31 maio 2023

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 73

Capítulo 73


Shade regressou ao hotel. Ansioso por falar com alguém, ligou para Damian, que não atendeu. Triste, ligou para Noah, que ficou chocadíssimo com tudo o que o amante lhe contou.

- Meu Deus, amor! Queres que eu vá ter aí contigo? Nem que tenha de apanhar um avião! Eu vou ter aí contigo, amor! - declarou Noah, nervoso.

Desatando a chorar, infeliz, Shade aceitou.

- Por favor, vem sim, meu amor! Eu não aguento fazer isto sozinho! É demasiado para mim! É um fardo muito pesado! O Jules não imaginava o que estava a pedir-me… Ou talvez soubesse… E tenha sido por isso que me pediu… E se suicidou…

- Eu vou já para aí, Shade! Por favor, não saias desse hotel, está? Tem um pouco de paciência, tenta dormir, que logo, logo, eu estarei aí! - rematou Noah, preocupado.

Shade assim fez. Tomou um bom banho, comeu o resto das frutas que deixara de manhã e adormeceu, tendo uma noite sem sonhos.


*16 de Setembro de 2018*


No dia seguinte, Noah chegou a Loveland e encontrou Shade no hotel. Os dois abraçaram-se e choraram juntos, partilhando o peso do segredo que Shade acabara de descobrir.

Depois de se acalmarem, decidiram regressar a Fargo, para confrontarem a diretora do Centro Comunitário de Fargo. Shade estava determinado a descobrir mais sobre o terceiro irmão e a sua origem.

Ao chegarem a Fargo, receberam uma notícia chocante: a directora Alicia Sheppard tinha sido encontrada morta, no dia anterior, na casa dela, vítima de uma paragem cardíaca!  

Shade não queria acreditar na sua sorte! Como era possível?!? Parecia que carregava uma maldição atrás de si, pois sempre que se aproximava da verdade, esta parecia escapar-se-lhe por entre os dedos! Ele queria descobrir mais, queria saber a verdade sobre o que tinha acontecido à sua mãe biológica e as razões pelas quais ela decidira dar dois dos filhos para adoção - partindo do princípio de que o terceiro irmão tinha sido adoptado, assim como ele fora.

Noah e Shade saíram do Centro Comunitário, perdidos em pensamentos. Agora, a única coisa que Shade sabia era que tinha mais um irmão gémeo, e ele não podia esperar mais para o encontrar e descobrir tudo o que pudessem ter em comum!

Foi aí que se lembrou da foto! 

- É isso! É isso! - gritou, no meio da rua!

Noah questionou-o e Shade mostrou-lhe a foto, explicando:

- O meu irmão é quem anda a deixar as pistas para mim! O Jules deve ter-lhe deixado algum pedido, tal como fez comigo! E ele tem tentado que eu descobrisse sobre ele!

Noah olhou para a foto. Shade, com o cabelo preto, realmente ficava parecido com o rapazinho da fotografia. Sorriu terno. O rapaz da foto era um rapazinho com um ar muito fofo, mas com um olhar bastante triste, olhar de quem apesar da tenra idade, já havia passado por muito. Ele leu a mensagem que estava por detrás da fotografia.

- “Um dia vou ser forte como o Super-Homem, para fugir daqui. E vou procurar a minha mãe. Será que eu tenho algum irmão? Às vezes eu sonho que tenho! E que ele gosta do Super-Homem e vamos brincar juntos! Se ele existir, será que ela o abandonou, como fez comigo? Nova Iorque, 19 de Fevereiro de 2007”…

Shade assentia com a cabeça e olhar perdido. Noah, por sua vez, suspirou:

- Caramba, coitadinho dele! Onde será que ele está agora?

Como Shade permanecesse calado, Noah ofereceu-se para o acompanhar aonde quer que Shade quisesse ir, mas este recusou. Queria fazer aquilo sozinho, queria descobrir tudo sobre a sua verdadeira origem e a sua história pessoal! Shade decidiu que precisava de um tempo para si mesmo, para processar tudo o que tinha descoberto! Ele voltou para casa, agradecendo a Noah pelo suporte e carinho.

- Desculpa, Noah… Mas eu quero, eu preciso de ficar sozinho por um tempo! Espero que me perdoes…! Fiz-te vir de propósito até Loveland, depois até Fargo e agora quero ficar sozinho!

Noah ainda tentou dar um abraço e um beijo, mas Shade recusou. Afastou o enfermeiro com firmeza. Compreensivo, embora desiludido e decepcionado, Noah aceitou ir-se embora, sem dizer mais nada. Quando estava a caminho da estação de comboios, o seu telefone tocou: era Damian, que lhe telefonava para desabafar. Estava triste e chocado com a morte da directora Alicia, mas também não poderia regressar a Fargo, porque estavam nos ensaios finais da peça. Noah comentou que estava em Fargo. Damian, ao saber disso, convidou-o para o ir visitar a Nova Iorque. Ao ouvir Damian a chamar por ele na sua voz sexy e a prometer-lhe um serão escaldante e apaixonado, Noah sorriu, mais reconfortado. 

- Anda ter comigo, querido! Preciso de ti mais do que nunca! Nada como a tua companhia para me abstrair do que aconteceu… E só Deus sabe como preciso disso… - gemeu Damian, num sussurro que deixava Noah com as pernas bambas.

- Nada como esquecer um amor, com outro amor…! – comentou ele para si mesmo, meia hora mais tarde, enquanto entrava num comboio, rumo a Nova Iorque.   


[Continua...]

30 maio 2023

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capitulo 72

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Capítulo 72: Por fim, a terrível verdade! 




Atordoado pelas dores de cabeça, Shade chamou um táxi e pediu que este o conduzisse até um hotel barato. O motorista levou-o até ao Travelodge, um simpático e moderno hotel de 2 Estrelas, perto do centro da cidade.

Chegado lá, ele fez o check-in e assim que entrou no quarto, atirou-se para cima da cama e gritou de dores. Assim que se sentiu um pouco melhor, foi à casa de banho e colocou uma toalha sobre a testa, que parecia que ia rebentar. Jules apareceu ao seu lado.

- Shade! Meu lindo! Como estás? O que se passa? - perguntou.

- Jules?! Ao tempo que não te via! O que fazes aqui?

Ele respondeu bruscamente, incomodado por ver o irmão. Pela primeira vez desde que o conhecera, sentia uma certa repulsa por ele! Jules acompanhou-o até à cama, sentando-se a seu lado.   

- O que andaste a esconder de mim, Jules? Que raio de segredos são estes que estou a descobrir?

Como Jules não dissesse nada, Shade deitou-se e fechou os olhos. De repente, lembrou-se da bebida que Takoda tinha preparado para ele e foi à mochila, de onde retirou a garrafa e seguindo os conselhos do pequeno Xamã, bebeu um gole. Em seguida, pousou a garrafa na mesinha de cabeceira e voltou a fechar os olhos.


*15 de Setembro de 2018*


Shade acordou só no dia seguinte. Ainda se sentia exausto, mas pelo menos a terrível dor de cabeça havia passado. Foi tomar um duche e, ao abrir a porta do quarto, deparou-se com um cesto de frutas e um jornal, acompanhados de um bilhete: 

Shade, estás cada vez mais perto da verdade! Continua assim! Nos arquivos do antigo hospital encontrarás mais respostas! Ler o jornal será sempre uma boa ideia!


Intrigado com o bilhete, Shade decidiu comer as frutas, enquanto pensava no que fazer a seguir. Curioso, ele parou na recepção e perguntou sobre o cesto de frutas. 

- Desculpe senhor, mas a recepção está fechada durante a noite. Apenas os hóspedes do hotel tem acesso ao mesmo, uma vez que a chave magnética abre a porta de entrada do hotel quando fechamos a recepção. Só abrimos a recepção às 7 da manhã.

- Mas… E o serviço de pequeno-almoço?

