14 maio 2023

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 57

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3

Capítulo 57 [Especial]: A Prova do Coiote Silencioso e do Lobo Branco! [2ª Parte]




Quando acordaram, Mikel e Baya Ainila não estavam no mesmo lugar! Na verdade, nem estavam na mesma Era, nem sequer no mesmo Planeta!

- Mas… Que raio…!  - gesticulou Mikel.

Ao observar algo com mais atenção, apercebeu-se da cor do céu, dos cheiros, das roupas das pessoas que estavam a passar por ele… Tudo aquilo causava-lhe saudade… Era algo que ele já tinha vivido! Seria um déjà-vu?

Ele e Baya Ainila eram dois seres que não interferiam em nada com os restantes. Era como se fossem invisíveis. De repente, o som de uma trombeta fez Mikel virar a cabeça para trás. Baya Ainila, ao vê-lo fazer aquilo, seguiu-se-lhe.

Uma voz de comando ordenou3:

- Vem aí Sua Alteza Real, O Príncipe Josuke Mikel Gallanos! Prostrem-se perante ele!

O rapaz era alto e esbelto, com porte atlético e as suas vestes eram feitas de tecidos caros e assentavam-lhe muito bem. Tinha um cabelo espesso, cor de palha e um olhar profundo. Os seus olhos eram claros. Os traços do seu rosto eram suaves e ligeiramente femininos. A pele estava bastante bronzeada e os músculos dos braços já começavam a ficar bem definidos e salientes por debaixo das suas vestes. Não teria mais do que 17 anos.

- Alteza! Alteza! - suplicou uma mulher, ensanguentada, que trazia consigo um bebé ao colo, acabado de nascer.

Surpreso, Josuke estacou o cavalo, saltou e correu para junto da mulher, seguido imediatamente por um grupo de homens, que os cercam aos dois. O Príncipe encontra o recém nascido com a sua pobre mãe, que dava os seus últimos suspiros de vida:

- Por favor, meu Príncipe… Tenha piedade de mim e do meu filho… Por favor, Alteza… Tome conta dele. Crie o meu filho e faça com que ele tenha uma boa fortuna… Por favor…! Que todos os deuses e deusas abençoem Vossa Alteza!

Ao terminar de expressar o seu último e derradeiro desejo, a mulher morreu, sendo amparada por Josuke e alguns dos Guardas-Reais. O Príncipe olhou sério para a mulher, apesar dos seus Conselheiros o incentivarem a matar o bebé e a enterrar, filho e mãe, numa vala comum.

Irritado, o Príncipe ordenou:

- Esqueçam! Eu não vou fazer isso! Vou tomar conta desta criança! Se ela me veio parar aos braços, é meu dever tomar conta dela e criá-la! 

Os Guardas entreolharam-se, fizeram uma vénia e afastaram-se. Josuke pegou no bebé, que, estranhamente, chorava, mas não emitia nenhum som. 

- Vamos ver o que és tu, afinal!

Destapando o bebé, rapidamente o Príncipe apercebeu-se de que era um rapazito. Este, quem sabe irritado de ter sido assim destapado, lançou um jacto que atingiu o Príncipe em cheio na cara, fazendo-o rir.

- Corajoso, hein? Ousas desafiar o teu Príncipe e futuro Rei? Tens coragem! Ah ah ah ah! - respondeu Josuke, enquanto limpava a cara às mangas da roupa e cobria o bebé. 

Os Guardas Reais riram-se da situação inusitada, embora com respeito e em silêncio, não fosse o Príncipe ficar chateado com eles! Josuke virou-se para eles e ordenou:

- Guardas! Procurem leite! Não interessa de que tipo, mas seria perfeito se fosse leite de mães que ainda estejam a amamentar! É importante! É um caso de vida ou de morte! Vão! 

Os guardas imediatamente entraram em ação e correram para encontrar um pouco de leite para o bebê recém-nascido. O Príncipe Josuke segurou o bebé perto do peito, tentando acalmá-lo. O bebé continuou a chorar silenciosamente, e o coração de Josuke doía, pela pobre e indefesa criatura.

