Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 52

Capítulo 52

O coração de Mikel disparou ao ouvir as palavras de Matoskah. A ideia de ficar com ele na aldeia, a viver uma vida simples e gratificante, estava a tornar-se cada vez mais atraente para ele. Ele procurava há tanto tempo por um sentimento de pertença e propósito e parecia que finalmente o havia encontrado!

Mikel teve de ser forte para não ceder aos avanços que um astuto Matoskah procurava. Ambos queriam o mesmo, mas Mikel estava decidido a que a primeira vez de ambos fosse ainda mais especial. Assim, pediu a Matoskah que tivesse um pouco mais de paciência, ao que este assentiu com a cabeça, suspirando impaciente.

- Eu sei, amor, eu sei! Eu também sinto e desejo o mesmo! - sussurrou Mikel, apontando para o alto nas suas calças, que não parava de crescer, acompanhando em sintonia os movimentos que se passavam nas calças de Matoskah, onde um enorme volume ganhava cada vez mais forma. 

Matoskah recostou a cabeça no peito de Mikel e este deu-lhe beijinhos na cabeça, afagando a cabeleira de fogo do amante com carinho. Enquanto eles estavam deitados, abraçados um ao outro, a mente de Mikel disparou com pensamentos sobre o que seu futuro poderia trazer. Ele permitiu-se imaginar a viver naquela comunidade idílica, cercado por pessoas com ideias semelhantes que compartilhavam dos seus valores e paixões.

Ele imaginou-se a trabalhar ao lado de Matoskah e dos outros guerreiros, contribuindo para a comunidade e construindo uma vida juntos. Mikel percebeu que, apesar de conhecer Matoskah há tão pouco tempo, este já lhe havia conquistado o coração. O sentimento que nutria por ele era já tão ou ainda mais forte do que aquele que nutrira no passado por Ángel. Agora mais maduro e experiente, Mikel sentiu uma certeza inabalável no seu coração: Matoskah iria ser o seu companheiro, o homem por quem ele esperara a vida toda!

Mas, por mais que a ideia de ter encontrado aquele que talvez se tornasse o grande amor da sua vida o emocionasse, a verdade é que esse sentimento também o assustava. Não só porque os sentimentos já rivalizavam com o amor que ainda nutria pelo seu falecido noivo, mas também porque ficar na tribo significaria desistir da sua grande missão, abandonar algo que ele estava destinado a cumprir e que era superior a ele. Ele sabia que precisava de mais tempo para pensar, pesar os prós e os contras, até ter a certeza de que estava a fazer a escolha certa. 

Matoskah pareceu sentir a hesitação no silêncio do olhar de Mikel e abraçou-o com mais força. 

- Não há pressa, meu amor! - sussurrou. - Leva o tempo que precisares. Eu e os outros estaremos aqui para ti, não importa o que tu decidires!

Mikel sorriu, grato pela compreensão de Matoskah. Ele sabia que tinha muito a considerar, mas pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se esperançoso sobre o seu futuro. Ele sabia que, qualquer que fosse a sua decisão, ele não decidiria sozinho. Ele havia encontrado uma comunidade e, mais importante, havia encontrado alguém com quem compartilhar a sua vida. 

[Continua...]

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 51

Capítulo 51

Todos os guerreiros regressaram à aldeia onde tomaram um banho e se vestiram. O Grande Chefe convidou Shade para uma visita guiada pela aldeia, facto que este aceitou, orgulhoso. Matoskah, por sua vez, convidou Mikel para conhecer a sua cabana, um espaço aconchegante e convidativo com decorações vibrantes e assentos confortáveis. Ele ofereceu a Mikel um assento e serviu-lhe uma xícara de chá feito de ervas cultivadas na aldeia. Matoskah sentou-se ao lado dele.

- Espero que gostes da minha pequena vila, Mikel. Eu procurei criar uma comunidade pacífica, onde vivemos em harmonia com a natureza e uns com os outros.  

Mikel concordou com a cabeça, impressionado com a sensação de tranquilidade que sentia na aldeia.

- É realmente notável o que tu criaste aqui. Eu posso ver e sentir o amor, bem como o cuidado colocados em cada detalhe.

Matoskah sorriu, orgulhoso, ao escutar aquelas palavras.

- Sabes? Nós acreditamos em viver com intenção e propósito. Nós esforçamo-nos para criar um Mundo onde todos sejam iguais e respeitados e onde o Amor e a Bondade sejam a base da nossa existência!

Mikel colocou uma mão no ombro de Matoskah.

- Partilhamos esse sonho, sabes? Aqui sinto uma sensação de pertencimento e propósito que nunca havia experimentado antes! Sinto-me parte de algo muito maior do que eu!

Os olhos de Matoskah brilharam de entusiasmo ao ouvir as palavras de Mikel.

- Fico feliz em ouvir isso! Todos nós fazemos parte de algo muito maior do que nós mesmos! Estamos conectados uns aos outros, à natureza e ao universo! E é por isso que é tão importante viver com intenção e propósito! Criar um mundo onde todos sejam respeitados e valorizados, onde o Amor e a Bondade sejam os princípios orientadores! Nem sempre é fácil, mas vale a pena!

Mikel concordou com a cabeça.

- Eu não poderia concordar mais! Acho que é por isso que todos estamos a esforçar-nos, cada um à sua maneira. E é incrível ver isso em acção aqui, na tua aldeia. Mas estou curioso… Como é que criaste este lugar? O que te inspirou?

Matoskah recostou-se na cadeira e respirou fundo.

- É uma longa história, mas vou tentar resumir... Eu sou um dos últimos descendentes de uma antiga linhagem de guerreiros de uma tribo que vive um modo de vida muito diferente. Sempre tive uma existência cheia de lutas e desafios. Mas mesmo assim, sempre senti uma conexão com a natureza e com a ideia de viver em harmonia com ela. À medida que crescia, comecei a explorar essa ideia mais profundamente. Li livros, conversei com anciões sábios e passei muito tempo na natureza. Um dia, conheci Wickmunke², o deus do Arco-Íris. Ele pôs-me à prova, para ver se eu seria merecedor de me tornar um Chefe Indígena. Finalmente, depois de superar todos os testes, tornei-me o mais jovem e recente líder de uma nova tribo, totalmente agraciado pelos Grandes Espíritos! Percebi que, com aquela bênção, poderia criar um lugar onde as pessoas pudessem viver em harmonia com a natureza e umas com as outras. Um lugar onde todos podiam ser iguais e respeitados, e onde o amor e a bondade fossem os principais pilares.

Mikel ouviu atentamente, fascinado pela história de Matoskah.

- É incrível! É preciso muita coragem e determinação para criar algo assim! E está mais do que evidente que tu tiveste sucesso, muito para além dos teus sonhos mais ousados!

Matoskah sorriu calorosamente.

- Obrigado, meu querido! Nem sempre foi fácil, mas valeu a pena! E eu não poderia ter feito isso sem o apoio e o amor da minha comunidade, assim como de outros membros da grande Tȟatȟaŋka Íyotake²⁵. Todos trabalhamos juntos para criar este lugar e eu sou constantemente inspirado pela sua dedicação e paixão!

Mikel olhou ao redor da cabana, observando as cores vibrantes e as decorações intrincadas.

- É mais do que óbvio que existe muito amor e cuidado em tudo aqui. Eu posso sentir isso no ar!

Matoskah assentiu com a cabeça e fechou os olhos.

- Sim, é essa a ideia. Nós acreditamos que tudo está conectado e que a energia que difundimos afecta a todos nós. Por isso, tentamos criar um espaço cheio de energia positiva e amor! Afinal, Mitakuye Oyasin²⁶!

Mikel fechou os olhos e recostou a cabeça no peito de Matoskah. Sorriu.

- É bem verdade! Mitakuye Oyasin²⁶! Tu estás de parabéns! Conseguiste! Sinto-me mais em paz aqui, do que alguma vez senti na minha vida!