- Nós temos um salão onde servimos as refeições. A menos que tenha sido alguma encomenda que foi enviada para o senhor, não foi nenhum tipo de oferta ou envio do hotel. Desde que abri a recepção, não passou por aqui ninguém com cestos de frutas ou encomendas.

- Por favor, senhor! É importante! Eu preciso de saber os nomes das pessoas que estão aqui hospedadas! Alguém deixou uma cesta de frutas, um jornal e um bilhete à porta do meu quarto!

O funcionário abanou a cabeça, veemente.

- Eu lamento, senhor. Não posso dar-lhe esse tipo de informações. Quer chamar a polícia? O bilhete continha algum tipo de ameaça?

Frustrado, Shade recusou.

- Não, não é preciso. Talvez tenha sido alguém que deixou à porta do meu quarto por engano! Tenha um bom dia! - rematou, virando costas.      

- Um resto de bom dia para o senhor também!

Impaciente, Shade saiu do hotel. Fungou e chamou um carro, pedindo-lhe que o levasse até ao antigo hospital da cidade. Ao chegar lá, descobriu que a instituição havia sido fechada há anos, pouco restando do edifício original, uma vez que algumas das fachadas principais tinham sido removidas para o novo hospital. Após uma análise pormenorizada ao edifício, ele percebeu que ainda era possível entrar pelas traseiras.




Assim que entrou no hospital, Shade sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. O lugar estava completamente abandonado e coberto de pó. Ele caminhou pelos corredores escuros, iluminados apenas pela luz fraca que entrava pelas janelas partidas.

Finalmente, chegou a uma sala trancada. Usando as habilidades que aprendera com Takoda, durante o tempo que estivera na tribo, Shade conseguiu abrir a fechadura e entrar na sala. Lá dentro, encontrou uma série de arquivos empoeirados e amarelados pelo tempo.

Ao examiná-los, descobriu que eram relatórios médicos antigos, datados da época em que a Laura Sullivan havia sido internada no hospital, em segredo por motivos de uma gravidez indesejada. Ele leu cada página com atenção, sentindo o coração acelerar a cada novo detalhe que descobria.

Ele também descobriu que Aleksia, a sua mãe adoptiva, havia sido internada várias vezes, por episódios de depressão e transtornos mentais. Os relatórios descreviam tratamentos brutais, como terapia de choque, que eram comuns na época. Infelizmente, um desses tratamentos levara à morte do bebé de Aleksia.
 
Shade sentiu-se mal ao ler tudo aquilo. Parecia que a sua mãe adoptiva havia sofrido muito e que ninguém havia cuidado dela da forma que ela merecia. Ele sentiu uma mistura de tristeza e raiva, e decidiu que precisava de saber mais. 

Ela tinha sido uma boa mãe para ele, sempre tratando dele com carinho e amor. Infelizmente, anos mais tarde, o estado de saúde dela agravou-se e fora nessa altura que Shade tinha ficado aos cuidados de uns vizinhos, a quem ele chamava de tios. Vizinhos esses que abusaram, sexualmente mas não só, do pobre rapaz.   

Ao continuar a sua pesquisa, ele descobriu que havia um médico que havia tratado das suas mães durante o tempo em que ambas tinham estado no hospital, no fatídico ano de 1999, um homem chamado William Blake. Descobriu que ambas eram acompanhadas por uma parteira chamada Alicia Sheppard!

Foi então que, ao olhar para os arquivos mais antigos, descobriu algo que o deixou sem fôlego. O caso de Laura Sullivan tinha sido classificado como “Confidencial”, porque ela tinha sido vítima de uma gravidez indesejada, fruto de uma violação, da qual nasceram não dois, mas sim… Três filhos! Ela tinha tido trigémeos! O nome do pai dele estava lá, numa página empoeirada, numa linha que dizia: "Pai Desconhecido". Shade sentiu o chão desaparecer debaixo dos pés. Tudo fazia sentido agora!

Ele ficou ali parado, sem saber o que fazer, enquanto a ficha lhe caía. O seu pai era desconhecido, mas isso já não importava mais! Ele era fruto de uma violação, uma gravidez indesejada, que tinha originado não dois, mas sim três bebés! Três gémeos, que haviam nascido em datas diferentes! 

Shade sentiu-se completamente atordoado com a descoberta. Três gémeos! Ele, que sempre se sentiu incompleto, tinha mais dois irmãos! Jules, que Shade conhecera de forma completamente surreal e um outro irmão de quem ele nunca ouvira falar! Quem seria o terceiro irmão? Onde estaria ele? Será que ele também tinha sido adoptado? Inúmeras perguntas giravam na sua mente, fazendo-o sentir-se perdido e sem rumo.

Ele tentou continuar a ler os arquivos, à procura de mais pistas, mas estava tão abalado que não conseguia concentrar-se. Em vez disso, pegou nos papéis e saiu da sala, decidido a descobrir mais sobre o terceiro irmão.

Ao sair do edifício, percebeu que era já noite, mas a sua mente estava tão agitada que não conseguia dormir. Em vez disso, caminhou pelas ruas de Loveland, perdido nos seus pensamentos, a tentar processar tudo o que tinha descoberto.

Finalmente, Shade decidiu que precisava de falar com Alicia Sheppard, a actual directora do Centro Comunitário de Fargo. Se ela fora a parteira que acompanhara as gravidezes da mãe biológica e da mãe adoptiva, ela deveria ter  as respostas que ele procurava! Foi nesse instante que ele percebeu que ela tinha escondido muitas coisas dele! Talvez ela soubesse mais sobre o terceiro irmão e onde é que ele estava!


[Continua...]

28 maio 2023

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 71

Capítulo 71





Depois de dias de pesquisa, Shade finalmente tinha uma pista! Para a mãe dedicar uma música à cidade, é porque havia algum motivo ou alguém muito especial na tal cidade! Ainda por cima, a terceira pista falava sobre Loveland! Shade partiu imediatamente para a cidade, determinado a descobrir mais sobre seu passado!

Ao chegar lá, de imediato andou a procurar pessoas mais velhas que pudessem saber de alguma coisa sobre Laura Sullivan, mas curiosamente, estas pareciam relutantes em falar sobre o Passado. Então, ele decidiu expandir a sua busca e foi para a Biblioteca da cidade, onde começou a procurar por registos e informações. Ao consultar informações sobre nascimentos, descobriu que havia 20 hospitais e clínicas em Loveland! Furioso, ele ficou com vontade de atirar o computador pela janela! Depois de respirar fundo, coçou a cabeça e decidiu reduzir a sua busca. Digitou: 

“Hospitais em Loveland, ano 1999”


A busca ficou limitada a 8 locais!

- Bolas! Ainda é muito! Preciso de mais! - resmungou Shade.

Em seguida, ele tentou:
 

“Nascimentos em Loveland, 31 de Outubro de 1999”


De repente, apareceu no ecrã uma notícia de um jornal local, referente não a nascimentos, mas a uma morte!

“Nasce sem vida um bebé no hospital UCHealth Medical Center of the Rockies”


Shade leu a notícia, apressadamente! Uma mulher grega, cujo nome era Aleksia Athan, tinha dado à luz no dia 31 de Outubro de 1999 um filho já sem vida, devido a complicações no último período da gravidez. Apesar das tentativas de reanimação, os médicos não o tinham conseguido salvar! 

Numa declaração, o hospital lamentava o sucedido.


- Fizemos tudo o que nos foi possível para salvar o bebé, mas a senhorita Aleksia Athan sofria de anemia severa, que foi agravada por uma corioamnionite, que atacou o bebé e lhe causou uma infecção generalizada. - comentou uma parteira do hospital, Alicia Sheppard. - Em nome do hospital, enviamos um voto de condolências e desejamos as rápidas melhoras à senhorita Aleksia. Que Deus a abençoe.