Depois do que pareceu uma eternidade, os Guardas Reais voltaram com um pouco de leite. Josuke gentilmente pegou num biberão e tentou alimentar o bebé, mas este não mamava. Preocupado, Josuke mandou chamar mães recentes da aldeia mais próxima, assim como chamou um médico do seu exército. O médico chegou rapidamente e examinou o bebé.

- Parece-me que o bebé sofre de uma condição rara, chamada surdez congénita - disse o médico, com voz sombria. - Este rapaz nunca será capaz de ouvir ou falar!

O coração do jovem Príncipe Josuke sentiu uma pontada de tristeza pelo bebezinho, que jamais poderia experimentar as alegrias do som e da linguagem. Mas ele estava determinado a dar à criança a melhor vida possível, apesar da sua incapacidade.

- Vou criá-lo como meu! - declarou Josuke. - Ele não vai querer nada e receberá a melhor educação e cuidados que o dinheiro pode comprar. Ele pode não ser capaz de ouvir ou falar, mas ainda assim, viverá uma vida plena e feliz.

E assim, o Príncipe Josuke colocou o bebé sob a sua proteção e criou-o como se fosse o seu próprio filho. Ele chamou o bebé de Hikaru, que significa “luz”, esperando que o seu filho trouxesse luz para a sua vida e para o Mundo.

À medida que Hikaru crescia, Josuke fazia questão de que o seu filho adoptivo recebesse a melhor educação e treinamento. Embora não pudesse ouvir ou falar, Hikaru tinha uma mente afiada e um grande interesse no Mundo ao seu redor. Ele aprendeu a ler e escrever, e até mesmo a comunicar, utilizando linguagem gestual. Ele aprendeu a lutar e defendia o pai como ninguém.


*8 anos depois do nascimento de Hikaru…*  


- Estamos aqui atolados, Majestade! Não podemos avançar! Teremos de aguardar!

- Bem sei, bem, sei! Não teremos outro remédio! Acamparemos aqui mesmo, até que os mares se abram para seguirmos viagem rumo ao Oceanum Phantanilum, na fronteira com Spodeth-Ómega…

Josuke observava o céu avermelhado e sentia um calor sufocante. Virou-se para o seu filho, um rapaz de longos cabelos claros e olhos esverdeados, com orgulho e amor. Falou com ele em linguagem gestual e explicou que estavam prisioneiros daquela região, até que melhores condições se proporcionassem para que seguissem em frente. 

Seria necessário haver um alinhamento cósmico, que só ocorria a cada 7 anos, para que os mares se permitissem abrir rumo ao Oceanum Phantanilum, na fronteira com Spodeth-Ómega, onde estava o inimigo que ele, Príncipe Josuke, precisava de enfrentar e vencer, a fim de trazer paz ao seu reino. Josuke sabia que o bebé que havia resgatado tantos anos atrás havia crescido e se tornado um jovem notável, que tornaria o Mundo um lugar melhor, a seu lado. 

Não sabiam quando tinha sido o último alinhamento, mas, pelas posições das estrelas, eles estavam desconfiados de que faltava pouco para acontecer o próximo alinhamento cósmico. 

Um barulho nos arbustos, fez toda a gente virar a cabeça para trás. Hikaru saltou e armou logo a sua arma, disposto a atacar, junto com os Guardas Reais!


Hikaru


- Eu sou do reino! Eu venho em paz! - gritou uma voz, atrapalhada!

Um vulto sujo apareceu. Tinha as roupas todas sujas de pó e lama, mas o seu rosto era estranhamente familiar a Josuke! Hikaru seguiu para junto do pai, com a arma em riste. O vulto levantou as mãos, indefeso.

- Majestade? Sóis vós?

Não conseguindo acreditar no que ouvia, Josuke deu um berro:

- Nããããããããããão! És tu…!! Razor?

- Majestade!!

- Razor!!