Matoskah abraçou Mikel e beijou-o na boca, feliz. Os dois trocaram alguns beijos apaixonados. Matoskah abriu os olhos e declarou:

- Fico feliz em ouvir isso, meu amado! Tu sabes que és e sempre serás bem-vindo aqui! Estamos sempre à procura de indivíduos com ideias semelhantes para se juntarem à nossa comunidade!

Mikel olhou-o nos olhos e suspirou, apaixonado.

- Definitivamente, eu não me vou esquecer disso! Quem sabe…?! Talvez eu acabe por ficar aqui de vez? Renuncio à minha missão e fico aqui com vocês!

Matoskah riu-se, feliz. Deitando Mikel sobre si, sussurrou:

- Tudo é possível, meu amado. Tudo é possível…

Notas do Autor:

 

² - “Escrito nas Entrelinhas: Parte 2”;

²⁵ - Nação Lakota;

²⁶ - Oração Lakota que eu traduzi como “Somos todos Um!” 

[Continua...]

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 50

Capítulo 50 

Momentos depois, Matoskah e os seus amigos aproximaram-se de Mikel e Baya Ainila e comemoraram efusivamente o momento, abraçando e beijando Mikel de forma deleitosa. Shade sentia-se praticamente ignorado. Quando chegara à aldeia, na companhia de Chayton, ele fora recebido de forma muito formal por todos. Irritado e enciumado, o rapaz explodiu:

- Hey! O que é que eu preciso de fazer para ser tratado como um homem, como vocês se tratam uns aos outros?

Matoskah e os outros aproximaram-se dele. Com ar sério, o chefe da aldeia olhou-o de cima a baixo e declarou, num tom de desafio: 

- Bem, se queres ser tratado como um guerreiro da minha tribo, então eu vou testar-te como tal!

- Sim! Porque não? - respondeu Shade, nervoso. 

Matoskah olhou em volta e anunciou:

- Muito bem! Shade! Se tu queres tanto tornares-te um membro da minha tribo, um verdadeiro wicasa¹¹ aos olhos do meu povo, aqui está a prova que terás de superar: terás de lutar contra o Takoda e o Baya Ainila! Vocês os três lutarão nus, num campo de lama. Se tu venceres, eu aceitar-te-ei como membro honorário do meu clã! Aceitas o meu desafio?

Shade não podia acreditar no que acabara de ouvir! Ele teria de lutar contra Takoda e Baya Ainila, duas crianças da Tribo dos Guerreiros Arco-Íris? E ainda por cima, teria de lutar completamente nu e na lama? Ele estava nervoso, mas ao mesmo tempo, determinado a provar que era digno de ser um membro da tribo.

Após alguns segundos, Shade respondeu:

- Eu aceito o desafio!

Entre urros e gargalhadas, Matoskah e os seus amigos levaram Shade e os outros dois guerreiros para o campo de lama. Mikel acompanhou-os, com um sorriso no rosto.

Era uma área grande, cercada por árvores e arbustos altos, com um chão de lama macio e mole. O céu estava nublado e uma chuva fina começou a cair, tornando o solo ainda mais lamacento. Baya Ainila e Takoda rapidamente tiraram as roupas, ficando completamente nus. Takoda e Baya Ainila revelavam corpos delineados e um pouco musculosos, já com algumas tatuagens tribais. Shade olhou para os miúdos com espanto.

- “Caramba! Mas estes indígenas são todos assim, bem constituídos?” - pensou. 

Por momentos, ele sentiu um certo desconforto. Alguns pensamentos mais calorosos passaram-lhe pela mente e Shade ficou com receio de ser mal interpretado. Hesitou durante algum tempo até que por fim, respirou fundo, tirou a roupa, e ficou ali, nu e vulnerável.

Matoskah falou, com a sua voz a sobrepor-se ao som da chuva: 

- As regras são simples. O último homem em pé será o vencedor! Vale tudo, excepto matar ou mutilar. Que comece a luta!

Shade respirou fundo preparou-se para o desafio. Ele nunca havia lutado nu antes, muito menos num campo lamacento, mas estava determinado a provar o seu valor para Matoskah e a sua tribo. A lama espessa esmagava-se entre os dedos dos pés.

Os três guerreiros atacaram-se, com os seus corpos a baterem juntos numa rajada de socos, pontapés e lama. Shade nunca havia lutado assim antes. Rapidamente percebeu que iria ser superado pelos outros dois guerreiros. Apesar de terem quase metade da idade dele, eles eram mais rápidos, mais fortes e mais experientes do que ele. Shade lutava para acompanhá-los!

Takoda e Baya Ainila trabalhavam juntos, divertindo-se a tentar derrubar Shade. Eles bloqueavam os ataques dele, para então contra-atacarem com golpes poderosos que o faziam cambalear! Shade rapidamente começou a ficar cansado e os músculos dele a ficarem doloridos por causa da surra constante.

Apesar disso, ele recusou-se a desistir. Ele continuou a lutar, usando todos os truques e estratégias que conhecia para se manter em pé, pelo maior tempo possível. Ele abaixou-se e desviou-se, desviou-se e contra-atacou. Por fim, acertou alguns golpes, mas eles pareciam ter pouco efeito sobre os dois jovens guerreiros, que pareciam estar bastante divertidos com a situação.

Enquanto eles os três lutavam, Mikel, Matoskah e os amigos deste reuniram-se ao redor do campo lamacento, enquanto torciam e gritavam palavras de encorajamento. Matoskah observava a luta atentamente, com um pequeno sorriso a surgir nos cantos da sua boca.

Para Shade, a luta já durava no que parecia ser horas, mas ainda tinha só se tinham passado alguns minutos! A chuva caía agora com mais força, misturando-se com a lama e deixando o chão ainda mais escorregadio! Os três guerreiros estavam cobertos de lama, da cabeça aos pés. Os corpos deles brilhavam, reluzentes. De repente, Mikel despiu-se e entrou no campo de lama. Virou-se para os três rapazes e disse, entre palavras e gestos:

- Vamos fazer duas equipas? Eu e o Baya Ainila, contra vocês, Takoda e Shade! Parece-me equilibrado! O que acham?

Matoskah e os amigos riram-se, perante a inusitada situação. Baya Ainila assentiu logo com a cabeça, seguindo de Takoda. Shade não conseguia tirar os olhos do corpo esbelto de Mikel, mais propriamente da flecha deste.

A luta prosseguiu, mas rapidamente deixou de ser uma luta. Tornou-se uma brincadeira na lama! Mikel ria-se, imensamente divertido, assim como Baya Ainila e Takoda. Os três procuravam atirar lama uns aos outros, enquanto se abraçavam e tentavam atirar ao chão os restantes! Shade, por sua vez, tentava pensar em coisas aborrecidas, para não ser traído pelo seu próprio corpo! Ver Mikel nu, totalmente enlameado, era algo demasiado bom e excitante! 

Matoskah e os amigos, ao verem Mikel e os guerreiros tão divertidos, decidiram entrar na brincadeira. Assim, todos eles despiram-se e sem hesitar, entraram no campo de lama, para gáudio de Shade! Ele jamais imaginaria, nem nas suas mais loucas fantasias, estar assim, num campo de lama, rodeado dos homens nus mais atraentes que alguma vez tinha contemplado! Ele deixou-se levar pelas emoções e pelo desejo, apercebendo-se de que não era o único a ficar excitado com a insólita situação - todos, sem excepção, demostravam um “ar da sua graça”!  

Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, a “luta” acabou. Entre muita risota e gargalhadas, um a um, os guerreiros foram saindo do campo. Shade foi o único a manter-se lá, deixando-se estar propositadamente de barriga para baixo na lama, para “disfarçar” o que já era óbvio demais.

Mikel, Matoskah e os seus amigos aplaudiram e parabenizaram Shade. Matoskah exclamou:

- Parabéns, Shade! - exclamou Matoskah, com os olhos a brilhar. - Tu provaste ser um verdadeiro guerreiro da Tribo dos Guerreiros do Arco-Íris! 