Se Shade já tinha ficado sem chão ao ler que a mãe adoptiva tinha dado à luz um filho morto, mais chocado ficou quando leu o nome da parteira-chefe! Seria possível? Chocado com a revelação, Shade procurou saber mais informações, mas não encontrou mais nada.  

Ele rapidamente pesquisou a morada do hospital. Depois de tomar nota da morada, chamou um carro que o conduziu até ao local. Ainda não sabia muito bem como haveria de encetar a conversa, mas estava decidido a esclarecer algumas informações. 

Era importante encontrar alguém que trabalhasse no hospital no ano de 1999, o que poderia ser difícil. Assim que chegou à Secretaria do Hospital, apercebeu-se que o edifício era muito moderno! Não tinha nada aspecto de ser um hospital com quase 20 anos! Intrigado, ele questionou uma funcionária.

- De facto, assim é! - explicou ela. - O antigo UCHealth Medical Center of the Rockies foi fechado no ano 2000. Estava muito obsoleto. Eles aproveitaram algumas fachadas do antigo, mas criaram este novo hospital de raiz! Ele foi inaugurado em 2007!

A funcionária apontou para uma placa à sua direita, elucidativa da inauguração do novo hospital, a 19 de Fevereiro de 2007.

- 19 de Fevereiro de 2007? - perguntou Shade, para si mesmo.

A data era-lhe estranhamente familiar…

De repente, ele sacou da sua mochila! Ao virar a foto que encontrara em Grace Falls, lá estava! 19 de Fevereiro de 2007! Seria uma feliz coincidência?! Estaria algo escrito nas entrelinhas?!




Como Shade parecesse agitado, a funcionária perguntou-lhe o que se passava. Ele questionou se haveria alguma pessoa que estivesse a trabalhar ali e que tivesse vindo do hospital antigo, ao que a funcionária disse que sim, que ainda havia alguns médicos e pessoal auxiliar. Ele pediu para chamar uma dessas pessoas, ao que a funcionária, com ar inquiridor, questionou:

- Mas… Porque queres falar com alguém desse tempo? Andas à procura de alguém?

Shade assentiu.

- Sim! É isso mesmo! Estou à procura de uma funcionária do antigo hospital! Ela é minha tia e eu queria saber onde ela vive! - mentiu.

- Muito bem, eu vou ver se encontro uma das funcionárias da limpeza que trabalhava no antigo hospital! Não saias daqui!

A mulher saiu dali e atravessou um longo corredor, demorando mais tempo do que Shade gostaria. Ele já estava a desesperar, quando a empregada regressou, acompanhada de uma senhora de cabelos grisalhos e óculos garrafais.

- Olá, meu jovem, boa tarde! Ouvi dizer que andas à procura de alguém que trabalhava no antigo hospital?

Shade convidou a senhora para um café no bar do hospital, ao que esta acedeu, com um sorriso. Pelo caminho, Shade foi inventando uma história, que misturava a verdade com a mentira, mas cujos limites eram muito ténues. Sentados à mesa, enquanto tomavam café, a senhora perguntou:

- Como é que ela se chamava mesmo?

- Dire… Ahammm… Alicia... Alicia Sheppard!
 
- Hummmm… Pelo nome não estou a ver, eramos muitos naquele tempo! Havia bastantes parteiras, sabes? Esse era o único hospital das redondezas onde se faziam partos!

- A sério? Mas existiam mais hospitais aqui! - perguntou o rapaz, pousando a chávena do café.

- Sim, é verdade. Existiam mais hospitais, mas com o serviço de Obstetrícia, esse era o único! - declarou a funcionária.

- Então… Isso quer dizer… Que todos os bebés que nasceram em 1999, nesta cidade, nasceram nesse hospital?!

- Sim meu filho, é isso mesmo! Mas afinal, porquê tanto interesse?

- É como lhe disse! Estou à procura da minha tia, ela vive ou viveu nesta cidade nessa altura! Ela trabalhava nesse hospital e eu estava com esperanças de a rever! Vim cá para a visitar!

- Pelo nome não estou a ver quem é, querido… Tens alguma fotografia da tua tia?

Shade sacou do telemóvel e mostrou uma fotografia de Alicia Sheppard, a última que tinham tirado juntos, na despedida de Damian.  

A mulher ajeitou os óculos várias vezes.

- Eu… Hum… Acho que… Sim! É ela! Já me recordo! Sim! Alicia Sheppard, a Parteira-Chefe do hospital! Olha só! Não mudou muito ao longo dos anos, ah ah ah! Mas… Espera lá! Esta foto é recente! Tu estás ali com ela! O que…? 

A pergunta ficou suspensa no ar. Atrapalhado, Shade preparava-se para se levantar e fugir a correr, quando uma voz feminina se fez escutar, através dos altifalantes do hospital:

- Julie Madison, é chamada ao Bloco Operatório! Julie Madison, dirija-se ao Bloco Operatório 2, o mais depressa possível! 

A mulher olhou para Shade com ar inquiridor e confuso. Levantou-se e saiu a correr, com uma agilidade atípica para alguém da idade dela. Shade, por sua vez, aproveitou a oportunidade para fugir a correr do hospital. Tinha a cabeça a fervilhar com as informações adquiridas e uma brutal dor de cabeça prestes a explodir.


[Continua...]

27 maio 2023

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 70

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Capítulo 70


Depois de passar dois dias em Washington, Shade regressou a Fargo, onde foi recebido com muito entusiasmo por William e Adam. Juntos, os três celebraram até às tantas nos dias seguintes! Ele telefonou várias vezes para Noah, que, tal como ele suspeitara, se demonstrou super carinhoso com ele. Ele ficou feliz por isso, certo de que o enfermeiro era provavelmente o único rapaz que o amava de uma forma romântica. 

- É uma pena o timing ser tão errado… - suspirou Shade, depois de desligar uma videochamada que tinha feito com Noah e onde ambos haviam matado as saudades que nutriam do corpo um do outro de forma virtual, prometendo um encontro para breve, onde saciariam as saudades de forma real.


*6 de Setembro de 2018*


Shade sonhou com a mãe adoptiva durante a noite. Ela gritava por ele, enquanto o procurava, num centro comercial gigantesco. Intrigado com o sonho, Shade regressou à casa da mãe adoptiva naquele dia, ficando surpreendido ao ver que a casa tinha sido assaltada! Alguém arrombara a porta e remexera ainda mais na casa, dando a entender que procurava algo! Mais intrigado ficou, quando viu que o assaltante tinha marcado território no seu antigo quarto! A mancha era bem recente e a parede e o chão marcados ainda estavam húmidos! Shade ficou muito surpreendido com aquilo! Seria uma estranha coincidência? Decidiu dar uma vista de olhos com mais atenção pelo quarto. Não tardou a descobrir, muito próximo da mancha do chão, uma parte de uma página do diário do Jules! A página tinha sido uma das páginas rasgadas do diário! Com o coração a bater muito depressa, Shade leu o que Jules tinha escrito!


*Diário de Jules, Página 410* 


Querido diário, sigo no impasse a respeito do que descobri… 
A verdade é ainda pior do que imaginei! 
O Shade está longe de imaginar o que o espera, mas não posso fazer mais nada. 
Sinto-me preso. 
E traído. 
E não sou o único. 
Ele também se sentiu, quando lhe contei tudo o que sabia… 
Na verdade, ficamos ambos chocados com a revelação! 
Enfim, sou uma pessoa horrível. 
Não me consigo manter fiel a ninguém… 
Pensei que gostava do Matoskah, mas… 
Acho que estava mesmo enganado! 
Depois de o conhecer, senti o mesmo que senti pelo Daniel, pelo Matoskah, pelo Shade… 
A minha vida não é a mais a mesma, depois de te ter conhecido, embora cada vez mais tenha a certeza que é do Daniel que eu gosto. 
Mas se pudesse, ficava com vocês todos, incluindo-te a ti,


O resto da página tinha sido cuidadosamente rasgada!