Os dois velhos amigos correram para os braços um do outro e deixaram-se estar assim, abraçados. Hikaru correu para os braços do pai e agarrou-se às pernas dele, assustado! Nunca o tinha visto a ter uma atitude tão afectuosa com outra pessoa, a não ser ele!   

Josuke explicou ao filho que Razor era um guerreiro que era seu amigo desde os tempos de infância! Por sua vez, Razor ficou admirado por Josuke já ter um filho e não conseguiu disfarçar o ciúme, de cada vez que o rapaz se sentava no colo do pai ou o abraçava. Só mais tarde se apercebeu que o rapazinho era surdo-mudo, mas isso ainda fez aumentar mais o seu ciúme, pois a relação de Hikaru e Josuke era muito forte e cúmplice! 

Naquela noite, o grupo fez um banquete, não só para celebrar o aniversário de Hikaru, mas também a chegada de Razor, que trazia consigo notícias bem preocupantes sobre o estado de guerra eminente que estava prestes a eclodir em Spodeth-Alpha!

Hikaru dava de comer ao pai e pedia para que este lhe desse. O amor fraternal entre ambos era por demais evidente. Hikaru sentou-se junto do pai em frente  de uma fogueira e convidou-o a cantarem enquanto os guardas tocavam instrumentos. Josuke e Hikaru tinham criado uma música durante as noites que tinham tido livres ao longo dos últimos meses. O Príncipe gostou da ideia e decidido, depois dos Guardas irem buscar os instrumentos, começou a cantar e a gesticular, junto do seu filho:



[Josuke]

Olha nos meus olhos,
Esquece o que passou
Aqui neste momento,
Silêncio e sentimento…
Sou o teu poeta,
Eu sou o teu cantor
O teu Rei e o teu escravo
O teu rio e a tua estrada!

[Hikaru]

Vem comigo, meu amado amigo!
Nesta noite clara de Verão!
Que sejas sempre o meu melhor presente!
Seja tudo sempre como é!
É tudo o que se quer!

[Josuke]

Leve como o vento
Quente como o sol
Em paz, na claridade
Sem medo e sem saudade!


[Hikaru]

Livre como o sonho
Alegre como a luz
Desejo e fantasia
Em plena harmonia


Num momento mágico, as duas Realidades fundiram-se! Josuke, Mikel, Hikaru e Baya Ainila cantavam e gesticulavam a mesma canção, com os seus corações a transbordarem de amor!!


[Josuke & Mikel]

Eu sou o teu homem
Sou o teu pai
O teu filho!
Sou aquele que te tem amor!
Sou o teu par
O teu melhor amigo!
Vou contigo seja aonde for!
E onde estiveres, estou!

[Hikaru & Baya Ainila, através de linguagem gestual]

Vem comigo meu amado amigo!
Sou o teu barco neste mar de amor!
Sou a vela que te leva longe!
Da tristeza, eu sei, eu vou!
Onde estiver estou!
E onde estiveres…
Eu estou…!


Um dos Guardas Reais escrevia no seu Livro de Bordo:

- Nos Anais da História de Spodeth-Alpha, o amor do Príncipe Josuke e do seu filho, o Príncipe Hikaru, o Príncipe Surdo, tornou-se uma lenda. Tornou-se uma história de Amor, Compaixão e da Força que o Poder do Espírito Humano tem, para superar as adversidades e fazer a diferença no mundo!


*CABBBBOOOOUUUUUUUUUUUUMMMMMMMM*


Com um clarão, o déjà-vu terminou.

Baya Ainila e Mikel olharam um para o outro. A cada segundo que passava, tudo começava a fazer sentido na cabeça de ambos! Rapidamente, Mikel encontrou semelhanças físicas entre Baya Ainila e Hikaru3, incluindo uma marca de nascença entre coxas. Chocados e emocionados, os dois abraçaram-se a chorar, felizes!!

- Meu Deus! Como é isto possível? - perguntava Mikel, por voz e gestos, deveras emocionado. - E, no entanto… Bate tudo certo…! Assim se explica porque sentíamos saudades de algo que nunca tínhamos vivido!

