Capítulo 15
- A miúda sabe de alguma coisa…. Tenho a certeza disso… - comentou um homem, enquanto sacava um cigarro do bolso e acendia-o, lançando uma baforada de seguida.
- Bolas, James! Já te disse que não gosto que fumes aqui no carro! - reclamou Cher, abrindo os vidros do carro.
- Desculpa lá, desculpa lá…. Achas que fizemos bem em termos vindo embora? - questionou o homem.
- Tens o equipamento pronto? - perguntou Cher, com um sorriso maldoso. - Este caso ainda me vai levar ao Pullitzer! E tu serás agraciado por me ajudares, James!
- Espero bem que sim, Cher! Temos quebrado algumas regras do protocolo…. Sabes bem o que isso implica se alguém descobrir!
- Não te preocupes! Eu sei que estou perto de descobrir a verdade! Acredita em mim, eu tenho faro para estas coisas! Aquela miúda vai levar-nos à Mão Divina!
- Mas tu não achas que isso é perigoso? Tipo, estamos a lidar com um serial-killer ou alguém com humor bastante macabro…
- Ainda vais a tempo de saltar fora, se quiseres! Eu desenrasco-me sozinha… - rematou Cher, cruzando-se com vários carros da polícia que seguiam em direcção ao Pico do Diabo.
Rindo-se divertida, enquanto James acabava o cigarro, Cher deu meia volta e foi atrás dos polícias. Pouco tempo depois, estavam ela e James a preparar as filmagens no Pico do Diabo, enquanto entrevistavam alguns polícias que estavam a apurar os dados que Bianca tinha recolhido. Os polícias avisaram Bianca para não ter muitas esperanças. Se o sangue fosse mesmo da mãe dela, muito dificilmente seriam encontrados vestígios do corpo. O precipício era muito alto e relevo tornava-o praticamente impossível de escalar e explorar.
- O mais provável… - comentou um dos polícias - É a sua mãe, se ela realmente caiu pelo desfiladeiro, ter sido encontrada por algum animal selvagem e este… Bom…. Você sabe…. Tenha fé. Muita fé, menina. Só um milagre poderia ajudar a sua mãe, se ela caiu pelo Pico do Diabo… - rematou o polícia, com ar de quem pedia desculpas.
Cher tentou a sua sorte com Bianca. Esta, apercebendo-se das intenções de Cher, pediu a Théo a chave do seu carro e deixou o rapaz a falar com Cher, enquanto entrava no carro dele e ligava para Agatha.
- Olá, minha querida! Então, como estás?
- Não muito bem, Agatha…
Bianca explicou o que se tinha passado e a essa explicação seguiu-se um longo silêncio por parte de Agatha. Estranhando o silêncio, Bianca perguntou:
- O que se passa? Existe alguma coisa que você ou a Shappa saibam que eu ainda não saiba? Tem a ver com a minha mãe e o seu desaparecimento?
- Bom… - novo silêncio por parte de Agatha. - Eu não quero ser pessimista, nem ave de mau agoiro, mas… A tua mãe já não se encontra entre os vivos, minha querida…
- Como? Como é que sabe isso, Agatha? Você conseguiu contactar de alguma forma com ela? O que lhe aconteceu? - perguntou Bianca, chorando copiosamente.
- A tua mãe foi morta com violência e o seu corpo caiu pelo desfiladeiro…. Dificilmente ainda serão encontrados vestígios dela, minha querida. A alma da tua mãe já se encontra em paz. Ela só pediu que a perdoasses quando descobrires o segredo dela…. Foram essas as palavras que ela me disse antes da conexão se perder.
- Que segredo, Agatha? Está relacionado com a Mão Divina? O que faço? Sinto-me tão sozinha, tão perdida!
- Minha querida Bianca… Em breve, eu e a Shappa regressaremos a Grace Falls. Até lá, mantém a cabeça fria, foca-te no que é importante e tem cuidado contigo! Eu já falei com o teu pai e ele propôs saíres da cidade por uns tempos…
- Não saio daqui enquanto não souber o que se anda a passar! Além disso, desculpe-me, mas eu não sei se acredito, se consigo acreditar que a minha mãe morreu mesmo, Agatha. Não estou a duvidar das suas capacidades, mas…
Agatha remeteu-se ao silêncio.