Shade procurou pelo resto da folha, mas não encontrou mais nada! De repente, ao virar o papel, deparou-se com uma mensagem, escrita por outra pessoa:    

Já vi que encontraste a foto e a pen! 
Muito bem! Estás no bom caminho! Continua! 
Já sabes onde tens de ir a seguir!


Este acontecimento fez com que Shade se decidisse a partir, sem mais demoras, determinado! Mais do que nunca, ele sentia que era o momento de seguir em frente e descobrir a verdade!

Ao regressar a casa de William e Adam, a ficha caiu-lhe, por fim! Alguém andava a segui-lo! As “marcações de território” - uma das coisas que Shade tinha um particular prazer em fazer um pouco por todo o lado, desde criança - a pessoa que o seguia estava a fazer também, como forma de lhe deixar algum tipo de pista ou tentativa de lhe chamar a atenção! Mas quem seria? Amigo ou inimigo? E como sabia a pessoa exactamente os passos que Shade estava a dar?  

Os pensamentos que o invadiram começaram a assustá-lo. Seria alguém ligado à Mão Divina, interessado em vingar-se de Shade por Bianca ter posto um ponto final à organização? Talvez o assassino de Laura, decidido a acabar com o último herdeiro da cantora? 

Preocupado, ele pegou na foto e na pen e tentou perceber o que lhe queriam dizer. Colocou a música a tocar vezes sem conta, intrigado com as informações que ia recolhendo. Dentro da pen existia uma música e três notas:

1ª A música explica tudo;
2ª Lê bem a letra da música;
3ª Encontra-me na cidade onde o sol se põe!   


Ele já tinha percebido o significado das duas primeiras pistas. A terceira pista é que não fazia sentido nenhum! Olhou para o rapaz da fotografia e decidiu pintar o cabelo de preto! Talvez assim despistasse o seu perseguidor! Ele meteu na sua mochila alguma roupa, incluindo uma t-shirt cava do Super-Homem, uma das suas favoritas, para lhe dar sorte. Sem chegar a mais nenhuma conclusão, cedo entendeu que o mais correcto seria ir ao Colorado, procurar o hospital onde Laura o tinha tido, junto com Jules. 


*14 de Setembro de 2018*


Shade já tinha começado a sua investigação há alguns dias, procurando por qualquer pessoa que pudesse ter conhecido sua mãe biológica. Ele falou com muitas pessoas, mas o Estado do Colorado era grande, para continuar a procurar às cegas. Naquela tarde, ele estava numa cidade chamada Johnstown, quando se sentou num restaurante para comer algo. Perdido nos seus pensamentos, não deu por um velhote a aproximar-se dele.

- Olá, meu jovem! Tudo bem? Estás de volta à cidade?

Shade estremeceu e deu um salto na cadeira, assustado!

- Aiiii! Quem é o senhor?!

O velhote olhou confuso para ele.

- Não te recordas de mim? Sou o senhor Milles… Estivemos juntos há algum tempo, quando estiveste aqui na cidade! Eu paguei-te o jantar!

- Acho que o senhor me está a confundir com alguém! Eu nunca estive aqui nesta cidade! Aliás, nunca tinha estado sequer no Colorado! 

- A sério?! - insistiu o velhote. - Bom, se assim é, peço desculpas, meu jovem! A minha visão já não é o que era! És muito parecido com ele…

Uma senhora, com os seus quarenta anos, aproximou-se da mesa de Shade.

- Ó pai! Que anda a fazer a incomodar o rapaz? Não vê que o assustou? 

A mulher virou-se para Shade e desculpou-se:

- Por favor, peço-te desculpas! O meu pai tem Alzheimer e não posso deixá-lo sozinho por um segundo, que ele logo vai ter com as pessoas a dizer que as conhece de algum lugar!

Shade sorriu, compreensivo.

- Está tudo bem, senhora. Foi só um susto, mas já passou!

A mulher deu o braço ao pai e afastaram-se, enquanto comentava:

- Pelos vistos enganei-me, filha! Mas este rapaz é muito parecido com aquele, que andava à procura da Laura Sullivan!

Ao ouvir aquilo, Shade engasgou-se! Ele levantou-se e subitamente foi ter com o velhote, olhando-o com ar muito sério:

- O que foi que o senhor disse? Falou de um rapaz que andava à procura da Laura Sullivan?!?

A mulher percebeu que o rapaz ficara agitado com algo e rematou:

- Ó filho, o meu pai não diz coisa com coisa! Não ligues! 

Shade agarrou-lhe uma das mãos. A mulher estacou.

- O que foi?! - perguntou.

Shade quase que tinha um ataque cardíaco, pois o coração dele batia de forma descontrolada!

- Desculpem, mas eu preciso de saber! Vocês sabem alguma coisa sobre a Laura Sullivan?! 

A mulher, admirada, ia responder, mas o pai adiantou-se-lhe.

- Há uns tempos estive com um rapaz muito parecido contigo. Ele queria saber sobre essa linda cantora! Cheguei a conhecê-la quando ainda estava a começar a carreira dela, ainda era uma jovem, ah ah ah ah! Ela sempre foi muito bonita…

Shade queria saber mais, mas o homem deixou de dizer coisa com coisa. Shade insistiu e a filha dele rematou:

- Não sei onde o meu pai foi buscar a ideia de ter jantado com um rapaz como tu. Ele deve estar a confundir-te com o meu filho, que tem os cabelos escuros como os teus… Desculpa lá, meu rapaz… Agora, se nos dás licença… Está na hora de levar o meu pai de volta para casa!

A senhora levou o pai embora, que ainda se virou a cabeça para trás e sorriu para Shade. Este sentiu o entusiasmo a esvaziar-se mais depressa que um balão a ficar sem oxigénio. Desanimado, foi pagar a conta. A empregada, ao vê-lo com ar tão triste, perguntou-lhe o que se passava e ele explicou.

- A Laura Sullivan? Claro que me recordo dela! Uma cantora muito talentosa! Ela chegou a comer aqui muitas vezes, mesmo quando se tornou famosa! Ela gostava tanto do Colorado, que chegou a escrever e dedicar uma canção à cidade onde o sol se põe! - declarou, orgulhosa. 

Ao escutar aquilo, Shade ficou sem uma pinga de sangue e teve uma tontura forte, que quase o fez desmaiar! A empregada, preocupada, deu-lhe um copo de água com açúcar. Quando este se recompôs, perguntou, nervoso:

- A cidade onde o sol se põe? Que cidade é essa?!   

A mulher abanou a cabeça, incrédula!

- Vocês hoje em dia não aprendem nada de jeito na escola! Só aprendem aquelas danças do rabo e sei lá o que mais! Então, a cidade onde o sol se põe é Loveland, a uns 15 quilómetros a Oeste daqui!

[Continua...]

26 maio 2023

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 69

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ACTO SÉTIMO: A Chegada do verdadeiro Inverno!
                                                                            Inferno!


Capítulo 69


- Mikel! Mikel! - gritaram todos na tribo, à medida que um rasto de chamas se erguia rumo ao céu e se extinguia, aos poucos.

Shade desatou a chorar, abraçado a Kangee. Estava inconsolável. Quanto a isso, não era o único. Matoskah chorava abraçado a Baya Ainila, Takoda estava abraçado aos pais, Cetan Nagin abraçado a Siha Sápa, Maȟpyua Lúta abraçado a Wakinyan, Agatha abraçada a Paytah. Todos choraram durante um bom bocado. De muitas maneiras, Mikel tinha-os marcado e estavam certos de que as coisas seriam bem diferentes dali em diante.

A Presidente Zelda Washington chegou de surpresa na tribo, horas depois. Ela ainda mantinha a secreta esperança de que Mikel só partiria no final daquele dia, mas, para sua grande tristeza, quando ela chegou, já não o encontrou.

Ela reuniu-se com Shappa, Chayton e Agatha. Matoskah, que estava visivelmente abalado, insistiu em assistir à reunião, mas não lhe foi permitido, mesmo sendo o líder da tribo.  