Os outros membros da tribo rugiram em aprovação e Matoskah deu um passo à frente para lhe oferecer a mão e ajudá-lo a levantar-se, com um sorriso genuíno.

Shade estava exausto, mas também eufórico! Ele estendeu a mão para Matoskah e levantou-se. Já não se importava que o vissem excitado! Afinal, todos eles estavam “entusiasmados”, em maior ou menor grau. Ninguém parecia levar a mal ou sentir vergonha por isso. Shade nunca se sentira tão vivo como estava naquele momento! Ele passara o teste e tinha conquistado o respeito de Matoskah e dos restantes. Daquele momento em diante, ele seria um membro honorário da tribo dos Guerreiros Arco-Íris e faria tudo o que estivesse ao seu alcance para corresponder às expectativas da sua nova família!

Nota do Autor:

 

¹¹ - Homem. Na minha história, os rapazes da tribo tornam-se “homens” aos 17 anos. Antes de se tornarem homens, eles têm de passar algumas provas, geralmente provas físicas e/ou de resistência, que têm como objectivo testar as capacidades deles;

[Continua...]

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 49

Capítulo 49

A tribo dos Guerreiros Arco-Íris era uma aldeia indígena remota, localizada no coração da floresta. A aldeia já era conhecida entre as tribos ameríndias pelo seu significado espiritual. Na cidade mais próxima dali, dizia-se que as pessoas que viviam na tribo eram pessoas reconhecidas por terem algum tipo de contacto com as forças da natureza. Todos os membros da tribo eram muito respeitados na região.

Takoda e os restantes guerreiros aproximaram-se, com um grande sorriso. O Grande Chefe vinha amparado na companhia de Agatha e de Shade, que estava com ar bastante enciumado e com cara de poucos amigos. Mikel olhou à sua volta, com admiração, contemplando a aldeia. Os Guerreiros Arco-Íris tinham criado um ambiente bonito e sereno, com jardins exuberantes e cabanas coloridas espalhadas por toda a parte. Ele foi recebido com sorrisos calorosos e acenos amigáveis, enquanto caminhava ao lado de Matoskah, que fazia as apresentações. A atmosfera era calorosa e acolhedora. Mikel sentiu um sentimento de pertencimento. 

Baya Ainila, um rapazinho órfão surdo-mudo, correu em direção a Mikel, surpreendendo a todos. O menino abraçou Mikel com força e este, inconscientemente, abaixou-se e abraçou-se ao rapazinho. Os dois deixaram-se estar assim, por muito tempo. Mikel fazia festas nos cabelos de Baya Ainila e este afagava as costas de Mikel, abraçando-se a ele com mais força. Do nada, ambos começaram a chorar.. A dor nos corações de ambos era palpável e o ar ao redor deles mudou. Por um momento, asas de anjo apareceram nas costas de Mikel e Baya Ainila! 

Shade, Matoskah e os restantes observavam a cena, atónitos!

Mikel e Baya Ainila olharam-se nos olhos. Sorriram, enquanto mantinham os olhos fixos um no outro, num olhar bem intenso. Em linguagem gestual, eles gesticularam ao mesmo tempo:

- Contigo… Eu sinto saudades de algo que nunca vivi…

Apesar de se terem expressado em linguagem gestual, as palavras ditas por Mikel e Baya Ainila tocaram o coração de todos os presentes. Todos sentiram uma sensação de unidade e de compreensão, como se todos estivessem conectados por algo maior do que eles! O ar ao redor de Mikel e Baya Ainila estava carregado de energia e, por momentos, a vila foi banhada pela luz do Divino.

Naquele momento, Mikel e Baya Ainila perceberam que haviam encontrado algo especial um no outro. Eles haviam percebido um senso de propósito e de pertencimento. Sabiam que sempre estariam lá um para o outro. Inexplicavelmente, todos os presentes sentiram nos seus corações que a aldeia nunca mais seria a mesma.

[Continua...]

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 48

[Matoskah & Mikel]

 

Desde que te conheci,

Que o meu coração brilha intensamente!

Nós ficaremos juntos para sempre!

 

[Mikel]

 

As palavras que quero dizer-te hoje,

Permanecem guardadas no cofre do meu coração!

Sei que esses sentimentos são importantes,

Por isso, estou a guardá-los até que chegue o momento certo!

 

[Matoskah]

 

O tinir dos sinos, que ressoam ao longe,

Fazem com que o meu coração bata mais depressa!

Eles são como o vento,

Que me conduz até ti!

 

[Mikel]

 

Desde que eu te conheci,

Iluminaste todo o meu coração!

Ficaremos juntos para sempre, tu e eu!

 

[Matoskah]

 

E quando o momento adequado chegar,

Eu expressarei o que sinto por ti!

O teu sorriso resplandecente…

…Tu és o meu wí3!

[Mikel & Matoskah]

 

E é assim que começará…

…O prólogo do nosso Eterno Amor!

3 - Sol;

 

Capítulo 48 

ACTO SEXTO: O Final de Mikel!

Shade correu pelo cais, a chorar, deixando todos os outros para trás. Damian tinha o seu melhor amigo, o seu irmão, o seu amante… Damian era definitivamente um dos homens da sua vida. Sempre o fora, depois de se conhecerem. Embora Shade tivesse encontrado em Jules alguém muito especial, Damian conhecia Shade de uma forma única, que mais ninguém conhecia. Todos respeitaram o ataque de choro de Shade e esperaram que ele se acalmasse. Quando ele regressou ao grupo, Mikel comentou:

- Bom, Shade… Está na nossa hora também… 

Shade assentiu com a cabeça.

- Pois é! Directora Alicia, dá-me boleia para casa do Adam? Tenho de ir buscar a minha mala!  

Claro que sim, meu filho! E você, Lord Mikel? Que cara é essa? – perguntou Alicia, com ar paternalista.

 

- Nada, está tudo bem… - suspirou Mikel, com ar um pouco distante. - Eu já trouxe as minhas coisas comigo, só faltam as tuas. Eu fico aqui a aguardar-te, Shade. Aproveito e ligo para ao Matoskah, para que nos venham receber à estação de Devils Lake! Chegaremos lá perto da hora do jantar! Não te demores, está bem? O nosso comboio parte daqui a menos de 1 hora!

E assim, Shade e os restantes foram a casa de Adam e William. Shade já tinha tudo preparado, mas quis dar uma última vista de olhos nas suas coisas e no diário do irmão. Ele tinha a impressão que estava a escapar-lhe alguma coisa. A única esperança residia agora no registo médico da mãe num hospital do Colorado. O problema é que o Colorado é enorme! Com mais de 600 quilómetros de comprimento, não haveriam de faltar hospitais…

E foi aí que se fez luz na cabeça de Shade! 

- Mas… É claro! Como é que eu não pensei nisso antes?!? Existem muitos hospitais, mas também existem registos! Se eu pedir ao Noah para fazer uma pesquisa, ele deve descobrir alguma coisa!

Animado com a sua própria descoberta, ele tratou de ligar para Noah de seguida. Infelizmente, a chamada caía directa no Voice Mail. Noah estaria a trabalhar ou sem bateria. Resignado por um lado, animado por outro, Shade juntou-se aos amigos, agora com tudo o que pretendia levar e juntos, foram ter com Mikel à estação. Mais tarde voltaria a telefonar para Noah.

Mikel, enquanto esperava pelo amigo, telefonou a Matoskah, que ficou muito feliz com a chamada! Ele avisou que, quando Mikel e Shade chegassem a Devils Lake, alguns membros da sua tribo estariam à espera deles, para os ajudarem a levar as coisas para a Aldeia dos Guerreiros Arco-Íris. 

O comboio deles acabara de chegar à estação. Uma voz impessoal anunciou pelos altifalantes:

- “Acabou de chegar, à Linha Número 2, o comboio Interestadual com proveniência de Detroit Lakes, no Minnesota, e com destino final a estação de Devils Lake, na Dakota do Norte. Pede-se o favor dos senhores passageiros manterem-se atentos à abertura e ao posterior fecho de portas. Obrigado!” 