O jovem ameríndio sentia uma onda de felicidade tão grande, mas tão grande, que parecia que lhe ia explodir o coração a qualquer momento! 

Feliz, Mikel quis fazer um brinde!

- Merecemos beber a isto, meu čhiŋkší33! De hoje em diante…!

Baya Ainila foi buscar uma garrafinha especial que Matoskah tinha colocado à última hora no saco de viagem, ao qual tinha juntado um recado: 


“Abram e bebam, se encontrarem motivos para celebrar! Boa Sorte!
~ Chefe Matoskah”


E assim, Mikel e Baya Ainila beberam. Urraram e ulularam conforme lhes era possível. Tal festividade não passou despercebida na Aldeia dos Guerreiros Arco-Íris.


*Na Aldeia dos Guerreiros Arco-Íris…*
  

- Eles conseguiram! Superaram todas as provas! Que Guerreiros espectaculares! - gritou Siha Sápa, a rebentar de orgulho!

- Nunca pensei que o pequeno Baya Ainila conseguisse, mas… Estou mesmo feliz! É um prazer termos entre nós guerreiros tão valerosos! - exclamou Wakinyan!

- Vocês não lhes devem ter facilitado a vida, mesmo com a ajuda do ciyé17 Mikel! Eles devem ter-se esforçado bastante! - comentou Kangee.

Shade olhava para uns e para outros, confuso! De repente, Matoskah veio ter com ele, virou-lhe a cabeça para a esquerda e apontou para um ponto bem lá no alto de uma montanha distante, onde uma queda-d’água reflectia o brilho de uma fogueira.

- Eles… Eles estão ali, Matoskah? - perguntou.

- Estão sim senhor! Mas não te preocupes! Amanhã, pela manhã, eles estarão cá! Nós deixamos um cavalo nas redondezas, para os ajudar na descida! Eles merecem! E agora, vamos todos dormir! Amanhã quero todos bem despertos para receber os nossos amados irmãos guerreiros!  

Entre urros de felicitação e clamores aos Grandes Espíritos, todos se levantaram e dirigiram-se às suas cabanas. Matoskah foi o primeiro a recolher-se, sem falar com mais ninguém. Kangee aproximou-se de Shade e perguntou:

- Queres vir dormir na minha tenda?

Tal convite caiu nos ouvidos de toda a tribo! De imediato, Siha Sápa, Wakinyan, Cetan Nagin e Maȟpyua Leita carregaram os dois guerreiros pelo ar e levaram-nos para as suas próprias tendas. Se Shade ainda tivesse dúvidas de que já era considerado um membro da tribo, naquela noite todas as suas dúvidas iriam ficar dissipadas, da melhor maneira possível!! 


*Enquanto isso, nos arredores da nascente da Lagoa do Bisonte Prateado*




Mikel e Baya Ainila já tinham bebido todo o conteúdo do frasco que Matoskah tinha enviado. Mais felizes do que nunca, com uma sensação de felicidade interminável, os dois abraçaram-se, puxaram uma manta mais grossa e colocaram-se em posição de conchinha, com Baya Ainila aconchegado por dentro e Mikel a abraçá-lo só para si, de fora.

Algumas horas depois, a fogueira já ardia com uma chama pequena. Sentindo frio, Mikel levantou-se com cuidado e reacendeu a fogueira. Deu com Baya Ainila agitado.

- Então, lindo? O que se passa? - gesticulou.

- Acordei de repente, sem ti… Estava escuro e fiquei com medo… Tive um sonho mau… 

- A sério, lindo?  O que sonhaste tu?

Baya Ainila ficou agitado e gesticulou:

- Eu tenho… Eu tenho de fazer xixi! Não aguento mais!!

Rindo-se com cumplicidade, Mikel gesticulou:
 
- Faz aqui mesmo, filho! Não quero que vás para longe! Está muito escuro… E eu também tive sonhos maus…     

- Anda, vamos juntos, então! Vamos fazer ali nas pedras, juntos! - pediu Baya Ainila. 