- Querido, já falamos sobre isso no outro dia, não foi? - inquiriu a mãe, com carinho. - Esta é uma reunião de trabalho, visto que nós agora trabalhamos para uma organização que o teu marido fundou. Estamos a debater assuntos muito importantes mas que não te servem para nada… Vai descansar um pouco, junto do teu filho… Ele precisa de ti agora, mais do que nunca!  

Matoskah, impressionado pelo tom de voz directo e autoritário da mãe, virou costas e foi ter com Baya Ainila, pedindo-lhe desculpas por estar ausente e convidando-o para saírem os dois para um passeio. O rapazinho aceitou de imediato o convite, sendo acompanhado por Takoda, que não queria deixar o irmão, nem o amigo, sozinhos.

Zelda, entretanto, explicou o que a trazia à tribo com tanta urgência - embora o verdadeiro motivo fosse outro e todos soubessem. 

- Eu vinha saber se vocês já têm alguma informação adicional? O Hao Fang tem umas informações que gostaria de compartilhar com vocês… A situação em Nova Iorque está mais grave do que nunca. Nestas últimas semanas, houve mais dois assassinatos. As pessoas já estão assustadas mas ainda não temos mais nenhuma pista sobre os assassinos. Vou fazer uma videoconferência com outros membros da F.A.T.E., incluindo um novo membro, que o Mikel recrutou antes de vir para cá, um rapaz chamado Biggie.

Hao Fang e Biggie apareceram no telemóvel de Zelda, ambos com ar sério. Eles explicaram o que tinham descoberto sobre a foto que Shade tinha encontrado em Grace Falls, deixando os restantes boquiabertos! Chayton explicou o que Mikel lhe tinha deixado como informação, o que ia de encontro às descobertas de Hao Fang e de Biggie, bem como o que ele deixou por escrito para fazer com a sua fortuna e apartamento que Zelda lhe tinha oferecido em Nova Iorque.

Hao Fang interveio:

- Como já devem ter percebido, a situação vai piorar bastante. Estes assassinos são muito inteligentes. No entanto, começam a seguir um padrão. Atacam todos os meses, com duas semanas de diferença.

Biggie meteu a sua colherada:

- Curiosamente, o Desmembrador ataca sempre nos primeiros três dias da Lua Cheia. Eu acho que estamos perante algum tipo de ritualista ou canibal com algum tipo de fé na Lua Cheia… Resta saber que tipo de pessoa é.

Agatha comentou:

- Eu diria que poderia ser uma mulher ou até um casal. A Lua Cheia, se realmente é alguém ligado ao Misticismo, é uma Lua de Poder para as mulheres. 

Shappa exclamou:

- Agora que falas nisso! Nunca colocamos a hipótese de os assassinos serem um casal! É uma boa teoria!

- Sendo assim, poderíamos colocar a hipótese de que um deles mata para despistar o outro… - retorquiu Chayton, com ar sério. - Acho que está na hora de puxarmos dos nossos galões e irmos mais a fundo. Precisamos de saber o que sabem as nossas fontes seguras a respeito do assunto! Já estamos há muito tempo fora!

- Concordo! Eu também vou regressar ao trabalho! Foi boa esta paragem, mas está mais do que na hora de eu também voltar! Creio que isto é um separar de águas para todos! - declarou Agatha, com pesar.

- Ninguém pode saber que trocamos informações. Para todos os efeitos, trabalhamos para organizações rivais… - rematou Shappa, com pesar. - Foram umas boas férias… 

- E quanto ao Shade? O que fazemos? - perguntou Zelda.

- As ordens que o Mikel deixou foram claras: deixar o rapaz investigar as coisas e descobrir a verdade sozinho, pelo menos até ao final de Novembro. Só devemos intervir, caso nessa altura ele ainda não tenha descoberto nada. Ele não deve passar do final do ano… De acordo com os médicos, o aneurisma que ele tem vai rebentar em menos de 6 meses… - suspirou Chayton, triste.

Biggie ficou chocadíssimo com a revelação e com a frieza com que todos pareciam encarar a situação.

- Meus! Como é que vocês podem falar assim?

- O Mikel já te explicou isso antes… É importante para o Shade ter algo por que lutar, senão ele vai simplesmente desistir. E pode acontecer da verdade, se lha transmitirmos assim de chofre, provocar o rebentamento do aneurisma mais cedo. Se quiseres ter a morte dele na tua consciência… - respondeu Hao Fang.

- Não! Cruzes-credo, dude! O Shade é bom rapaz! Entendi! Obrigado!  

- Parece muita frieza da nossa parte, mas tenta entender os motivos do Mikel. Mesmo não estando aqui, ele deixou ordens claras e devemos segui-las à risca, para o bem de todos. - declarou Zelda.

- Segundo percebi, o Shade tem pistas sobre o seu nascimento… E deve ser esse o seu próximo passo… - afirmou Agatha.

- Muito bem! Sendo assim, eu vou convidar o Shade a vir embora para Washington comigo! Se ele aceitar, poderemos monitorizá-lo mais facilmente, certo? - inquiriu Zelda.

- Pode deixar comigo, Senhora Presidente! Eu colocarei um localizador no telemóvel dele! - ofereceu-se Biggie, desejoso de mostrar serviço.

- Era boa ideia entrarmos em contacto com o Noah. O Shade nutre um sentimento pelo rapaz e agora, com a partida do Mikel, ele vai ficar muito vulnerável. - sugeriu Shappa.

- Olha, excelente ideia! Vou já entrar em contacto com ele! A ver se ele propõe ao Shade partir com ele nesta aventura em busca pela verdade! - retorquiu Zelda. 

- Entretanto, Chayton e Shappa, a vossa tribo está em Nível Amarelo de ameaças. Não sei se vocês já se aperceberam, mas algumas Tribos do Sul querem aumentar o território adjacente à cidade de Grace Falls… E por consequência, abocanhar o território da cidade! - alertou Hao Fang.

- Estamos a par disso. Só o Matoskah, o Mikel, o Takoda e o Baya Ainila é que ainda não sabem. Escondemos deles, o máximo que pudemos. Agora com a partida do Mikel, não sei como vai ser, mas cá nos haveremos de arranjar. Será um bom teste à capacidade de liderança do nosso filho… Até porque nós também partiremos já amanhã. - desabafou Chayton. 

- Eu também partirei sem mais delongas. Custa-me deixar o Paytah, mas se tudo correr bem, venho visitá-lo aos fins-de-semana… suspirou Agatha, com ar sonhador.   

- Bom, vou dar esta reunião por encerrada. Temos todos muito trabalho pela frente! Boa sorte a todos! Que Deus nos abençoe! - rematou Zelda.  

Finda a reunião, Zelda procurou por Shade.

- Então, querido? Como estás? Não muito bem, certo…? 

Antes que o rapaz respondesse, ela prosseguiu:

- Olha Shade, queres boleia para Washington? O Biggie andava à tua procura! Ele ficou preocupado contigo, depois de teres ido para o hospital!

- A sério? Ele é um fofo… - suspirou Shade, emocionado. - Eu acho que já não estou aqui a fazer nada mesmo… Eu vou aceitar a boleia, sim... Até porque… 

De repente, Shade estacou, pensativo. Havia qualquer coisa que lhe soava estranha no meio daquele discurso todo. Será que Zelda queria sacar-lhe informações? Ele tinha percebido os movimentos suspeitos e as reuniões clandestinas com Agatha, Chayton e Shappa. O café com Agatha já lhe deixara com a pulga atrás da orelha. Desconfiado, decidiu que teria de agir com muita cautela.

- Sim…? Está tudo bem, querido? - insistiu Zelda.

- Nada, nada… Estava a pensar que antes de ir, queria-me despedir do chefe Matoskah! Podemos esperar por ele e depois irmos?

