10 abril 2021

Escrito nas Entrelinhas: Parte 2 ~ Capítulo 11

 


Capítulo 11


·


*28 de Junho de 2017*


Shappa cumpriu o que dissera no dia anterior. A meio da manhã, bateu à porta da casa dos Sullivan. Bianca ainda estava a dormir quando Maurice a acordou, dizendo-lhe que Shappa estava na sala à espera dela.

- Maurice, pede-lhe por favor para aguardar! Eu vou vestir-me e desço já!

- Com certeza, menina! Até já!

Bianca correu para debaixo do duche. O dia estava solarengo e quente, pelo que vestiu uns calções jeans e uma t-shirt colorida, enquanto penteava apressadamente os seus cabelos. Minutos depois, ela desceu as escadas e encontrou Shappa a ler o jornal.

- Olá Shappa! Bom dia! Peço desculpa pela demora! Não estava à espera que viesse agora de manhã!

- Olá Bianca! Eu é que peço desculpas! Aproveitei que hoje tinha a manhã livre para vir cá falar contigo. O Chayton está na polícia, a prestar declarações. Como estás, minha querida?

Bianca abraçou Shappa. Sentia-se a ir abaixo a cada dia que passava ali na cidade. Depois de confirmar que não estava mais ninguém nas redondezas suspirou, aliviada. Eddie e Laura também tinham sido chamados a depor na polícia e Maurice estava no jardim a estender roupa. Bianca murmurou:

- Não tenho estado lá muito bem, sabe? Tudo isto está a dar cabo de mim! Tenho muitas questões para lhe fazer, Shappa! O que aconteceu com o doutor Michael?

Shappa, que até então mantinha um ar paternalista, adoptou uma postura austera. Com ar um pouco rancoroso, respondeu:

- O doutor Michael trabalhava como agente do FBI, tal como eu, aqui na cidade. Ele era médico de profissão, daí que usou esse trabalho como disfarce para poder investigar, tal como eu faço. Eu trabalho para um Instituto como pesquisadora e investigadora, mas isso é uma fachada para o meu trabalho real, que é para o FBI. Infelizmente, o doutor Michael tinha uns gostos peculiares, digamos assim… Ele tinha na sua posse dezenas de fotografias com jovens…. Incluindo o teu irmão…

- Sim, isso eu já soube pelas notícias! O que eu queria saber é: de que morreu ele? Ouvi dizer que ele teve uma morte bastante violenta! E, diga-se de passagem, eu acho que foi muito bem feito! - explodiu Bianca, revoltada.

Shappa pigarreou. Ela tinha-se apercebido da revolta de Bianca e não desejava atiçar mais lume para a fogueira. Dando um longo suspiro, prosseguiu:

- Eu, por mais que compreenda e sinta o que queres dizer, devo dizer-te que o doutor Michael teve uma morte horrorosa. Ele foi drogado com metanfetamina…

- O que é isso? - perguntou Bianca, curiosa.

- A metanfetamina é uma substância muito parecida com o ecstasy. Ela provoca euforia, que em alguns casos chega a durar 8 horas, delírios e alucinações. Algumas pessoas tomam esta droga em forma de comprimidos, porque a metanfetamina provoca potência sexual que dura até 30 horas! Trata-se, pois, de uma droga muito mais poderosa que o Viagra! Quem injectou esta substância no Michael sabia o que estava a fazer, uma vez que ele foi amarrado à cama e mantido vivo, enquanto era sedado localmente e ia sendo decepado. Ele ainda estava vivo quando lhe arrancaram, literalmente, os órgãos genitais.

Bianca arrepiou-se. Imaginar o tormento que Michael tinha passado, após aquela descrição, era demasiado para a sua cabeça. Ela estava zangada e revoltada com o médico, mas aquilo era assustador!

- Que horror!

- Quem foi capaz de um crime tão hediondo não vai ficar por aqui, estou certa disso… O que me questiono é sobre o porquê de atacarem o Michael logo agora. Teria ele descoberto alguma coisa importante?

- Você às vezes nem parece que vive neste Mundo, Shappa! - exclamou Bianca, incrédula. - Então a televisão tinha acabado de passar uma reportagem sobre o Michael andar a abusar de uma data de rapazes, incluindo o meu irmão… E você não acha que algum pai ou mãe não teria ficado incomodado com isso? Foi um acto de raiva e vingança! Isso parece-me óbvio!

Shappa acenou com a cabeça.