E assim, os dois foram aliviar a sua bexiga. Cada vez mais cúmplices, riam-se perante os jactos e ameaçaram molhar-se um ao outro, entre risotas. Quando terminaram, voltaram para a fogueira.

- “Hummmm… Há algo de estranho no ar… O que será?” - pensou Mikel.

Ao ver o amigo assim, Baya Ainila manteve-se em posição de alerta. Algo estava para acontecer! Ele sentia-o no seu coração! Ambos corriam perigo! Mikel olhava para todos os lados! Baya Ainila também. As estrelas deixaram de brilhar. Uma névoa circulava o local. Nuvens taparam a lua, deixando tudo escuro como breu! Mikel procurou conectar-se a Rá, mas não conseguiu. 

De repente, eis que surge uma cobra branca albina do nada e saltou, decidida, rumo a Mikel! Baya Ainila, ao ver a cobra, atirou-se, cheio de coragem, para o peito de Mikel, acabando por ser mordido em cheio no seu próprio peito, na área do coração!

- Ó meu Deus! Čhiŋkší33!!! - gritou Mikel, atónito!

Ele arrancou a cobra, que ainda o ameaçou morder a ele também. Balanceou-a e projectou-a para longe, enquanto gritava, com um olhar perdido!  

As presas da cobra ficaram bem marcadas no peito de Baya Ainila. O rapaz espumava, revirava os olhos, urinava-se e borrava-se todo, gesticulando de forma involuntária.

- Até34!!!! - suspirou Baya Ainila procurando dar as mãos a Mikel, enquanto o seu corpo ficava roxo e caía em câmara lenta, para o lado.

Mikel gritou, com quantas forças tinha, enquanto procurava uma solução! 

- MATOSKAH! SOCORRO! AJUDA-ME! TAKODA! EU NÃO SEI COMO SE FAZ PARA CURAR VENENOS! EU NÃO SEI QUAIS AS ERVAS CERTAS! EU NÃO SEI CRIAR POÇÕES CONTRA VENENOS! SOCORRO! ALGUÉM! ALGUÉM ME AJUDE! PAI HÓRUS! POR FAVOR! AJUDA-ME!

Mikel sentia-se completamente impotente, incapaz de ajudar o seu filho adoptivo! Ele observava, desesperado, enquanto a cobra albina desaparecia na floresta. Mikel sabia que tinha de agir rapidamente se quisesse salvar Baya Ainila. Ele olhou ao redor, tentando encontrar alguma ajuda, mas a floresta estava silenciosa.

Desesperado, Mikel lembrou-se de histórias que um velho Xamã lhe contara quando ele era ainda uma criança. Ele concentrou-se, fechou os olhos e começou a invocar a Sabedoria Ancestral que estava no seu sangue. Ele sussurrou uma prece, pedindo aos espíritos da Natureza que o guiassem na cura de Baya Ainila.

Então, Mikel abriu os olhos e correu até uma clareira próxima. Ele encontrou um arbusto que ele conhecia muito bem. Ele arrancou algumas folhas e frutos, correu de volta para Baya Ainila e colocou os ingredientes na sua boca, fazendo com que ele os mastigasse e engolisse.

Mikel sabia que era um risco, mas ele também sabia que não havia tempo a perder. Então, ele cantou uma canção de cura, pedindo aos espíritos da Natureza que ajudassem a expulsar o veneno do corpo de Baya Ainila. Ele fechou os olhos novamente e começou a dançar, girando ao redor do corpo inerte de Baya Ainila.

As horas passavam. Mikel dançava, cantava e rezava. Ele estava exausto, mas não desistia! Ele sabia no seu coração que Baya Ainila era o seu filho, e ele faria qualquer coisa para salvá-lo!

Em desespero, por ver que o pobre rapazinho estava cada vez mais arroxeado, Mikel recusou-se a desistir. Ele segurou Baya nos seus braços e sussurrou palavras de amor e encorajamento, dizendo-lhe que ele era forte o suficiente para sobreviver!