- Mas… Eu preciso de provas! Eu preciso de perceber o que se anda a passar! Desculpe-me! Com licença! Vou desligar, preciso de ficar sozinha!
- Tem cuidado contigo, Bianca! Não confies em ninguém! - rematou Agatha, desligando a chamada.
Théo entrou no carro e fechou a porta com violência. Bufou, insatisfeito.
- Livra, aquela jornalista é chata como o caraças! Fogo! Não descansou enquanto não sacou todas as informações que queria dos polícias e de mim!
- Ah sim? - perguntou Bianca, meio desorientada.
Ela ainda estava a assimilar o que Agatha lhe havia dito.
- A Cher afirmou que tem pistas fortes sobre a Mão Divina, mas que só as revelará numa grande reportagem que anda a preparar! Prometeu-me que tu serás a primeira a ver e a saber de tudo, assim que ela tiver reunido todas as peças do puzzle! - comentou Théo, tentando animar Bianca.
- Que bom para ela… - suspirou esta, com ar desanimado e recomeçando a chorar.
- Hey querida… Que se passa? - inquiriu Théo abraçando Bianca, que se agarrou a ele com todas as forças.
Bianca contou a Théo o telefonema que tinha feito a Agatha. Este, embora surpreso com a resposta de Agatha, tentou colocar água na fervura.
- Ó querida, a Agatha é boa pessoa, mas na cidade muita gente diz que ela não tem os parafusos todos, sabes? Dizem que ela acerta muitas vezes, mas numa mistura de sorte e assim…
- Tu não confias nela, Théo?
- Não se trata de confiar ou não… Simplesmente não tenho uma grande opinião sobre ela, assim como a maioria das pessoas da cidade, Bianca. Quase ninguém gosta dela…. Acham-na muito extravagante…. Olha, o Father Simon deve estar a celebrar missa a esta hora… E se fôssemos até à igreja? Tu bem precisas de um apoio como o dele! Ele é um grande conselheiro e amigo das pessoas! O teu irmão confiava imenso no Father Simon!
- Vamos lá, então? Que me resta, afinal? - questionou Bianca, com olhar perdido.
Num instante, Théo e Bianca regressaram à cidade. Bianca sentia um peso enorme no peito. Por mais que se recusasse a aceitar as palavras de Agatha, ela sentia que esta dissera a verdade. A mãe dela estava morta. Quando saíram do carro, Théo deu as mãos a Bianca, que se recostou no peito dele, enquanto seguiam para dentro da igreja.
Ao chegarem lá, depararam-se com a igreja cheia de gente. O coro da igreja cantava, em perfeita harmonia:
[Coro do Igreja de Grace Falls]
Eu O Seguirei
Eu O seguirei...
Eu O seguirei, onde quer que Ele possa ir...
E perto Dele, eu sempre estarei...
E nada pode manter-me distante...
Ele é o meu destino...
Eu O seguirei...
Desde o momento em que Ele tocou o meu coração, eu soube...
Não há oceano profundo demais...
Ou montanha tão alta que possa manter-me...
Manter-me longe,
Longe do Seu amor...
Nós O seguiremos (Seguiremos!)
Nós O seguiremos, aonde Ele,
Aonde quer que Ele vá!
Oh, oh, Sim!!
(Eu O amo!)
Ele sempre será o meu verdadeiro amor
(O meu verdadeiro amor! O meu verdadeiro amor!)
Agora e para sempre!
(Sempre, Sempre...)
No final da celebração, toda a plateia levantou-se e bateu palmas! Bianca chorava emocionada! A canção tinha-lhe tocado profundamente! Foi nesse momento que se apercebeu que o Maestro do Coro era, nada mais, nada menos, do que o doutor Joshua, o psiquiatra!
Surpresa, Bianca deixou-se ficar na igreja até toda a gente ter abandonado o recinto. Só ficaram ela, Théo e Father Simon. Este recebeu os dois com um grande sorriso.