- Sim, isso eu sei. Mas…. Porquê apresentar este vídeo logo agora? E… Há mais… A questão da Mão Divina…. Supostamente, é essa pessoa que está por detrás do homicídio do doutor Michael…

- Você acha que essa Mão Divina está por detrás do homicídio do Michael? Sabe alguma coisa que me possa contar?

- Não sabemos muito sobre a Mão Divina… Ainda não, pelo menos. O que sabemos é que essa pessoa opera nas sombras. Ela guia os miúdos através de um jogo mental e psicológico, que acaba com eles a cometerem suicídios. Desde que apareceu o primeiro caso, há mais de um ano, que andamos no encalço dessa pessoa! Mas não temos tido grande sucesso…

Um vulto apareceu de repente e comentou:

- Isso acontece porque existem grandes interesses por detrás disto tudo. O próprio FBI está metido nisso…

Shappa e Bianca deram um salto. Estavam tão embrenhadas na sua conversa que não deram pela chegada de uma convidada totalmente inesperada. Era Agatha, a médium da cidade.

- Desculpem se vos assustei! Ainda bati à porta, ninguém me respondeu, mas eu ouvi vozes! Como a porta estava entreaberta, entrei!

Bianca levantou-se indignada!

- Agatha?! O que está aqui a fazer? E entra assim, pela casa das pessoas adentro?!

Shappa levantou-se.

- Na verdade, Bianca, fui eu quem convidou a Agatha a juntar-se a nós. Já vais perceber porquê…

- É bom que sim! Isto está cada vez a ficar mais estranho! O que se passa aqui, afinal?

Agatha sorriu, complacente.

- Minha querida menina…. Tenho a dizer-te várias coisas. Começando pelo que me trouxe aqui… Embora eu seja conhecida como a médium da cidade, na verdade, eu sou uma agente infiltrada.

- O quê?!? Você?! 

Bianca mal podia acreditar no que estava a ouvir! Agatha abriu a sua bolsa e sacou o seu distintivo. 
 
- Como vês, eu sou uma Agente Especial do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos da América!




- Não pode ser! - exclamou Bianca, totalmente incrédula!

- Eu já me informei e posso confirmar-te a veracidade das informações, Bianca. A Agatha é uma aliada que nós temos. E quando me refiro a nós, estou a falar de ti e de mim. Neste momento, estamos por nossa conta e risco… - sussurrou Shappa, com ar sério.

- Mas… Como…?

Agatha sentou-se. Bianca estava nervosa, pelo que Shappa, que já sabia o que Agatha iria falar, dirigiu-se à cozinha para preparar um café forte para as três.

- Antes de mais, minha querida, deixa-me dizer-te que o meu trabalho enquanto médium também é verdadeiro. Eu tenho poderes psíquicos e consigo comunicar com os mortos. Posso afirmar-te, com 100% de certeza, que a alma do teu irmão Jules está presa entre o nosso Mundo e o Outro Mundo.

- A sério? Porquê?

- O teu irmão morreu de morte antinatural. Não tinha chegado a hora dele partir. Ainda por cima, um desfecho como aquele, foi demasiado terrível! Neste momento, só tu podes dar descanso à alma do teu irmão, desvendando este grande mistério!

- Porquê que o meu irmão morreu? Porquê que ele cometeu suicídio? - questionou-se Bianca, angustiada.






Shappa regressou da cozinha, com os cafés. Agatha prosseguiu:

- Segundo o que pude apurar até agora, todos os jovens que têm cometido suicídio possuem traços em comum. Com o tempo, descobrirás quais. Eu e a Shappa acreditamos que o teu irmão também as tinha, minha querida…

- Eu e a Agatha temos unido esforços para descobrir o mais que pudermos sobre a Mão Divina. Dentro daquilo que já descobrimos, sabemos que a Mão Divina actua de forma a nunca deixar provas da sua presença. Não sabemos se os suicídios são premeditados ou manipulados por essa pessoa ou se ela apenas ajuda os jovens, dando-lhes a coragem necessária para colocarem um fim às suas vidas.

- Vocês estão a dizer que a Mão Divina age como uma espécie de eutanásia? É isso?

- Não é bem isso… Mas, sim… A ideia geral é essa. - confessou Agatha. - Acreditamos que se trata de alguém totalmente distópico, que acredita que está a ajudar efectivamente estas pobres almas a encontrarem a paz. O problema é que os leva a cometerem suicídio e isso é um atentado contra a vida humana! Se isso realmente for verdade, então estamos a falar de um assassino em série! Um serial-killer!