Shade e Mikel despediram-se de Adam, William e da Directora Alicia, com um abraço apertado e alguns beijinhos. Alicia estava muito emocionada e por vezes William teve de a confortar para ela não se ir abaixo completamente.

- A senhora tem de ser forte! O Shade vai à procura do pai, o Damian arranjou trabalho num lugar maravilhoso! Estamos todos a seguir com as nossas vidas! Já é tempo de a senhora nos deixar voar um pouco, não acha?

Alicia não demorou a responder:

- Eu fiz e ensinei-vos tudo o que sabia. Vocês tornaram-se homens sensíveis e maravilhosos, cheios de talento! Espero que Deus vos ilumine a todos, em particular a ti, Shade!

- Senhora… Obrigado por tudo! Eu e o Mikel vamos entrar no comboio, se não se importam, está bem? Até breve! - rematou Shade, que não queria que o vissem a chorar novamente.

E assim, os dois amigos sentaram-se numa confortável carruagem com portas de correr, bem do género que Shade gostava. Acenou aos amigos à medida que o comboio aumentava de velocidade, até que a estação de Fargo deixou de estar visível. 

Mikel respeitou o silêncio de Shade. Este, a dada altura, abraçou-se a ele e chorou convulsivamente. Doía-lhe a cabeça, estava triste e infeliz. Queixou-se ao amigo disso, ao que este respondeu, triste:

- Quando crescemos, a vida passa a ser mais dura. Passamos a valorizar as pequenas coisas, passamos a valorizar as pessoas que estão connosco, mesmo quando elas são umas chatas… Enfim, passamos a valorizar o que realmente importa. Eu sei que estás triste e infeliz. Mas… Tudo vai melhorar! Que tal se treinássemos uma canção - aquela que falamos lá em Washington - para distrairmos os pensamentos?

Shade levantou a cabeça e sorriu,

- Olha! Boa ideia! Vamos lá!

E assim, Mikel e Shade passaram o resto da viagem a treinarem uma música que iriam apresentar durante o jantar. Era uma prendinha que eles andavam a preparar para aquele reencontro. Mikel ficou surpreendido pela facilidade e pelo talento que Shade tinha para cantar, com uma voz harmónica e melodiosa, que se adaptava para vários tipos de músicas. Aquele seria um dos talentos que ele herdara da mãe verdadeira, Laura Sullivan.

Estiveram de tal forma concentrados na canção que iriam cantar, que foi com espanto que escutaram uma voz masculina a anunciar:

- “Excelentíssimos passageiros a bordo, estamos a chegar à estação de Devils Lake, a última estação desta viagem. Por favor, vejam se não se esquecem de nenhum pertence vosso. Em nome da Amtrak Empire Builder, esperemos que tenham feito uma boa viagem e que regressem à nossa companhia tão cedo quanto possível! Obrigado!“      

Mikel e Shade foram os últimos a sair do comboio. Queriam manter o suspense, ao mesmo tempo que um certo nervosismo os invadia a ambos, embora por motivos diferentes.

Depois de retirarem as malas e saírem da estação, depararam-se com Matoskah, que vinha montado num cavalo branco e Chayton, o pai de Matoskah, encostado a um jeep todo-o-terreno.

- Mikel! - congratulou-se Matoskah, dando um forte abraço e um belo beijo na boca de Mikel, que este retribuiu com igual fervor.

- Olá, Shade! - Chayton estendeu a mão e depois deu um abraço ao rapaz, sendo seguido por Matoskah, que o olhou de cima a baixo com um certo desdém, mas aceitando dar-lhe um cumprimento de mãos e um abraço forte.

Matoskah esperava espicaçar Shade, mas este limitou-se a encolher os ombros e sacou o telemóvel para mandar uma selfie a Noah. Chayton colocou as coisas de Mikel e Shade no jipe e convidou Shade para entrar no carro. 

    

- Então… E o Mikel? - perguntou.

Matoskah levantou o peito e declarou, com orgulho:

- Ele vai comigo, montado a cavalo. Daqui a pouco a gente encontra-se na Aldeia!

Chayton e Shade entraram no jipe, com Shade a fazer das tripas-coração para não dizer poucas e boas a Matoskah! Arrancaram a grande velocidade! O tipo era um arrogante do caraças! E Shade tinha lido bastante sobre ele no diário do irmão, pelo que lhe passou pela cabeça ameaçar Matoskah com a revelação de alguns “segredinhos”, se ele continuasse com aquela atitude. 

Como que a adivinhar o que lhe ia pelos pensamentos, Chayton quebrou o silêncio.

- Não leves o Matoskah tão a peito… Ele tem uma certa reserva para contigo, porque… Bom… Tu és irmão do Jules e estiveste metido com o teu irmão nos tempos em que eles namoravam, certo?    

Foi aí que caiu a ficha a Shade! Chayton estava certo! Era bem verdade! Estava explicado aquele rancor para com ele.

- Estaria a mentir se dissesse ao Matoskah que lamento o que aconteceu… Não vou querer ser um falso amigo dele… Na verdade, nem sei para que é que o Mikel insistiu em que eu viesse com ele aqui para a Aldeia…

- Ele lá terá as suas razões. Se o Matoskah aceitou, é porque serás bem-vindo. Dá-lhe um pouco de tempo. A ele e aos restantes... Vais ver que tudo correrá bem e encontrarás na Aldeia, uma família que te ajudará na tua demanda, meu querido amigo… 

Shade observava a paisagem maravilhosa ao redor. Era tudo tão verdade, tão fresco, tão natural e límpido! Pensou em Mikel. Onde estariam ele e Matoskah?

Matoskah ajudara o amigo a subir o cavalo. Ele colocou-se propositadamente atrás de Mikel para o ajudar a cavalgar. Mikel não sabia explicar porquê, mas aquela acção parecia-lhe muito familiar… De repente, teve um flash e tudo se apagou à sua volta. 

O cenário mudou. 

Ele reconheceu-se logo, apesar de estar mais novo, bem mais magro, mas igualmente desenvolto. As roupas que trazia vestidas pareciam ser de muito boa qualidade, embora já estivessem a precisar de ser lavadas. Tinham cara de já não verem uma máquina de lavar fazia séculos. Mikel montava um cavalo branco-acinzentado e as pessoas louvavam-no numa língua que não conseguia entender. Olhou para os lados, mas não viu Matoskah.

- Hey, hey! Estás bem, lindo? - perguntou Matoskah, com uma voz doce. 

- Ah?! Sim, sim! Obrigado! Acho que tive um déjà-vu!

- Déjà-vu? Que coisa é essa? Tiveste uma dor de barriga? Precisas de mijar? Não te preocupes, nem tenhas vergonhas! Pede logo que paramos para fazer!

Mikel riu-se, condescendente.

- Agora que falas nisso, podemos parar sim, preciso de dar uma mijadela!

- Excelente! Eu também estou apertado, vamos lá!

Sem cerimónias, Matoskah saltou do cavalo, ajudou Mikel a saltar e nem 5 segundos depois, já estava a mostrar ao Mundo o seu belo urso ruivo, orgulhoso de estar novamente em plena forma. Mikel não se fez rogado e apresentou logo de seguida o seu lobo, que competia ferozmente tanto em tamanho, quanto em jacto, pelo primeiro lugar naquele desafio privado. Os dois homens riram-se de forma cúmplice e fizeram uma bela duma poça em formato de coração aos pés de uma árvore morta, durante os minutos seguintes. 

Totalmente aliviados, voltaram a montar o cavalo. Matoskah recostou mais firmemente Mikel contra si, pelo que este conseguia sentir perfeitamente a dureza crescente nas costas e nádegas.

- Eu tinha dito que não ia perguntar, mas… - começou Matoskah, com meio sorriso, um pouco sério e apreensivo.