Em seguida, completamente enlouquecido pela dor, Mikel levantou a cabeça para o Universo e suplicou, enquanto grossas lágrimas saíam dos seus olhos, desciam pelo seu rosto e caíam sob o peito de Baya Ainila:

- Por favor… Se querem tanto levar uma alma, levem a minha…! Mas por favor, devolvam-me o meu čhiŋkší33! O meu amado čhiŋkší33! O čhiŋkší33 que eu sempre quis ter e o čhiŋkší33 que eu amo, mais do que tudo na minha vida! Deixem o meu čhiŋkší33 viver! Ele tem tanto potencial! Deixem-no ser feliz! Por favor! Dêem-lhe uma oportunidade!

As lágrimas brilhantes de Mikel que caíram sobre o peito de Baya Ainila, fumegavam à volta do veneno, dissipando-o! De repente, com uma explosão de luz, surge um gigantesco Bisonte Branco à frente de Mikel e Baya Ainila!!! 




Mikel abraçou Baya Ainila, assustado e afastou-se, perante a forma gigantesca!  

- Uau! Quem és tu?!? - gritou Mikel, abraçando ainda mais Baya Ainila junto de si. 

O Grande Bisonte Branco falou, com uma voz etérea:

- Eu sou o Grande Bisonte Branco! E foi por minha causa que o teu filho, Baya Ainila, morreu.

- Mas… Porquê? 

- Eu queria testar os limites do vosso suposto “amor”… Vocês, aí no Planeta Terra, vivem o Amor de uma forma muito superficial. Amam e deixam de amar com a maior das facilidades! E isso, a nós, causa-nos tanta dor! Não foi para isso que vocês foram criados…!

- Grande Búfalo… Ehrm… Grande Bisonte Branco… 

- Mikel?

- Podes salvar o meu menino? Ele é o meu mais do que tudo!

O Grande Bisonte Branco deu vários passos em frente! A dada altura, colocou as suas patas dianteiras sobre o frágil peito de Baya Ainila e pressionou-as para baixo, como que a esmagar o rapazinho! Olhou para Mikel, olhos nos olhos, como que a ler-lhe até à alma. Mikel gritou, horrorizado! 

Baya Ainila começou a mexer-se. Os seus olhos abriram-se lentamente, e ele começou a tossir. Ele virou a cabeça e olhou para Mikel, com um sorriso fraco no rosto.

- Meu… Até34! - sussurrou Baya Ainila, enquanto abraçava Mikel.

- Meu čhiŋkší33!

Com visível orgulho, a voz etérea falou:

- Só um amor tão profundo como o vosso, capaz de vencer as memórias de um Tempo que vocês já viveram e que vocês escolheram reviver, para vos fazerem superar o meu teste. O derradeiro teste dos Guerreiros! 

Dito isto, o Grande Bisonte Branco atirou dois objectos para o colo de Mikel e Baya Ainila.

Mikel segurou Baya Ainila com força, aliviado por vê-lo a recuperar-se lentamente. Ele sabia que esta provação só fortaleceria o amor que sentiam um pelo outro. Eles eram pai e filho de coração, e nada poderia mudar isso!

O Grande Bisonte Branco prosseguiu:

- Esses objectos - que são pequenas réplicas brilhantes de mim mesmo - são uma prova de que vocês estiveram comigo e de passaram no meu teste. Qualquer guerreiro ou guerreira do vosso Mundo perceberá o que isso quer dizer e vocês serão devidamente respeitados e servidos com as maiores honras possíveis em qualquer tribo do vosso Mundo! E quanto a ti, amado Mikel… - entrego-te isto! 

Mikel recebeu uma Peta-owihankeshni35.

Como se interrogasse para que serviria, o Grande Bisonte Branco respondeu-lhe: 

- Esse símbolo representa a Chama Eterna. A chama que passarás de geração em geração, até ao Fim dos Tempos! Eu sei que tens de partir em breve para as estrelas3, mas… Levarás contigo, dentro da tua alma, a certeza de que a família que descobriste e criaste aqui, nesta tribo, é a família que vais reencontrar quando chegar a altura, no alto das estrelas! E será lá, que juntos, vocês formarão a constelação dos Guerreiros Arco-Íris! 