- Não consigo acreditar nisso! Acho que vocês estão a exagerar! Têm provas do que estão a afirmar?  

Agatha e Shappa entreolharam-se. Com um suspiro cansado, Shappa confessou:

- Aí é que está o problema. Não temos provas do que acabaste de ouvir. Tudo isto são deduções e especulações nossas. Juntamos as provas que tínhamos e chegamos a estas conclusões. Nós achamos que alguém anda, deliberadamente, a fazer mal a jovens de todo o país. Grace Falls tem sido o palco de muitos suicídios e foi por isso que eu vim para cá. Só no funeral do Jules é que a Agatha me contou sobre o seu verdadeiro trabalho, depois de descobrir que eu era uma agente do FBI.

- Na verdade, estamos todos em perigo, Bianca. Não sabemos mesmo se podemos confiar nos nossos companheiros de trabalho. Eu uso o meu cargo de Médium para ajudar a polícia local e enviar relatórios periódicos aos meus chefes. Entretanto, vou participando noutras pesquisas, que nos levaram a concluir que a Mão Divina existe, efectivamente. O grande problema é que quem está por detrás disso tem acesso a todos os sistemas de informações. Isso leva-nos a crer que seja alguém com fortes ligações ao governo ou um hacker com enormes conhecimentos capaz de arruinar o país, se assim o desejar. Estamos a falar de um problema de Segurança Nacional, que pode evoluir para um problema a nível Mundial se não conseguirmos descobrir o que se anda a passar em Grace Falls!

- É isso que eu não entendo…! - exclamou Bianca, pensativa. - Porquê Grace Falls?

- Acreditamos que seja uma cidade escolhida como teste para algo muito maior do que possamos imaginar… - confessou Shappa. - Lá no FBI, tenho colegas que já desconfiam de outros colegas, uma vez que as provas sugerem ser alguém com profundos conhecimentos internos, como disse a Agatha. Está a criar-se um clima de desconfiança e mal-estar em todos os departamentos de Segurança do Estado…

- É nosso objectivo descobrir o que se anda a passar. Se realmente estes jovens se suicidam por vontade própria, se são estimulados a isso, enfim, o que anda a acontecer! Acreditamos que a morte do Jules, tenha sido uma morte invulgar. Algo não bate certo no padrão, percebes? De acordo com o que sabemos, Jules estava feliz! Algo de muito grave aconteceu nos dias que antecederam a morte dele!

- E foi aí que eu e a Agatha pensamos que tu talvez nos pudesses ajudar. Em segredo, é claro. Precisamos de investigar o passado do Jules. Gostaríamos de saber se estás disposta a colaborar connosco. Aviso-te já que, se aceitares, é um caminho sem retorno! Precisamos de agir com a máxima cautela, para não lançarmos suspeitas sobre a Mão Divina. Quem quer que ela seja, estará atenta aos nossos movimentos!

- Estás disposta a colocar a tua vida em risco para descobrir o que se passou com o teu irmão? Nós prometemos ajudar-te o mais que pudermos, já que é do meu interesse e do interesse da Shappa que a alma do Jules e as restantes sigam para a Luz…

Bianca estava estarrecida, perante tanta informação!

- Eu quero muito descobrir o que aconteceu com o meu irmão! Eu quero saber porquê que ele morreu! Nem que tenha de perder a vida a fazê-lo, mas quero limpar o nome dele! - gemeu Bianca, enquanto lágrimas caiam pelo seu rosto.

Agatha sorriu levemente para Bianca.

- És uma jovem muito corajosa! Tenho a certeza que a seu tempo a verdade virá à tona! Descobriremos tudo! E nessa altura, a alma do teu irmão poderá, por fim, ficar em paz!

- Esperem aqui… Eu volto já…

Bianca levantou-se e correu escadas acima. Passados alguns segundos regressou, com o portátil e o diário de Jules.

- Eu no outro dia estive no quarto do meu irmão a tentar encontrar alguma pista… Descobri este caderno. Acho que é um diário. Não consigo abri-lo. Entretanto, também descobri no portátil dele uma pasta que está protegida por palavra-passe. Agatha, por favor guarde isso com a sua vida! Neste momento, só consigo confiar em si e na Shappa! Eu vou tentar descobrir pistas que me levem a descobrir a palavra-passe do computador e o código para abrir o diário! Tenho um pressentimento de que as respostas que procuramos se encontram aí!

Agatha mostrou-se muito impressionada.