- E eu disse-te que te ia contar tudo, não foi? - apaziguou Mikel. - Pois bem, meu querido, eu quis que o Shade viesse para a tua aldeia, para ver se vocês teriam alguma poção de ervas poderosas para curar o rapaz. Ele foi diagnosticado com um aneurisma cerebral, que está num sítio que não pode ser operado. Ele foi  medicado e de facto tem andado a tomar as medicações que lhe prescreveram, mas sinceramente, fofo… Cada medicação é pior que a anterior! Ele anda a ver o Jules, inclusive chega a interagir com ele… Isto acontece com alguma frequência, fruto dessas medicações. Como deves imaginar, isso é perigoso. Existem momentos em que ele já não sabe distinguir entre o que é real e o que se passa na cabeça dele, apenas, fruto do aneurisma. Estava com esperanças de que na tua tribo ele encontrasse algum remédio natural que o ajude a acabar com o sofrimento dele, entendes? Para ele poder prosseguir com a demanda dele. Ah! Outra coisa! Eu não lhe contei do aneurisma. Ele tem meia dúzia de meses de vida, no máximo… É só isso, fofo…

Matoskah estacou, chocado. Mikel olhou-o nos olhos e abraçaram-se. Os dois homens beijaram-se com paixão. 

- Ele é impressionante! Sai ao Jules… E tu… Tu és um fofo! Podias ter avisado mais cedo que eu já teria providenciado isso! Não sei se teremos algum remédio capaz de evitar o pior, mas… - Matoskah suspirou, um pouco desconcertado. 

Mikel retorquiu, num tom apaziguador:

- Eu acho que uns dias na tua terra lhe farão bem. Ele precisa de limpar o corpo e a mente. Tem uma grande tarefa pela frente…

Mikel explicou a Matoskah tudo o que já sabia. Este mostrou-se surpreso perante a determinação de Shade em descobrir a verdade. Após alguns segundos em silêncio, perguntou:

- Ohhhhhhhhh Mikel! E tu achas que ele vai ser bem-sucedido?

- Tenho algumas dúvidas, para te ser sincero. Mas acredito que ele conseguirá descobrir toda a verdade, por mais triste ou chocante que se venha a revelar!         

   

Matoskah anuiu com a cabeça e desabafou:

- Eu quero libertar-me desta mágoa que tenho para com ele. Ele nunca me tratou mal… Mas… Sei lá… Olhar para ele faz-me pensar no Jules, o que me recorda coisas muito tristes…

- E porque não olhas para o Shade por motivos melhores? - rematou Mikel. - Ele não é má pessoa, Matoskah. Apenas merece que lhe dês um voto de confiança.

Matoskah riu-se.

- Eu e os outros já pensamos nisso. Se ele aceitar e passar no teste, farei dele um Guerreiro do Arco-Íris Honorário! Não o tratarei como o Jules, nem chegará aos teus pés, como é óbvio… Mas se passar no teste, será sempre bem-vindo à minha aldeia.      

    

 - Muito bem! Fico contente que lhe dês essa oportunidade!

Mikel virou-se para trás. O desejo era inegável nos olhos de Matoskah. Beijou-o com desejo e paixão. Matoskah queria mais, mas Mikel, para o provocar, sussurrou: 

- Terás mais quando as estrelas estiverem lá no alto… Bem visíveis!

Matoskah ia ripostar, mas Mikel tinha-lhe cortado todos os argumentos. Riu-se, divertido.

- Sendo assim, irei aproveitar ao limite… E vou dar-te tudo o que estou a acumular! Desde que fiquei bom, ainda não fiz nada! Tenho estado a guardar-me para ti! Ah ah ah ah!   

- Acho bem! É isso mesmo que eu quero! - sussurrou Mikel, com ar provocador. 

Estavam tão entretidos com a conversa, que nem deram conta de que já tinham chegado!

- Sê bem vindo à nossa aldeia, querido Mikel! A Aldeia dos Guerreiros Arco-Íris! - declarou uma voz cristalina, enquanto Mikel e Matoskah atravessam os portões de acesso à aldeia. 

[Continua...]

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 47

Capítulo 47

Mikel e Damian chegaram atrasados à cerimónia de inauguração do Centro Comunitário de Fargo Hills, para espanto de todos os presentes. Shade, que os observava com muita atenção, percebeu pelo semblante carregado de ambos que as coisas não deviam ter corrido muito bem na noite anterior. Ele próprio, assim como o William e o Adam, também mal tinham dormido e estavam com uma tremenda ressaca. 

O Centro Comunitário estava cheio de repórteres e de pessoas da cidade e dos arredores que queriam ver as obras, assim como conhecer o famoso Lord Mikel. Ao contrário do que era habitual, Mikel estava distante, o olhar vago e constantemente perdido em pensamentos. Sorria para as selfies que lhe pediam para tirar, mas Shade depressa percebeu que estava apenas ali o corpo. O espírito de Mikel vagueava bem longe dali, não fazendo ele a mínima ideia. 

Depois de uma boa dose de cumprimentos, elogios e felicitações, os dois homens conseguiram chegar ao palco, onde a directora Alicia os aguardava,  nervosa. O palco estava cheio de gente. Entre os presentes, estavam Shade, William, Alicia, alguns dos benfeitores da cidade, assim como o Mayor da cidade, um senhor com 52 anos, afro-americano, chamado Mahoney Moon. Alicia já tinha feito uma apresentação e aguardava a chegada dos jovens para prosseguir com o evento. 

Depois de Alicia o apresentar, Mikel discursou. Explicou, durante longos minutos, o quão importante aquele espaço era para ele, para a família que representava toda a Comunidade da cidade de Fargo, assim como para a Presidente Zelda Washington, a qual ele estava a representar. Todos os habitantes da cidade ficaram agraciados e sorridentes com o discurso de Mikel, que realmente estava a esforçar-se para falar de forma coerente. Não era costume estar tão em baixo de forma, mas por vezes acontecia-lhe. A falta de descanso na noite anterior tinha sido a causa desta vez.  

Ao discurso de Mikel e posterior inauguração do novo Centro Comunitário, seguiu-se a atribuição da Chave da Cidade pelo Mayor Mahoney a Mikel. Outras entidades e individualidades discursaram rapidamente, seguindo-se um coffee break. Estava prometida uma surpresa para o final da celebração. 

Foi só nessa altura que Shade aproximou-se de Mikel e Damian. Ele notou que ambos estavam a mexer as mãos de forma nervosa. 

- O que aconteceu ontem à noite? - Shade perguntou, tentando soar casual, encobrindo os ciúmes que nutria da cumplicidade dos dois amigos.

Mikel soltou um longo suspiro. 

- É uma longa história, Shade. - disse ele, passando a mão pelo cabelo. - Vamos apenas dizer que tivemos alguns problemas.

Damian concordou com a cabeça. 

- Sim, tomamos algumas decisões ruins. - disse ele, olhando para o chão.

Shade levantou uma sobrancelha. 

- Esperem lá! Que tipos de problemas? - pressionou.

Mikel e Damian trocaram um olhar antes de Damian finalmente falar. 

- Nós envolvemo-nos numa luta, pouco antes de chegarmos ao hotel. - mentiu. - Uns homens tentaram-me assaltar, eles estavam armados, a coisa ficou feia para o nosso lado… Eram clientes insatisfeitos, sabes? Um bando deles!

Shade balançou a cabeça. 

- Puta que pariu! Vocês tiveram sorte de não se terem magoado! - disse ele. - Damian, tu precisas de ter mais cuidado!

Mikel e Damian assentiram, parecendo arrependidos de algo. 

- Nós sabemos. - disse Damian. - Nós estragamos tudo. A directora Alicia deve estar decepcionada por termos chegado atrasados…

- Ela precisa de saber disso! Vocês não tiveram culpa! Mas espero que redobres os cuidados, Damian! E tu também, Mikel! Fargo não é uma cidade totalmente pacífica, mas nunca pensei que estivesse assim!