- Olá boas tardes, meus filhos! Que Deus vos abençoe, que fazem um lindo casal!
Théo tossicou e Bianca corou de imediato.
- Não somos um casal… Bem… Hummm… - respondeu Bianca, atrapalhada.
- Eu vou deixar-vos a sós. Alguma coisa, é só ligares, está bom? - declarou Théo, dando um beijo no rosto de Bianca e recebendo a bênção de Father Simon.
Théo saiu a correr, esperando encontrar o doutor Joshua para conversarem um pouco, enquanto Bianca falava com Father Simon.
- Ele é um bom rapaz, minha filha…. - comentou Father Simon, sentando-se ao lado de Bianca. - Está tudo bem contigo?
- Na verdade, senhor, nem por isso…. Presumo que saiba o que tem acontecido à minha família? Primeiro o meu irmão suicidou-se! Agora, a minha mãe desapareceu…
Father Simon pegou nas mãos de Bianca e fechou-as em jeito de oração.
- Minha filha, por vezes Deus envia-nos por caminhos bastante íngremes e sinuosos! Mas ficas a saber que ele sabe de tudo e nunca te entregaria fardos que não pudesses carregar! Tem fé, minha filha! Tem fé e vais ver que Deus acompanhar-te-á sempre!
- Mas…! Father Simon…. Tenho tanto medo! Sinto-me tão perdida e desorientada! Eu acho que o meu irmão… O Jules… Morreu… Por causa da Mão Divina! E o meu cão também!
Father Simon benzeu-se.
- Ai minha filha, minha filha! Que dizes tu!
- Eu tenho medo de que a Mão Divina me faça mal a mim também…! Temo pela vida da minha mãe… Father Simon… Eu não sei o que fazer!
- Estás a pensar demasiado no assunto, minha querida! Eu acho que devias parar de pensar nessas coisas! Isso não te faz bem!
- O senhor sabe o que se passava com o meu irmão Jules, não sabe?
- O que o teu irmão me contou, os seus desabafos e angústias, estão protegidos pelo mistério da confissão, minha filha! O teu irmão sofreu muito nos últimos meses da sua vida, mas era um bom menino!
- O que é que o senhor sabe? Por favor, Father Simon! Ajude-me! Eu quero saber o que aconteceu com o meu irmão, para ele suicidar-se!
Father Simon levantou-se.
- Eu não te posso dizer nada, minha filha. O teu irmão revelou-me tudo, em segredo de Confissão! Sabes que esse sigilo não pode ser quebrado, independentemente das circunstâncias! Reza por ele, minha filha! Reza por ele que eu rezarei por ti! Que Deus te abençoe! Agora, se me dás licença, tenho de sair para fazer a visita aos doentes…
- A sua bênção, Father Simon!
Com um sorriso, Father Simon foi-se embora, deixando Bianca sozinha na igreja. Esta chorou, rezou e falou com Deus, questionando-O sobre tudo o que estava a acontecer na sua vida. Depois de alguns minutos entregue a angústias, Bianca suspirou longamente e orou:
- Por favor, Senhor, ajuda-me! Dá-me forças e alento para não desistir! Ajuda-me a desvendar o que aconteceu com o meu irmão!
Levantando-se, apercebeu-se que Théo já não se encontrava à sua espera. Ele mandara-lhe uma mensagem para o telemóvel, avisando-a que tinha regressado à farmácia e que se precisasse de alguma coisa, encontrá-lo-ia lá.
Bianca decidiu regressar a casa. Estava determinada a ler o diário do irmão, apesar de ter prometido a Agatha e a Shappa que o fariam juntas. Chegada a casa, Bianca tomou um duche rápido e depois vestiu um cafetã de seda, em tons dourados. Preparou um sumo de laranja e sentou-se na sala de estar.
Ganhando coragem, abriu o diário do irmão.
As primeiras páginas tinham desenhos e sarrabiscos que Jules criara. Bianca riu-se com as pontadas de criatividade do irmão. Folheando mais um pouco, descobriu uma página onde estava escrito:
“Reminders para ti, Jules!”