- Como prova de confiança, vou selar aqui mesmo o diário e o portátil.

Agatha retirou uma cinta da sua mala e Shappa retirou um cadeado da sua. Depois de ambas as coisas estarem bem fixadas, fecharam a cinta com o cadeado e entregaram as chaves do mesmo a Bianca.

- Uma forma simbólica de te provarmos que somos merecedoras da tua confiança. Se tudo correr bem, não faltará muito para desvendarmos o que se anda a passar… 

Bianca levantou-se e foi até ao bar que o pai tinha em casa, num canto da sala. Encheu 3 cálices com vinho do Porto e disse, com um sorriso:

- Um brinde, minhas amigas! Ao meu irmão Jules! Juntas, nós iremos descobrir a verdade!

Por uma frecha da porta da cozinha, Maurice observava tudo, com ar chocado. Agatha e Shappa foram-se embora pouco depois do brinde, tendo o cuidado de transportar o portátil e o diário como se nada fosse. Quanto mais naturais parecessem, melhor.

Passava um pouco das duas horas da tarde quando o carteiro passou na casa da família Sullivan. Maurice foi buscar o correio, ficando intrigada ao ver que uma carta sem remetente tinha chegado para Laura. Bianca tinha decidido voltar ao quarto do irmão para verificar o computador dele. Infelizmente para ela, o computador também tinha uma palavra-passe logo no início de sessão e ela já estava sem paciência para aquilo. O dia ainda nem ia a meio e ela já tinha a cabeça a andar à roda! Chateada, regressou à sala e perguntou a Maurice pelos pais.

- Os seus pais estão a caminho, menina…. Aquilo na polícia demorou mais tempo do que estavam à espera, mas felizmente correu tudo bem. Eles foram ilibados, bem como o senhor Chayton.

Suspirando aliviada, Bianca abraçou Maurice, que lhe retribuiu o gesto.

- Tenho medo, Maurice…

- Não tenha, menina… Eu confio naquelas senhoras. Elas têm bom coração… A menina pode confiar… E tenha cuidado, que as paredes têm ouvidos!

Maurice piscou-lhe o olho e Bianca preparava-se para questioná-la sobre o que tinha ela escutado da conversa, quando os pais entraram em casa. Ambos vinham cansados e aborrecidos, embora aliviados por estarem livres de qualquer suspeita. Eddie chegou à beira da filha e Maurice, declarando:

- Vamos comer fora, Maurice! Bianca, estás pronta? Vamos arejar um pouco! Estou farto desta cidade! Acho que uns dias fora nos vão fazer bem, não acham?

Bianca acenou rapidamente com a cabeça. A mãe dela, Laura, ao ver a carta sem remetente, ficou branca como cal. Nervosa, retirou a carta disfarçadamente do monte de cartas que estavam em cima da mesa, enquanto Bianca falava com o pai sobre o local para almoçarem. Naquela noite ela iria jantar com Théo e não queria chegar atrasada. Laura aproveitou o momento para subir as escadas, entrar no seu quarto e fechar a porta. Abriu a carta, de onde caiu uma pen. Intrigada, colocou a pen no seu computador e escutou uma voz, que cantava:



·

[?????]

Tudo aquilo que Escondeste,
Tudo o que não quiseste mostrar
Deixa que o Tempo
Com tempo, vai Revelar...!

E tudo o que não percebeste,
Tudo o que quiseste Ignorar
É como o Tempo
Que deixaste passar...!


Admirada com o recado, Laura retirou uma carta, onde estava escrito o seguinte:


O seu tempo está a chegar ao fim, Laura!
Tic-Tac! Tic-Tac! Tic-Tac!
O relógio está a contar!

O nosso encontro fica marcado para o dia 11 de Julho!
Espero-a às 16 horas, no Pico do Inferno!
Não avise ninguém disto ou sofrerá as consequências!
E ambos sabemos que você não quer isso…!

…Porque eu sei o seu segredo!



Assustada, Laura correu para a casa de banho para vomitar. Estava angustiada. Chamou Maurice e pediu para que esta avisasse o marido de que não se estava a sentir bem e que preferia ficar em casa a descansar. Como Eddie já estava aborrecido, nem contestou. Ele e a filha saíram pouco depois para almoçarem.


[Continua...]

2 comentários:

  1. Respostas
    1. A história começará a avançar mais depressa, agora que os mistérios começam a revelar-se! :P
      A Laura está metida em apuros! Que segredos esconderá ela?! :P

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