- Não te preocupes! Eu ouvi tudo! - declarou Alicia, com um meio sorriso. - Eu imaginei que algo de extraordinário tivesse acontecido a vocês os dois… Estranhei o atraso, mas felizmente, tudo correu bem. O coffee break está prestes a terminar. Podemos avançar já para o final? Se sim, é melhor vocês os dois prepararem-se! Entram já a seguir! Tomem estas bebidas e animem-se, por amor de Deus. Só um cego não percebe que vocês estão com caras de zombies! 

Com um aceno de cabeça, Mikel e Damian dirigiram-se aos bastidores do palco, onde foram buscar instrumentos musicais. Com um renovado sorriso no rosto e olhos brilhantes, eles apareceram, alguns minutos mais tarde, depois da directora Alicia anunciar que a surpresa final seria uma canção cantada por Mikel e Damian!

Mikel e Damian entraram no palco e declararam:

- Queríamos dedicar esta música a uma pessoa muito especial, que está aqui presente! Esta pessoa tem prestado uma valiosa colaboração ao longo dos anos aqui no Centro Comunitário! É também graças aos teus esforços que este espaço se tornou um lugar de mudança positiva. Shade, esperemos que gostes!

Seguiu-se um aplauso de toda a plateia e Shade arregalou os olhos, espantado, enquanto Damian e Mikel tocavam e [en]cantavam!

[Mikel]

Já te conheço bem

Sei como você é

Não se importa com ninguém

Só faz o que bem quer

Pode até machucar

Por que você é sempre assim?

[Damian]

E essa ilusão

Que quero alimentar

É um passado que se foi

Não vá se enganar

Vê se entende

Se te fazem chorar

Angustiado está

Magoado com toda essa gente

Sozinho nunca estará!

[Mikel & Damian]

Estarei com você

Pra te ajudar

Mesmo se a tempestade chegar

E pelas noites deixá-lo com medo

Basta você me chamar

Conta comigo amor

Porque nós dois

Vamos juntos enfrentar o que for!

E seremos livres para sonhar

O amor irá nos proteger

Enquanto estamos aqui

[Damian]

Hoje você me faz

Voltar a enxergar

Tudo como eu sonhei

Quando me fez sorrir

Quando me fez chorar

Voltei a ser quem eu sempre fui

[Mikel]

Você me ajudou

E me fortaleceu

Mesmo quando eu fugi

Se hoje sou assim

É graças a você

Que esteve aqui

Quando eu mais precisei

E é onde eu vou estar pra sempre

Eu nunca vou te deixar

[Damian & Mikel]

Estarei com você

E aonde eu for

Levo junto o nosso amor

E a alegria de ter ao meu lado

Aquele que mais me faz bem

Juntos vamos viver

Sem duvidar

Que pra sempre vamos estar

Repletos de força e vida para sonhar

Nada pode nos deter

Porque estamos aqui

Os dois amigos abraçaram-se a chorar! Shade correu para o palco, sem cerimónias e abraçou-se a eles, enquanto chorava copiosamente!  

[Mikel & Damian] 

Estarei com você

Pra te ajudar

Mesmo se a tempestade chegar

E pelas noites deixá-la com medo

Basta você me chamar

Conta comigo amor

Porque nós dois

Vamos juntos enfrentar o que for

E seremos livres para sonhar

O amor irá nos proteger

Enquanto estamos aqui

(Tudo vai)

(Ficar bem!)

Todas as pessoas levantaram-se e bateram palmas durante muito tempo. Aos  três amigos juntaram-se William, Adam, Alicia e todos os voluntários do Centro Comunitário. Todos congratularam os jovens. 

Foi assim que, entre muito choro e momentos mais calorosos, Damian, Mikel, Shade, William, Adam e Alicia partiram em seguida para a estação de comboios de Fargo. Não houve tempo para grandes despedidas. Assim que chegaram, uma voz impessoal anunciou:

- “Estimados passageiros, o comboio interestadual que partiu de Reile’s Acres e com destino Nova Iorque, está a dar entrada na Linha Número 1. Pede-se a todos os passageiros que sejam céleres no acesso ao comboio. Obrigado!”  

Com uivos crescentes, Shade abraçou Damian, esforçando-se bastante para não fazer uma cena ali mesmo. Adam e William seguiram-se-lhe, desejando toda a sorte do Mundo a Damian, assim como Alicia, que também chorava muito e se emocionou na derradeira despedida. 

Mikel deixou-se ficar propositadamente para o fim. Shade, atento, podia ver determinação nos olhos dele e de Damian. Eles abraçaram-se e Damian não resistiu a roubar um bruto beijo a Mikel, que o beijou com igual fervor.

- Tem cuidado contigo, Damian! Nova Iorque não é como outras cidades onde já viveste… E agora, está mais perigosa do que nunca! - avisou Mikel, com preocupação na voz. - Espero que tudo te corra pelo melhor! Vê lá se me telefonas, assim que chegares! 

- Telefono sim, cariño! TKM! - exclamou Damian, enquanto corria para entrar no comboio.

Foi mesmo a tempo! Assim que entrou no comboio, as portas fecharam-se e, com um apitar, o comboio partiu.

E assim, Damian partiu rumo ao seu sonho...

[Continua...]

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 46

 

Capítulo 46

Depois do pequeno-almoço, Mikel e Damian sentaram-se em silêncio durante alguns momentos, cada um deles perdido nos seus próprios pensamentos. Damian limpou as lágrimas à manga do casaco. Tentou controlar-se, mas as emoções dele não o permitiram. 

- Desculpa-me, Mikel. - suspirou Damian, por fim. - Desculpa-me por todo o mal que te causei. Fui um completo idiota. Devia ter percebido tudo mais cedo… Não sei como é que tu foste capaz de me tratar tão bem, de me dar tanto carinho e afecto, depois de tudo o que te fiz sofrer… Perdoa-me. De verdade. Perdoa-me. Enfim… Nem sei porque não consigo parar de chorar… - Lágrimas grossas caíam pelo rosto de Damian. - Eu fui um idiota, uma besta! Eu mereço que te vás embora! Eu mereço perder-te, Mikel!

Mikel pôs uma mão sobre os ombros de Damian.

 

- Então, querido? É perfeitamente compreensível que te sintas assim, triste. Não vale a pena martirizares-te, Damian! Nós tivemos muitos bons momentos juntos. É natural que te sintas triste quando chega a hora de dizermos adeus, certo? Eu também estou triste, mas… Ao mesmo tempo, estou feliz por te ter reencontrado… Antes de eu partir… E ainda temos umas horas pela frente, antes de tu partires para Nova Iorque! E daqui a nada, vamos ter a inauguração do Centro Comunitário de Fargo Hills! 

- Eu só queria que as coisas pudessem ser diferentes… - suspirou Damian, com a voz embargada.

Mikel olhou para ele, preocupado. 

- O que queres dizer com isso, Damian?

- Eu gostaria que não tivéssemos de dizer adeus. Eu gostaria que pudéssemos ficar juntos o tempo todo.

Mikel sorriu tristemente.

- Eu sei, Damian. Mas tu tens a tua vida e eu tenho a minha. Ambos temos responsabilidades e obrigações que não podemos ignorar. Sabes disso muito bem!

Damian assentiu com a cabeça, o rosto ainda molhado de lágrimas. 

- Eu sei. Eu só... Eu não quero perder-te, cariño!!

- Tu não me vais perder… Vamos manter o contacto e eu prometo que nos voltaremos a ver novamente. Não sei o que me acontecerá, mas um dia, estaremos juntos de novo. Eu prometo. - declarou Mikel, com firmeza na voz.

Damian tentou sorrir, mas o sorriso saiu como uma careta desengonçada. 

- Honestamente? Espero que sim.

Eles sentaram-se em silêncio novamente por mais alguns minutos, cada um perdido nos seus próprios pensamentos. Finalmente, Mikel levantou-se e espreguiçou-se.

- Bem… Está na hora, Damian. Temos de ir. Estás preparado?

Damian assentiu e levantou-se também. 