Por baixo desse título seguia-se uma longa lista de números de telefone e algumas palavras-chave de sites que Jules frequentava. Entre eles, estava a palavra-passe da conta “Criss-Cross” e da outra conta que Michelle havia falado, a “Shhhh…!”. Bianca decidiu tomar nota dessas palavras-chave, com a esperança de conseguir saber mais alguma pista sobre o irmão. Duas páginas depois, Bianca apercebeu-se que o diário do irmão se iniciava ali.
*Diário de Jules, Página 17*
“Querido diário,
Olá! Estou a escrever-te pela primeira vez, apesar de já ter feito uns desenhos e tomado umas anotações por aqui. Na verdade, nem sei bem por que raios estou a escrever aqui. Bem, acho que tenho de começar pelo princípio, não é?
Este diário é para ser lido por mim e só por mim, caso me aconteça alguma coisa e perca a memória. Será uma espécie de pen-drive para o meu Eu do Futuro.
Pois bem, o meu nome é Jules Sullivan. Fiz, há dias atrás, 17 anos. Devia estar feliz porque tenho tudo o que quero da vida, mas na verdade, não me sinto nada bem. Na verdade, já nem me recordo quando foi a última vez que estive realmente bem. Acho que foi há alguns Verões atrás, quando ainda era um puto, despreocupado com a vida. Onde o mais importante era divertir-me de manhã à noite. Hoje em dia, tenho diversão e liberdade, mas para onde foi a alegria?
Enfim…
Jules do Futuro, se me estás a ler, é porque alguma coisa realmente má me aconteceu. Desculpa-me por aquilo que faço ao nosso corpo. Eu ganhei o hábito de nos mutilar quando sofro. A automutilação ajuda muito a suportar a dor. E olha que ocasiões não têm faltado para proporcionar um alívio a esse sofrimento. Tudo começou há muito tempo atrás, ainda a mãe, o pai e a Bianca viviam aqui comigo. Éramos uma família muito unida.
Depois, um dia, a minha irmã foi estudar para muito longe. Sofri bastante com a sua partida repentina. Falávamos todos os dias, mas sei lá, houve algum laço que se quebrou pelo caminho. Gosto muito dela, mas deixei de a ver como uma irmã chegada. Ela, hoje, é quase uma estranha para mim.
Depois, foi a minha mãe que decidiu apostar na sua carreira de cantora de música country. Durante grande parte do ano a mãe anda em digressões pelo país. Às vezes, eu e o pai vamos ter com ela, para matarmos saudades. O pai sempre foi meu amigo, mas hoje em dia, ele só pensa no trabalho dele. Às vezes, passam-se dias em que só trocamos um “bom dia” ou “boa noite”.
Quem me tem valido é a Maurice, que cuida de mim como se um filho dela se tratasse. Ela não sabe que me corto, mas às vezes deixa-me pensos rápidos em cima da mesinha de cabeceira. Talvez já se tenha apercebido dos papéis ou das toalhas que atiro para o lixo, manchadas de sangue.
Volta e meia ela questiona-me sobre se está tudo bem e eu sempre sorrio para ela. É uma arma infalível. Se tu sorrires e disseres que está tudo bem, as pessoas acreditam em ti e não te chateiam mais. Mal sabem o quanto estou triste e podre por dentro…
A minha vida há muito que se tornou uma merda.
Desde aquele fatídico Verão em que me envolvi com o Daniel, que fiquei confuso. Por que raios senti aquilo? Não achei nada normal ter ficado excitado ao ver o Daniel em tronco nu e mais tarde, quando ele tirou os calções, eu ter ficado com um inchaço que parecia estoirar com os meus, ao ponto de eu ter tirado quase imediatamente os meus calções também.
Nessa altura, eu e ele sorrimos um para o outro. Contemplamos o corpo um do outro. Ele aproximou-se de mim, segurou o meu rosto e beijou-me. E eu fiquei sem reacção. Mas gostei…
Gostei tanto, que agarrei na cabeça dele e beijei-o intensamente.”
Bianca levantou a cabeça, totalmente surpreendida com o que acabara de ler!
[Continua...]
Continuo deliciado
ResponderEliminarAgora com os desabafos do Jules, as coisas vão ficar mais interesantes!
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