Shade riu-se para si mesmo. Ele estava a dar ordens à Presidente dos Estados Unidos da América! Sentiu-se poderoso.

- Claro, claro! Podemos esperar um pouco, sim! Eu não tenho nada marcado para hoje, pelo menos não de forma oficial!

E assim, enquanto Shade chamou Kangee para uma despedida em privado na sua cabana, os restantes aguardaram pelo regresso de Matoskah, Baya Ainila e Takoda, que só regressaram ao início da noite.

Shade teve direito a beijos calorosos por parte de Wakinyan, Cetan Nagin, Siha Sápa - que lhe deu um beijo de tirar o fôlego - Maȟpyua Lúta e Kangee. 

Matoskah agradeceu a vinda dele à tribo e deu-lhe um abraço caloroso, afirmando que ele não beijaria mais nenhum homem, a não ser Mikel.

- Serás sempre bem-vindo à minha tribo, Shade! Quem sabe, um dia, tu e o Kangee não se entendam? - rematou, piscando o olho a Shade, que baixou os olhos, envergonhado.    

Kangee declarou, com ar decidido:

- Eu vou continuar a viver aqui na aldeia e vou cuidar dos meus amigos e desta família que é a tribo. Eu sei que a tua jornada é importante, mas também sei que a minha própria jornada segue um caminho diferente do teu. Cada um de nós tem de trilhar o seu próprio caminho a seguir, e eu estou feliz com o meu. Se, algum dia, entenderes que queres trilhar um caminho aqui na tribo, lado a lado, então aí, poderemos ver disso…

Ficou claro para todos que Kangee não estava apaixonado por Shade. Eles tinham tido algo, mas era ali que terminava a história deles. Shade sabia-o, pois recordava-se dos desabafos de Jules sobre Matoskah seguirem no mesmo sentido. Os homens daquela tribo eram fogosos e apaixonados, mas muito direccionados aos deveres e tradições da sua cultura. E estava tudo bem para ele. Shade não queria um relacionamento amoroso naquele momento, não com Kangee, pelo menos. Os seus pensamentos vaguearam para bem longe, alternando entre Mikel, William, Adam, Damian e Noah. 

Curiosamente, foi nesse momento que Shade se apercebeu que já fazia algum tempo que não via Jules, nem pensava muito nele, nem sentia mais o coração bater de forma apaixonada pelo irmão como outrora. Na verdade, até a um nível físico, desde que chegara à tribo, não tivera mais dores de cabeça, nem tonturas. Preparava-se para comentar isso mesmo com os restantes, quando Takoda lhe entregou uma garrafa.

- Bebe um gole desta bebida, todos os dias. Quando acabar, podes vir cá, que eu preparo mais!

Shade agradeceu e deu um abraço a Takoda e a todos os restantes membros da tribo. A Presidente Zelda deu ordens para o helicóptero dela ser ligado, pois queria partir imediatamente.

- Até qualquer dia! Muito obrigado por tudo! - rematou Shade, enquanto todos os membros da tribo acenavam-lhe e sorriam.

Assim que Zelda e Shade entraram no helicóptero, sentaram-se e colocaram os cintos. Um dos seguranças fechou as portas e o helicóptero levantou voo, rumo a Washington.    


[Continua...]

25 maio 2023

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 68

Podem ler os capítulos anteriores, bem como outras novelas, clicando aqui.



Capítulo 68 [Especial]: Adeus, Mikel! 


*31 de Agosto de 2018*

O dia amanheceu cinzento e ameaçava chover. Quase toda a tribo acordou cedo, com a excepção de Matoskah e Mikel. Quando Baya Ainila acordou, ele saiu da cabana sem fazer barulho, para deixar os pais dormirem em paz e foi ter com Takoda e os pais deste, tomar o café da manhã.

- Estás bem, Baya Ainila? - gesticulou Takoda, dando-lhe beijinhos.

- Não sei se estou preparado para isto, Takoda… - respondeu Baya Ainila.

Shappa abraçou o pequeno, que rapidamente desatou a uivar, enquanto chorava.

- Ó meu querido filho… Meu amor…!

Takoda e Chayton observam a cena, sem saber o que dizer. Takoda estava triste pelo amigo, mas não sabia o que falar para o consolar. Chayton afagava os cabelos do pequeno Baya Ainila, tentando confortá-lo. Shade veio ter com eles e abraçou-se a eles a chorar. Não tardou para que todos os membros da tribo se juntassem a eles e chorassem juntos.

Entretanto, na cabana de Matoskah e Mikel, estes acordaram e deram pela falta do filho. Como vissem que toda a tribo estava reunida à saída da aldeia, deixaram-se estar recostados um no outro. Choraram juntos enquanto se entregavam completamente um ao outro, fazendo amor, olhos nos olhos.

Eles amaram-se várias vezes. Simplesmente não queriam pensar no futuro, nem em saírem dali, do seu ninho de amor. Os lábios de um procuravam os lábios do outro, de forma insaciável. O mesmo acontecia com outras partes dos seus corpos, que estavam mais sedentas do que nunca! Por fim, depois de várias “dádivas” um ao outro, os dois amantes acabaram numa verdadeira luta de espadas, que lhes gerou um orgasmo tão intenso, mas tão intenso, que toda a tribo ouviu!

Escusado será dizer que toda a gente, sem excepção, desatou a rir às gargalhadas! Matoskah e Mikel, bem mais aliviados, depois de recuperarem as forças, saíram da cabana, envergonhados!
 
- Uma despedida em grande, é assim mesmo! - gracejou Siha Sápa.

Todos se riram, incluindo os dois amantes, que se juntaram à mesa para comer com os restantes. No final da refeição, o Grande Chefe Heȟáka Sápa discursou, agradecendo todas as bênçãos que a presença de Mikel tinha trazido à tribo e desejando-lhe a maior das sortes, profetizando que um dia eles voltariam a encontrar-se. 




Um a um, os membros da tribo abraçaram, beijaram e dedicaram algumas palavras de afecto e gratidão a Mikel, reforçando as palavras do Grande Chefe. A cada um deles, este respondia, emocionado, retribuindo o carinho. Shade queria ficar para o fim, mas Matoskah e Baya Ainila não deixaram, invocando que eles é que deveriam ter essa honra. 

Num daqueles Acasos do Destino, a Presidente Zelda e Hao Fang ligaram para Mikel, quando Shade estava prestes a despedir-se dele. Eles discursaram de forma muito emotiva e inflamada e agradeceram toda a ajuda e apoio ao longo do tempo. Assim que chegou por fim a sua oportunidade, Shade abraçou-se ao amigo a chorar e trocaram um terno beijo. Shade disse a Mikel que nunca o esqueceria e que o amaria para sempre. O amigo rematou:

- Meu querido Alexis… Tens uma grande missão à tua frente! No entanto, eu quero acreditar que vais conseguir! Acredito igualmente que te esperam algumas surpresas e desafios, mas fica o meu conselho… Segue os teus instintos e não percas a Esperança!! Eu acredito que muito, muito, muito brevemente, vais cumprir o derradeiro desejo do Jules! Boa sorte, Alexis! Obrigado por todos os bons momentos que passamos juntos!

De repente, a fénix Rá surgiu nos céus, afastando as nuvens e trazendo consigo um belo arco-íris e um dia solarengo.

- Meu amo, está na hora de partirmos!

Baya Ainila, Matoskah e Mikel abraçaram-se em silêncio, encarando-se com expressões solenes. Todos sabiam que aquela era uma despedida muito difícil de suportar.

- Despedidas são tão tristes... - gesticulou Baya Ainila, com o coração pesado de tristeza.

- Sim... Algumas despedidas são muito tristes... - comentou Mikel com a sua voz cheia de emoção.

O Chefe Matoskah, que geralmente era o mais optimista do tribo, olhou para o chão, tentando encontrar as palavras para expressar os seus sentimentos. 