- Sim. Preciso passar em casa para recolher as minhas malas. Ajudas-me? Da inauguração vou directo para a estação de comboios. Vens comigo depois? À estação de comboios?

Acenando com a cabeça, Mikel e Damian abraçaram-se. Saíram do quarto. Mikel pagou as despesas no check-out, enquanto Damian chamava um carro para os levar até casa dele. Rapidamente chegaram a casa de Damian. Ao chegarem lá, Damian pediu ao motorista que aguardasse, que lhe pagaria por todo o tempo que fosse necessário. Com serenidade, este acenou com a cabeça. Os dois amigos entraram em casa, juntaram as coisas de Damian, dobraram as roupas que faltavam e guardaram-nas cuidadosamente nas suas malas. 

Quando terminaram, Mikel fechou as malas e virou-se para Damian.

- Querido… Obrigado por tudo. Esta viagem e este tempo contigo significou o Mundo para mim. Não vou querer estar com grandes despedidas mais logo, porque sei que vai ser ainda mais difícil… Então… Espero que realmente sejas feliz e que concretizes todos os teus sonhos bons. 

Damian assentiu, com a garganta apertada de emoção. 

- Obrigado por tudo. Obrigado pelo tempo que passamos juntos. Obrigado por teres vindo. Obrigado por este reencontro. Tu significas o mundo para mim também.

Eles abraçaram-se uma última vez, abraçados com força. Quando eles se afastaram, ambos tinham lágrimas nos olhos.

- Liga-me quando chegares à tua casa nova, está bem? - disse Mikel.

- Combinado! Eu ligarei, sim! - respondeu Damian.

Posto isto, Mikel pegou nas malas de Damian e saiu do quarto, rumo ao carro que pacientemente os aguardava, deixando Damian para trás. Damian afundou-se na cama, sentindo-se vazio e sozinho. Ele sabia que veria Mikel novamente, dali a instantes, mas a ideia de ficar sem ele por um curto período de tempo era quase insuportável.

Damian também sabia que tinha de ser forte. A vida seguiria o seu curso, e ele tinha de encará-la de frente, por mais difícil que fosse. Ele tinha as memórias do seu tempo com Mikel para ajudá-lo nos tempos difíceis, para lembrá-lo do Amor e da Conexão que eles compartilhavam e que viveriam no seu coração, para todo o sempre.

[Continua...]

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 45

 

Capítulo 45 

*9 de Agosto de 2018*

Uma hora e meia mais tarde, Mikel e Damian acordaram com o som da chuva a bater na janela. A chuva estava bem mais fraca, mas por vezes caía com intensidade, como estava a acontecer naquele momento. A trovoada rugia ao longe e o vento ainda assobiava de vez em quando, mas muito mais calmo do que estivera toda a noite. Os dois amantes aconchegaram-se na cama, enquanto conversavam e riam sobre os acontecimentos que tinham vivido no dia e na noite anterior. Ambos estavam felizes com aquele reencontro.

Depois de se levantarem, foram tomar banho e vestiram-se. Saíram assim, de repente, sem tomar sequer o café da manhã. Tinham decidido dar um rápido passeio no parque. A chuva havia parado e o sol brilhava, lançando um brilho quente sobre tudo. Eles andaram de mãos dadas, em silêncio, enquanto absorviam a beleza do mundo ao seu redor.

Enquanto caminhavam, eles falaram sobre as suas esperanças e sonhos para o futuro. Damian partilhou que estava de partida para Nova Iorque, onde iria ser um dos actores de uma nova versão de “Os Miseráveis”. Ele ainda convidou Mikel a juntar-se a ele, mas Mikel, uma vez mais, tal como fizera no Passado, recusou o convite. 

Foi com alguma melancolia que Mikel abriu o jogo com Damian. Explicou-lhe que ele estava prestes a embarcar numa viagem da qual não sabia se regressaria... Para Damian, saber disso foi um verdadeiro murro no estômago. Inicialmente, ele recusou-se a acreditar. Achava que Mikel estava a mentir-lhe, para o castigar pelo que lhe tinha feito sofrer no passado. Porém, acabou por aceitar que este estava a dizer a verdade. Lia-lhe nos seus olhos. 

E foi aí que Damian sentiu-se apavorado com a ideia de perder Mikel. Ambos sentiam que haviam encontrado alguém que realmente os compreendia e apoiava, e ambos eram gratos pela presença um do outro nas suas vidas. Mas pouco ou nada havia a fazer agora. O Tempo era implacável e tinha dado uma valente lição a Damian.

Mikel abraçou-o com muito carinho. O Tempo que tinham para estar juntos, estava quase a terminar. Por fim, eles voltaram para o Jasper Hotel e pediram para servirem o café da manhã no quarto, aquele que Mikel tinha encomendado na noite anterior. Sentaram-se na cama, enquanto comiam e conversavam melhor sobre a viagem de Mikel. 

Damian chorou, por diversas vezes. Estava num misto de emoções, das quais o arrependimento parecia ser a maior de todas.

[Continua...]

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 44

Capítulo 44

A chuva, que inicialmente começou fraca, acabou por engrossar ao ponto de se tornar quase inviável andar nas ruas. Depois de se despedirem, Shade e os amigos correram apressadamente para casa de Adam e William, enquanto Mikel corria no sentido oposto, rumo ao Jasper Hotel. Assim que chegou ao hotel, ele dirigiu-se ao balcão de check-in, pedindo uma chave suplementar - já que a sua estava com Damian - enquanto encomendava o pequeno-almoço do dia seguinte. Antes de virar costas, pediu uma garrafa de champanhe e uma taça de morangos e chantilly, pedido prontamente aceite. Ele sabia que a noite iria ser longa. Na rua, a chuva passou a ser acompanhada de granizo e trovoada, acompanhadas de vento muito forte.    

Enquanto isso, Damian já tinha chegado ao quarto de Mikel. Depois de entrar e acender as luzes, apreciou o quarto, que era uma verdadeira suite. Estava ele a preparar-se para se sentar na cama, quando se apercebeu de que estava todo encharcado. Assim, ele despiu-se e, a tiritar de frio, foi para a casa-de-banho, onde abriu as torneiras da majestosa banheira. Enquanto a banheira enchia, ele acrescentou sais de banho coloridos, que logo encheram a banheira de espuma e de cor. Como Mikel estivesse a demorar-se e Damian estava cheio de frio, assim que a banheira ficou cheia, este não hesitou e mergulhou dentro da água quente, começando a cantar, com ar sonhador:

Damian espera por Mikel no banho de espuma e começa a cantar...

[Damian]

Chuva no telhado

Vento no portão

E eu aqui nesta solidão

Fecho a janela

'Tá frio o nosso quarto

E eu aqui, sem o teu abraço

Mikel dirigiu-se para o quarto, completamente ensopado. Meteu a chave na porta. Suspirou. Entrou no quarto. Depois de uma rápida vista de olhos pelo quarto, ele apercebeu-se que Damian já estava na banheira, a cantar. Com um sorriso maroto, ele despiu-se e foi ter com o amante à banheira.

[Damian]

Doido pra sentir seu cheiro

Doido pra sentir seu gosto

Louco pra beijar seu beijo

Matar a saudade

E esse meu desejo

[Mikel & Damian]

Vê se não demora muito

Coração 'tá reclamando

Traga logo o teu carinho

'To aqui sozinho

'To te esperando

Quando você chegar

Tira essa roupa molhada

Quero ser a toalha

E o seu cobertor

Quando você chegar

Manda a saudade sair

Vai trovejar, vai cair

Um temporal de amor

[Damian]

Doido pra sentir seu cheiro

Doido pra sentir seu gosto

Louco pra beijar seu beijo

Matar a saudade

E esse meu desejo

Vê se não demora muito

Coração 'tá reclamando

Traga logo o teu carinho

'To aqui sozinho

'To te esperando

[Mikel]

Quando você chegar

Tira essa roupa molhada

Quero ser a toalha

E o seu cobertor

Quando você chegar

Manda a saudade sair

Vai trovejar, vai cair

Um temporal de amor

[Damian & Mikel]

Quando você chegar

Tira essa roupa molhada

Quero ser a toalha

E o seu cobertor

Quando você chegar

Manda a saudade sair

Vai trovejar, vai cair

Um temporal de amor

Era um reencontro feliz. 