Mikel, ainda maravilhado com o que acabara de acontecer, segurou o Peta-owihankeshni35 nas suas mãos, sentindo o seu peso e significado. Ele olhou para o Grande Bisonte Branco e perguntou: 

- Como faço para criar um verdadeiro grupo de Guerreiros Arco-Íris, junto com o Chefe Matoskah, capaz de seguir o caminho rumo às estrelas?

O Grande Bisonte Branco respondeu: 

- Vocês devem reunir aqueles que são puros de coração e fortes de espírito. Aqueles que entenderem o significado das mensagens do Amor, da Honra e do Respeito que vocês partilham. Eles tornar-se-ão nos vossos irmãos, companheiros e posteriores Guerreiros do Arco-Íris. Juntos, vocês espalharão a mensagem de Amor e União através das estrelas. Muitos povos, por esse Universo fora, precisam de escutar as vossas lições e aprender os vossos ensinamentos!

Mikel assentiu, sentindo um senso de propósito a preenchê-lo. Ele olhou para Baya Ainila, que agora estava sentado e olhava tudo à sua volta, maravilhado. Mikel sabia que o seu filho também havia sido tocado pelas palavras do Grande Bisonte Branco. Mesmo não escutando com os ouvidos, ele tinha escutado com o coração. Baya Ainila seria um membro valioso da Tribo dos Guerreiros do Arco-Íris.

Juntos, pai e filho levantaram-se e fizeram uma vénia ao Grande Bisonte Branco. Mikel sabia que teria de partir em breve, mas agora tinha a certeza que voltaria a ver o seu filho e também o homem que certamente o aguardava ansioso na tribo. Ele sabia que a jornada que tinha pela frente não seria fácil, mas com a orientação do Grande Bisonte Branco e a sua própria determinação, ele estava pronto a enfrentar qualquer desafio que surgisse no seu caminho.

- Muito obrigado, Grande Bisonte Branco! Sinto-me sem palavras perante tamanha honra! Obrigado!

- Descansem por agora. Os vossos parceiros aguardavam-vos impacientes. E eles mal sabem, mal imaginam, aquilo que acabou de acontecer aqui com vocês! O próximo nascer do sol trará muitas alegrias e o nascer de novas lendas na tribo! E já agora… Nithá aŋpétu wa šte36, Baya Ainila!  

O Grande Bisonte Branco começou a afastar-se, à medida que se desvanecia em pó-de-estrela. Com um último bramido, ele desvaneceu-se na névoa. Com um fogo bem convidativo, Baya Ainila e Mikel recostaram-se um no outro e adormeceram-se quase de imediato, com um sorriso inegável nos lábios e nos seus corações.




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* Algures no Universo... *

Um vulto misterioso observava a cena, e tomava notas, com curiosidade:
 
- Hummmmmmm…. Com que então…. Baya Ainila e Mikel têm uma ligação? Isso pode vir a ser muito útil no Futuro…E ainda por cima ele é o novo dono da Chama Perpétua!! Mwa wa wa wa!37

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Notas de Autor:

 
3 - Sombras da Luz: “Amanhecer”;
33 - Pai;
34 - Filho;
35 - O Fogo Sem Fim, o Fogo Eterno, A Chama Que Passará de Geração em Geração; [A Chama da Vida/Chama Sagrada/Chama Perpétua] - ela terá vários nomes ao longo das próximas novelas;
36 - Parabéns! Feliz Aniversário!
37 - Saga “Never Ending Story” [Saga da minha autoria, ainda não publicada! Com data de estreia prevista para finais de 2023, princípios de 2024!];

[Continua...]

1 comentário:

  1. É um dos meus episódios preferidos desta novela. A trama do Mikel está prestes a chegar ao fim, e acho que ele terá o final feliz que merece, na companhia do filho e do marido. :)

    Bom domingo!

    Abreijos :)

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