- Eu... Eu quero acreditar que tu voltarás...! Eu sei que nos voltaremos a ver! Mikel, Čhaŋtéčhičiye39! - sinalizou, levando a mão esquerda ao peito. - Eu sinto isso aqui, no meu coração! E quando nos reencontrarmos, estaremos juntos, ficaremos juntos, para sempre! Para além do para sempre!

Mikel abraçou Matoskah e Baya Ainila. Ele sentia que estava a perder o domínio sobre as suas emoções.

- Vocês agora são a minha família! Estaremos juntos sempre que pensarmos uns nos outros! - sinalizou, com a sua voz embargada de tanta emoção.

Baya Ainila, com lágrimas nos olhos, gesticulou: 

Até34! Eu... Eu estarei contigo todos os dias! Sempre!

Matoskah com os olhos marejados de lágrimas, acrescentou: 

- E eu estarei contigo todas as noites!! Sempre!!!

Mikel não se queria ir embora. A ideia de se despedir da sua nova família era uma dor demasiado dolorosa para ele suportar.

- As despedidas são tão tristes! Principalmente esta! Não me quero despedir de vocês os dois! Vocês tornaram-se o meu bem mais precioso! - gesticulou, com a sua voz cheia de tristeza.

Voltando-se para o filho, Mikel sorriu com ternura e declarou, em linguagem gestual: 

Thečhíȟila42, Baya Ainila! Philámayayapi43!

Baya Ainila, dominado pela emoção, desatou a chorar. Ele abraçou o pai, gesticulando entre soluços e urros:

Tu és o meu até34! Tu és o meu até34! Thečhíȟila42!!

Matoskah ficou em silêncio, observando o momento de ternura entre Mikel e Baya Ainila. Enquanto pai e filho se abraçavam, ele não pôde deixar de sentir o coração dele a desfazer-se em mil pedacinhos. Ele sabia que aquele era o último momento dos três… Mas… Era bem mais do que isso para ele e para Mikel.

Virando-se para encará-lo, Mikel abraçou-o e beijou-o com todo o amor e paixão.

- Matoskah, tu tornaste-te tão importante para mim! Nunca me esquecerei de todos os momentos que passamos juntos. Thečhíȟila42!

O corajoso Chefe da tribo dos Guerreiros Arco-Íris não aguentou mais e desatou a chorar.

- Eu vou sempre lembrar-me de ti, meu amor! Contigo, eu aprendi muito sobre verdadeiro significado do Amor e da Família! Thečhíȟila42! Philámayayapi43!

Mikel puxou-o para um abraço apertado, segurando-o forte contra o seu peito. Os corações de ambos batiam à mesma velocidade, em perfeita sintonia. 

- Tu és o dono do meu coração, Matoskah. E agora, permanecerás nele. Para sempre!

O casal beijou-se pela última vez. Um beijo que durou apenas alguns segundos, mas que para eles os dois, durou por toda a Eternidade! Baya Ainila correu para junto deles e os três abraçaram-se com força, sabendo que este adeus seria um dos mais difíceis que teriam de suportar nas suas vidas. Eles sabiam que sempre estariam juntos, no coração e na mente uns dos outros, não importava onde a vida os levasse! Com o coração pesado, Matoskah pegou em Baya Ainila e afastou-se do marido. O tempo deles chegara ao fim. Ele rematou:

- Adeus, Mikel! Nunca te vou esquecer! Nunca!!!

A fénix Rá fundiu-se com Mikel. Este regressou à forma etérea que obtivera quando fora salvar Matoskah na Casa Branca. Ele olhou para todos os membros da tribo, enquanto Matoskah se afastava, com lágrimas a escorrerem pelo seu rosto. Baya Ainila, que queria correr para os braços do pai, abraçou-se a Matoskah, uivando feito louco. Mikel-Rá abriu as suas asas cor de fogo, da mesma cor dos cabelos de Matoskah. Ele sabia que um pedaço do seu coração ficaria ali, com ele, bem como outro pedaço do seu coração ficaria com Baya Ainila. 


Mikel-Rá sentiu que estava a perder rapidamente a sua consciência humana. No derradeiro momento, despediu-se telepaticamente de Kyle3 e fechou os olhos. De repente, Mikel-Rá mudou de forma. Ele tornou-se uma verdadeira fénix e levantou voo, partindo, por fim, rumo ao céu azul.



Notas do Autor:

3 - Sombras da Luz: Amanhecer;
34 - Pai;
39 - Traduzido à letra, significa: O meu coração é inspirado por ti! [É uma forma bonita de dizer “Eu amo-te!”];
42 - Eu amo-te!
43 - Obrigado!


[Continua...]



************************************************************************


É de forma bem simbólica que, numa daquelas coincidências do Destino, a novela do Mikel termina hoje! Foram 10 anos de histórias, com o Mikel a fazer parte de 7 das 10 novelas que já publiquei ao longo desta década! Há 10 anos atrás, estava eu num encontro de bloggers, que foi o mote de inspiração para eu começar a escrever novelas e contos!


Muitas coisas aconteceram desde então. Das pessoas que escreviam na altura do encontro, quase já ninguém escreve. Dos blogues que eu lia, então, só restou o do Francisco, um dos pouquissimos blogues que li do príncipio ao fim - os que li foram o dele, o do Mark e o do João Roque. O Francisco é dos escritores, leitores, fãs, amigo, mais queridos, sábios, inteligentes e divertidos que conheço e acompanho. 


O Mikel, como muitos de vocês já devem ter percebido, é o meu alter-ego. As histórias dele e as minhas misturaram-se ao longo dos anos, com alguns episódios da minha história a serem vivenciados por ele. Ele sempre foi muito mais épico do que eu e dizer-lhe adeus foi, seguramente, uma das coisas que mais me custou a fazer. 


No entanto, o Mikel cresceu, amadureceu, e assim como muitas das minhas personagens, assim como um filho quando chega a hora, tinha de partir. Ele tornou-se imortal, através das histórias, que vocês poderão ler e reler, e sempre terá um lugar especial no meu coração, assim como a família que ele encontrou. 


Eu não tive a sorte de conhecer um Matoskah, nem um Baya Ainila, mas fico feliz que o Mikel tenha tido o final feliz que merecia. Ele sofreu muito e só podia ser agraciado no fim! A vida real devia ser assim, devíamos ter direito a um final feliz, depois de penarmos muito! 


A quem acompanhou as histórias do Mikel até agora, espero que tenha gostado. O Mikel voltará para um momento no último episódio desta novela, mas o que havia para vocês descobrirem sobre ele, já foi revelado. 


Divirtam-se a montar o puzzle que é a história do Mikel, ao longo das novelas onde ele entra. Uma pista para perceberem tudo é a data. Não é por acaso que as histórias tem datas. Se estiverem atentos, conseguem encaixar todas as peças e assim perceberem que dentro das histórias, segue outra história, outros eventos, que fazem parte da história do Mikel.  


A todas as pessoas que me acompanham, que me leem por aí, em qualquer canto deste Mundo, obrigado. De coração. É um dos poucos prazeres que tenho na vida, escrever histórias, mesmo que sejam poucas as pessoas que me acompanham, que conhecem o meu trabalho... 


Muito obrigado!


A trama de "Escrito nas Entrelinhas: Parte 3" continuará, até ao Capítulo 100! Ainda existem alguns mistérios para serem revelados e garanto que vos aguardam revelações surpreendentes!

Abreijos,

Jão



24 maio 2023

R.I.P. Tina Turner

Que mês infernal, este! 

Anna Mae Bullock o nome original de Tina Turner, faleceu hoje, vítima de doença prolongada. A fantástica cantora tinha sofrido um duro golpe em Dezembro do ano passado, com a inesperada morte do filho. Hoje, chegou a oportunidade dela finalmente descansar em paz.
 
