguntou o violador.

- Eu sou tu…! E tu és eu…! A Mão Divina! - exclamou o segundo vulto, com alguma surpresa.

Uma expressão de regozijo surgiu no rosto do violador!

- Messias! Eu sabia! Vieste certificar-te que eu cumpria a minha missão! Oh, como estou feliz! Queres matar esta cabra? Vamos matá-la juntos?

O segundo homem virou costas e pegando numa cadeira, partiu-a nas costas do violador.

- Idiota! És um idiota sem miolos! E pensar que…

O segundo homem amordaçou o violador, tapou-lhe o rosto com a máscara e aproximou-se de Agatha que, entretanto, recuperava e tirou-lhe o telemóvel, para pedir ajuda. Agatha abriu os olhos e viu que o homem mascarado a observava, preocupado.

- A polícia e uma ambulância estão a caminho, senhora! Apanhamos a Mão Divina! Boa sorte! Considere paga a dívida que o Jules tinha para consigo! Muito obrigado! Adeus!

O segundo homem virou costas e fugiu a correr. Agatha levantou-se com dificuldades e retirou a máscara que o segundo homem colocara no violador. Fez uma expressão de espanto ao ver o rosto por detrás da máscara. Não era possível! Quando a polícia e o FBI chegaram, de imediato se espalhou a notícia: a Mão Divina tinha sido capturada! 


Notas do Autor:

 
26 - Representa as pessoas que possuem dois espíritos dentro delas, sendo um espírito feminino e outro masculino; Poderia-se traduzir como pessoas transgénero, mas Shappa aqui quis dizer foi que, na opinião dela, Jules e o seu filho Takoda são bissexuais;

27 - Na cultura ameríndia, antes dos jesuítas e os exploradores ingleses e franceses os dominarem, com as suas crenças e idealismos, era frequente os povos indígenas norte-americanos acreditarem que existiam cinco géneros. Desses cinco, dois géneros incluíam pessoas com Dois Espíritos, que podiam ser masculinos, femininos ou um masculino e outro feminino.

As pessoas que nasciam com Dois Espíritos eram muito amadas, respeitadas e valorizadas nas suas tribos. A sua capacidade de verem o Mundo através dos olhos dos dois géneros era visto como um valioso presente dos Grandes Espíritos.

Acreditava-se que estas pessoas tinham o intelecto mais desenvolvido, e por isso, ocupavam posições de respeito, como na Medicina, podendo escolher desenvolver tanto actividades consideradas de mulher, como de homem. Geralmente estas pessoas tornavam-se professores de todas as crianças da tribo e eram muito honradas e respeitadas.

Infelizmente, com a chegada dos jesuítas e dos exploradores ingleses e franceses, os povos ameríndios foram sendo obrigados a optar por apenas dois géneros. Masculino ou Feminino. Quem não conseguia fazê-lo, era obrigado a abandonar as tribos e muitas pessoas acabaram por se suicidar. 


we'wha


We’wha [1849 ~ 1896] [na foto acima], foi uma das pessoas mais conhecidas entre as pessoas Dois Espíritos. Ele pertenceu à tribo Zuni. Biologicamente, era um homem, mas tinha um espírito feminino. We’wha era tão respeitado e inteligente que, em 1886, tornou-se Embaixador dos Povos Nativos Americanos, em Washington. Desconhece-se quantas pessoas Dois Espíritos existem actualmente.


[Continua...]

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