Mikel e Damian tinham-se conhecido há muitos anos atrás. Mikel ainda era apenas um jovem adulto sem nenhuma perspectiva do que o Futuro lhe reservaria. Damian era um jovem que acabara de completar o ensino secundário. Eles tinham-se conhecido por intermédio de Daniela, uma jovem pianista que Mikel conhecera uma noite, enquanto ela actuava num Café-Concerto. 

Daniela cedo se apaixonou por Mikel. Este, por sua vez, estava encantado com a arte e as composições de Daniela. Quando ele, por fim, se rendeu à rapariga, percebeu que não iria fazê-la feliz do jeito que ela imaginava. Gostava dela, mas não de uma maneira que a fosse deixar realizada. Ela sempre fora uma mulher atraente. Com um corpo voluptuoso, era bonita. No entanto, Daniela tinha sido enganada várias vezes em relacionamentos anteriores, o que a deixou mais insegura do que nunca. 

Mesmo depois de Mikel ter partilhado com ela a sua tristeza por não conseguir ser aquilo que ela esperaria dele, Daniela, por sua vez, com receio de o perder, convidou um primo dela para um jantar na casa dela. E foi nessa noite que Damian e Mikel se conheceram. Cedo se aperceberam da atracção física que os envolvia, incentivados por Daniela, que parecia abertamente excitada por ver o primo “a comer com os olhos” o seu namorado!

Ela não tardou a sugerir que os três se envolvessem, a ver como funcionaria. Ela tornou-se objecto de afecto e afeição dos dois rapazes, que a beijavam, enquanto trocavam carícias entre si. Mikel deu por si a perceber completamente os seus sentimentos. Ele nutria amor romântico por Daniela, mas não sentia desejo sexual por ela. Esse desejo estava totalmente canalizado para Damian, por quem nutria algo mais do que isso. Daniela estava dividida entre os dois homens. Sempre nutrira um secreto amor pelo primo e agora tinha a fantástica oportunidade de se envolver com ele. O primo, porém, sentia a mesma coisa que Mikel. Damian nutria algo levemente romântico por Daniela, mas era Mikel quem o excitava e era com ele que ele queria envolver-se.

Durante algum tempo, Daniela, Mikel e Damian formaram um trisal. Dadas as circunstâncias, ainda duraram algum tempo, embora Mikel e Damian tivessem perfeita consciência de que estavam a adiar o inevitável. Eles cedo perceberam que tinham formado um trisal num misto de compaixão, carinho e pena de Daniela. 

As discussões começaram a acontecer com frequência, assim como ataques de ciúmes por parte da rapariga, que se sentia, a cada dia, mais posta de parte. E de facto, assim era. De cada vez que ela lançava olhares incriminadores sobre os dois, eles afastavam-se dela, sem dizerem nada. Mas ambos sabiam que seria uma questão de tempo, até aquele martírio terminar. 

Por fim, após mais uma inútil discussão, Mikel assumiu a culpa do fracasso da relação e terminou com Daniela. Esta insistiu, pediu desculpas, queria voltar, mas Mikel estava decidido e não voltou atrás com a palavra. Saiu de casa de Daniela, com um alívio no peito. Sabia que ela estava destroçada, mas ele tinha feito aquilo que era o melhor para todos. Foi ter com Damian. Ambos se envolveram, imediatamente, como que a celebrar o fim daquela fase menos boa que tinham vivido. 

Mikel e Damian não tardaram a perceber que a relação que tinham vivido com Daniela, era mais platónica do que outra coisa. Ironicamente, tinha sido Daniela que fizera “segurar” o lado romântico do trisal. Damian queria muito estar com Mikel, mas apenas de forma sexual. Não se sentia preparado para um relacionamento amoroso. Era verdade que o beijava com paixão, mas não passava disso. Mikel, por sua vez, estava dividido quanto aos sentimentos que nutria, mas ficou desiludido quando percebeu que Damian só o procurava para sexo.

A relação deles acabou por esfriar quando Damian foi para a Universidade, em Massachussets. Ele ainda quis que Mikel largasse tudo e fosse ter com ele. Este, magoado e desiludido, recusou. Os dias deram lugar às semanas e estas aos meses… E assim, os dois amigos e antigos amantes perderam o contacto, seguindo cada um a sua vida. 

Até aquele fatídico dia.   

Ambos sentiram a excitação de estarem novamente sozinhos, só os 2. Mais velhos e experientes, davam largas a uma saudade há muito reprimida. A excitação que sentiam, ultrapassava qualquer desconforto provocado pelo temporal que aumentava na rua. 

Assim que chegou à banheira, Mikel fechou a porta atrás dele. E não perdeu mais tempo. Entrou na banheira. Abraçou Damian e beijou-o com volúpia. Os seus corpos apressaram-se a ficar firmes, um contra o outro. A paixão e o desejo entre eles, era completamente palpável. Apesar do tesão que sentiam, eles levaram o seu tempo a explorar o corpo um do outro, através das mãos e dos lábios. Nenhum deles conseguia esconder o desejo, nem a excitação. Os corpos deles demonstravam isso claramente. Ambos estavam muito duros. Os seus membros doíam de tanta vontade, de se soltarem, de se libertarem, de se expressarem da maneira mais animalesca possível. 

Por fim, Mikel e Damian entregaram-se aos desejos mais loucos! Os dois homens esqueceram-se do resto do mundo! A chuva batia com força nas janelas. Caía com muita intensidade na rua, sendo acompanhada por trovoadas e rajadas de vento bastante intensas, que provocavam falhas de luzes, pontualmente. No entanto, para Damian e Mikel, nada daquilo era importante.

 

Naquele momento, ambos estavam a recordar o Passado que já tinham vivido. Entregavam-se aos prazeres carnais. Despertavam os Sonhos, as Paixões de outrora. Expressavam-no com inúmero fulgor, tal como o tinham feito outrora. Todo o desejo que sentiam um pelo outro veio ao de cima, bem como anos de desilusões, sofrimento, dor, angústias, saudades, melancolias, tristezas. 

Depois de várias sessões de um sexo frenético e animalesco dentro da banheira, eles finalmente dirigiram-se para a cama. Estavam completamente esquecidos do resto do mundo. Eles entregaram-se às ondas de prazer que o Tempo tinha deixado para trás e que percorriam os corpos deles. Aconchegados na cama,  eles fizeram amor. Daquela vez, o sentimento era recíproco. Ambos sentiam exactamente a mesma coisa. Fizeram amor toda a noite, até às primeiras horas da manhã. A paixão entre eles, a paixão que os unira, que os nutria… Não cedia, nem dava sinais de abrandar. 

Por fim, os 2 amantes caíram, lado a lado. Completamente exaustos e saciados. Comeram os morangos com chantilly e beberam o champanhe de um só trago. Damian sussurrou:

- Eu amo-te, Mikel. Demorei a perceber isso. Achava que não. No Passado, achava que não. Mas… A verdade é que te amo. Sempre te amei. Nunca te esqueci… Agora, finalmente entendi… Tu foste sempre aquele homem que busquei em todos os homens que já tive ao longo da vida… 

De olhos fechados, emocionado, Mikel replicou:

- Anda cá, fofo…

Os dois homens abraçaram-se e adormeceram assim mesmo, nos braços um do outro, um deles sabendo que aquela seria provavelmente a última vez que estariam assim, juntos. Damian estava longe de imaginar isso. Mas Mikel… Ele sabia. Sabia com toda a certeza do seu coração. A cada segundo que passava, ele estava mais perto de dizer adeus a Damian. No seu íntimo, ele agora tinha todas as certezas do Mundo. 

[Continua...]