R.I.P. Anna Mae Bullock aka Tina Turner
26/11/1939 ~ 24/05/2023

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 67



Capítulo 68 [Especial]: Cumplicidade 





*30 de Agosto de 2018*
 

Na véspera de partir, Mikel reservou um momento especial para passar um tempo sozinho com Baya Ainila. Eles foram para uma clareira na floresta, onde Mikel havia construído um baloiço improvisado para o filho.
 
Baya Ainila adorou a surpresa e passou horas a brincar no baloiço, enquanto Mikel observava-o com carinho. Depois disso, foram nadar juntos para a Cascata da Névoa Dourada. A dada altura, Baya Ainila abraçou-se ao pai, enquanto chorava, emocionado.
 
- Mičháŋte él čhiyúze38, até34! - confessou, em linguagem gestual.
 
- Čhaŋtéčhičiye39, čhiŋkší33! - declarou Mikel, emocionado, em linguagem gestual.
 
A chorar, ele abraçou e beijou o filho.

- Tu és a maior dádiva da minha vida. Tu és o čhaŋté mitȟáwa40! Eu estarei sempre contigo, meu amor! Nunca duvides disso!

- Prometes?

- Sim. Tu és o meu wi41!

Era em momentos como aquele que Mikel ficava completamente dividido entre prosseguir a sua missão ou simplesmente desistir e ficar ali, junto das pessoas que mais amava.
 
Quando o sol desceu no horizonte, Mikel e Baya Ainila reuniram-se com Matoskah. Os orgulhosos papás sentiam-se completos por terem-se um ao outro. Eles sabiam que estavam a formar uma família, baseada no Amor, na Confiança e na Felicidade.
 
Naquela noite, houve uma grande festa na tribo. Todos estavam tristes com a partida de Mikel, mas ninguém, nem mesmo Shade, queria demonstrar isso. A música e a dança eram animadas, mas havia uma certa tensão no ar. Shade tentou divertir-se como todos os outros, mas não conseguia ignorar a sensação de que algo estava errado.
 
Enquanto dançava, notou que alguns membros da tribo se afastavam em pequenos grupos para conversar em voz baixa. Ele tentou aproximar-se para ouvir, mas sempre que chegava perto, eles paravam de falar e dispersavam-se.
 
Finalmente, ele aproximou-se de um grupo que parecia estar a discutir algo importante. Quando se aperceberam da sua presença, ficaram em silêncio e olharam para ele com desconfiança.
 
Shade tentou desculpar-se por interrompê-los e perguntou se tudo estava bem. Wakinyan, que estava entre os presentes naquele grupo, finalmente falou, explicando que havia uma tensão crescente entre as tribos vizinhas e que eles estavam preocupados com a segurança da tribo.
 
- O Matoskah ainda não sabe de nada. Temos feito de tudo para que ele e o Mikel não se apercebam, pois eles merecem aproveitar cada segundo que lhes resta, até ao fim. Mas as coisas estão a agravar-se, sabes? Não vamos conseguir esconder isto do Matoskah por muito mais tempo…
 
Shade ficou preocupado. Ele sabia que Matoskah era um líder forte e carismático, capaz de manter a paz entre as tribos. No entanto, com a partida de Mikel, ele poderia ficar deveras abalado e isolar-se, o que rapidamente provocaria um agravamento da situação.
 
Ele decidiu que precisava agir. Ofereceu a sua ajuda para manter a paz e resolver qualquer conflito que pudesse surgir. Wakinyan e os restantes ficaram impressionados com a coragem e determinação de Shade, mas recusaram a ajuda. Wakinyan retorquiu que aquele era um assunto que só lhes dizia respeito a eles, e eles haveriam de conseguir ultrapassar as dificuldades que estavam a caminho.
 
- Aproveita o resto da festa e não penses mais nisto, amado misún10! Tu também tens uma grande missão à tua frente! - rematou, dando um fervoroso beijo a Shade, que ficou sem reacção, à medida que ele e os restantes afastavam-se, para junto de Matoskah e Mikel, que comiam e bebiam, na companhia do filho e de Takoda, Chayton e Shappa.
 
A música tocava alto, e a fogueira iluminava o rosto dos dançarinos. Shade observava a multidão de longe, tentando manter-se distante do que acabara de saber. Os seus pensamentos voltaram-se completamente para Mikel. Ele sabia que o amigo estava prestes a partir para sempre e sentia que nunca mais o veria.
 
De repente, uma figura familiar aproximou-se de Shade. Era Kangee. O amigo notou a tristeza nos olhos de Shade. Abraçou-o e beijou-o, com carinho. Em seguida, olhou-o nos olhos.
 
- Então Shade, que se passa?
 
Shade puxou o amigo para um canto mais privado, abraçou-o e começou a chorar.
 
- Sabes, Kangee? Eu gosto muito de ti! Gosto muito de todos vocês! Mas gosto ainda mais do Mikel! Ele é um homem muito especial para mim! E ele vai-se embora amanhã! E já não sei o que fazer da minha vida, porque eu sinto-me perdido sem ele! - confessou.
 
Kangee colocou uma mão no ombro de Shade e comentou:
 
- Eu sei que é difícil perdermos alguém que amamos, mas nunca te esqueças disto que te vou dizer… Nós precisamos de nos lembrar que a vida continua, e que sempre haverá novas oportunidades para amarmos e sermos amados!
 
As palavras de Kangee ressoaram em Shade. Ele percebeu que não podia deixar a sua tristeza e melancolia dominá-lo. Ele acabou por se juntar à multidão e recomeçou a dançar ao redor da fogueira, deixando a sua mente perder-se na música e na energia da tribo, que entretanto parecia mais animada, leve e feliz.
 
A festa continuou até altas horas da noite, com todos a dar ânimo a Mikel e a demonstrarem a sua gratidão. Shade acabou por divertir-se com os seus novos amigos, enquanto ria, bebia e dançava ao redor da fogueira.
 
Quando finalmente ele deitou-se para dormir, sentiu uma sensação de paz no seu coração. Ele sabia que nada poderia fazer para resolver os problemas que a tribo enfrentaria, mas estaria disposto a ajudar se eles quisessem a sua ajuda. Pensou em Mikel e no quanto ele se tinha tornado importante para ele e como a sua partida o estava a impactar. Isso entristecia-o, mas agora tinha consciência de que a sua vida continuaria, e que ele encontraria novas formas de Amor e Amizade na sua jornada. Pensou em Noah. Ao tempo que não se lembrava dele! Decidiu que assim que partisse da tribo - uma vez que ali não tinha sinal - haveria de ligar para ele. Mais animado, Shade fechou os olhos e adormeceu, pronto para enfrentar o que o futuro lhe reservava.
 
Matoskah e o marido voltaram para a cabana deles ao início da madrugada. Baya Ainila já dormia, com um sorriso nos lábios, indicador de que estava a ter bons sonhos. Mikel preparou uma ceia romântica para eles. Eles comeram à luz das velas, conversando sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Olhavam-se com carinho, sentindo-se gratos por se terem encontrado um ao outro. Eles tinham chegado a um nível de entendimento tão profundo, que já não precisavam de se expressar por palavras. Ambos sabiam o que o outro queria dizer. Quando, por fim, os dois se deitaram juntos na cama, abraçaram-se e choraram bastante. Mais tarde, mais calmos, fizeram amor e entregaram-se um ao outro de corpo, coração e alma. Eles sabiam que o futuro era incerto, mas estavam felizes por estarem juntos. Os dois acabaram por adormecer ao mesmo tempo, sentindo-se seguros e protegidos nos braços um do outro.

 

Notas do Autor:

 
10 - Irmão mais novo, quando é um rapaz, mais velho, a dizer;  
33 - Filho;
34 - Pai;
38 - Eu tenho-te no meu coração! [É uma forma bonita de dizer “Eu amo-te!”];
39 - Traduzido à letra, significa: O meu coração é inspirado por ti! [É uma forma bonita de dizer “Eu amo-te!”];
40 - Tu és o meu coração! [Outra forma bonita de dizer “Eu amo-te!”];
41 - Sol;


[Continua...]