19 maio 2023

Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 62

Capítulo 62


*12 de Agosto de 2018*


No dia seguinte, Agatha convidou Shade para irem tomar um café à cidade mais próxima. Ele estranhou o convite e perguntou se Kangee poderia acompanhá-los. Ela aceitou. Matoskah, Mikel e Baya Ainila tinham ido para a Cascata da Névoa Dourada, fazerem um Ritual Familiar. Eles iriam tornar-se uma família no sentido mais profundo da palavra. Queriam aproveitar ao máximo o tempo que podiam estar juntos, embora tanto Matoskah quanto Baya Ainila tivessem momentos a sós com Mikel. Nesses momentos, Mikel era só de um deles e de mais ninguém. Cada segundo contava. 

Enquanto bebiam um sumo e comiam uma refeição deliciosa, diferente das refeições típicas da tribo, Agatha entregou a carta a Shade e explicou-lhe a situação. Shade ficou visivelmente surpreso e cauteloso, mas agradeceu-lhe pela informação.

- Olhe Agatha, vou ser sincero consigo… Eu segui todas as pistas que a Bianca me foi dando ao longo dos últimos meses. Todas levaram a becos sem saída. Não sei se posso confiar nesta pista. Mas, é melhor do que nada. Vou investigar esta pista com cuidado e ver o que consigo encontrar! Digam ao Mikel, ao Matoskah e aos restantes que vou a Grace Falls! Espero regressar a tempo do casamento! Deseje-me sorte!

- Hey, Shade… Queres que vá contigo? Sinto-me mais descansado se me deixares ir contigo! - comentou Kangee.

Shade nem queria acreditar no que estava a ouvir!

- Kangee…! Tens a certeza? E se ficarem chateados contigo? Devias voltar para a tribo, Grace Falls não fica assim tão longe daqui!

- Eu acho que eles ficariam chateados é se eu não fosse! Enquanto estiveres connosco, és um dos nossos! E nós, nunca andamos sozinhos!
 
Agatha assentiu e disse-lhes para terem cuidado. Depois disso, eles despediram-se e partiram.


*15 de Agosto de 2018*


Shade e Kangee viajaram durante dias até chegar a Grace Falls, grande cidade outrora. Agora, uma cidade-fantasma, depois do pesadelo Mão Divina. Grande parte da cidade estava efectivamente abandonada. Segundo Kangee, a Presidente Zelda tinha planos para criar muitas casas para as tribos ameríndias, mas o Chefe Matoskah estava reticente quanto a isso. Ele queria que Zelda mandasse demolir tudo, mas havia o problema de existirem edifícios históricos, que teriam de ser transladados. Isso levava tempo e uma considerável quantia de dinheiro, que muitos norte-americanos não estavam dispostos a pagar. 

Assim, Grace Falls tornava-se apenas uma cidade-fantasma que cada vez mais as pessoas evitavam visitar, depois de ter nascido o mito urbano que quem colocasse lá os pés seria morto pela Mão Divina, de uma forma totalmente inesperada. Coincidência ou não, alguns destemidos que visitaram a cidade depois do mito nascer acabaram mortos de formas estranhas e sinistras, sem causa aparente. Quando isso deu nas notícias, o mito virou uma lenda urbana e Grace Falls foi finalmente deixada em paz, sendo destruída aos poucos pelos temporais naquele ano de Inverno interminável e pela vegetação. Aos poucos, ela já se convertia numa cidade no meio de uma densa floresta.

Kangee e Shade desenvolviam uma relação bonita e talvez a mais saudável relação que alguma vez Shade vivenciara. O seu companheiro era um profundo amante da natureza. Não se importava de andar nu grande parte do tempo, sabendo que com isso Shade muitas vezes se excitava e cedia ao desejo enorme que tinha por Kangee. Este ensinou-o a fazer bom sexo, a beijar bem, a controlar os orgasmos, a tirar prazer dos 5 sentidos, em vez de ficar focado apenas no essencial. Ensinou-lhe a matar animais para comerem, técnica que futuramente seria muito valorizada por Shade, quando estivesse sozinho. Ensinou-o a distinguir os cogumelos e mostrou-lhe chás de ervas que revigorariam sempre o seu organismo. Kangee explicou que aquelas ervas cresciam por todo o lado, pelo que bastava Shade ter um olhar mais atento e poderia desenrascar-se sozinho no futuro.

O futuro…

Shade pensava nisso de vez em quando. Havia momentos em que a solidão o invadia, seja porque Kangee era muito transparente e primitivo - ele sabia sempre quando o amigo queria “algo”. Kangee não tinha vivido fora da aldeia, por isso, pouco ou nada conhecia do mundo exterior. Assim, para muitos assuntos que Shade falava, Kangee limitava-se a responder com um acenar de cabeça, procurando demonstrar interesse. Infelizmente, Shade sentia, bem no seu âmago, que aquela diferença cultural haveria de causar alguma ruptura entre eles no futuro. 

Na primeira noite que chegaram a Grace Falls, eles fizeram várias vezes sexo numa das antigas artérias principais da cidade. Shade imaginava, com muito gozo, como seria divertido se estivessem centenas de pessoas escondidas atrás das janelas, das paredes, de árvores, a verem ele a ser devorado daquela maneira. Se havia coisa que Shade adorava ainda mais que os seus inúmeros fetiches sexuais, era a liberdade de se expressar, gritando e gemendo com quantas forças tinha.

Depois de Kangee esgotar as suas reservas dentro dele, Shade deu por si a olhar para o céu, contemplando as estrelas que brilhavam num padrão incompreensível para ele. Ele perguntava-se como seria a vida fora da América, como seriam as pessoas, as cidades, as tecnologias… Se existiriam outras formas de vida no Universo! Ele não conseguia imaginar o que o futuro lhe reservava, mas tinha a sensação de que havia algo grande à espera dele.

Enquanto isso, Kangee continuava a acenar com a cabeça, sem fazer ideia do que o amigo estava a pensar. Ele não conseguia entender como Shade poderia preocupar-se tanto com o futuro, quando havia tantas coisas boas no presente. Para Kangee, o importante era aproveitar o momento, carpe diem, e estar presente para os seus amigos e familiares.

Enquanto olhava para o céu, Shade percebeu que o futuro ainda era um mistério, mas agora ele tinha a confiança de que poderia enfrentá-lo de frente, sabendo que a sua jornada seria repleta de desafios e surpresas, mas também de descobertas incríveis e experiências únicas. Ele estava pronto para seguir em frente, e nada poderia detê-lo! Ele iria ao seu sítio preferido em Grace Falls na manhã seguinte e estava confiante que haveria algo lá à espera dele.

 
[Continua...]

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