Escrito nas Entrelinhas: Parte 3 ~ Capítulo 76

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Capítulo 76

 

A conferência de imprensa foi um sucesso! Zelda conseguiu recuperar parte da confiança dos eleitores e dos membros do seu partido! Ela sabia que ainda tinha muito trabalho pela frente, mas sentiu que estava no caminho certo! Ao sair da Conferência de Imprensa, ela encontrou-se com os membros da F.A.T.E. que estavam a observar a situação de perto.

- Não podemos deixar que esses assassinos continuem a aterrorizar o nosso país! Precisamos de trabalhar juntos para capturá-los e trazer a paz de volta às nossas ruas!

Hao Fang e os restantes concordaram com ela. Ficou decidido que a F.A.T.E. iria apoiar o governo em todos os aspectos possíveis. Eles sabiam que a situação era grave e que só se trabalhassem em conjunto poderiam ultrapassar aquela crise.

- Ainda assim, senhora Presidente, talvez tenha sido um acto desnecessário falar de forma tão directa sobre a Mão Divina… Receio que isso possa vir a causar mais danos do que benefícios… - vaticinou Agatha.

- Eu tinha de lançar o isco! Se de facto esse Messias ainda existir, ele vai agir mediante isso! E talvez os outros serial killers também! Pode ser que até comecem a lutar entre si! Não seria maravilhoso se eles se matassem uns aos outros? - riu-se Zelda, com um olhar tresloucado.

Zelda sabia que ainda tinha um longo caminho a percorrer, mas sentiu que, com a ajuda da F.A.T.E. e do seu governo, eles poderiam superar qualquer obstáculo que surgisse no seu caminho.

Biggie ainda questionou sobre Shade, mas Shappa e Agatha foram perentórias. O foco deles teria de ser descobrir quem eram os assassinos que estavam a aterrorizar Nova Iorque e se, de facto, alguma ramificação da Mão Divina ainda existiria mesmo.   

- Temos de seguir o conselho que o Mikel nos deixou, Biggie… Deixa o Shade descobrir o que tiver de descobrir. Estaremos na rectaguarda se ele precisar. Mas o nosso foco é outro. Agora, mais do que nunca!

Shade, por sua vez, tinha deitado fora o telemóvel antigo. Com receio de estar a ser seguido remotamente, decidiu voltar ao que fazia quando vivia nas ruas e permanecer incontactável. Ele agarrou-se à esperança de que o misterioso irmão encontraria a sua mensagem o mais depressa possível e iria ter com ele a Loveland, no Colorado. Mais cedo ou mais tarde, eles acabariam por se cruzar na rua - ou assim esperava ele.

Ele viajava no comboio a caminho de Loveland quando se apercebeu que, caso fosse o irmão que o estivesse a guiar, ao deitar o telemóvel fora, corria o sério risco de este perder qualquer hipótese de contacto. Infelizmente, ele agora não podia voltar atrás, pois tinha destruído completamente o telemóvel. No entanto, mal tivesse oportunidade, haveria de comprar outro. 

Lá fora, a paisagem ia mudando de cor e relevo, à medida que um Verão ténue dava lugar a um Outono que mais parecia um Inverno que não tinha fim. Aquele ano estava a ser completamente atípico e estava previsto um nevão, que começou ia o comboio quase a meio da viagem. A viagem de comboio foi interrompida e Shade e os restantes passageiros tiveram de sair e permanecer numa estação bastante pequena, chamada Siren’s Ced. 

Felizmente para todos, não eram muitos passageiros. Assim, os restaurantes locais enviaram alguma comida e bebidas quentes, enquanto os limpa-neves procuravam desobstruir as linhas e as estradas o mais depressa possível. As horas foram passando e o nevão piorou. Todos os passageiros foram convidados a permanecer num motel junto da estação, até a ordem de saída ser dada, o que aconteceu apenas dois dias mais tarde.  

*30 de Setembro de 2018*    

Shade percorria a cidade de Loveland, de lés-a-lés. Esperava cruzar-se com o irmão a qualquer momento. Na verdade, pensar no terceiro irmão quase que se tinha tornado uma obsessão para ele. Ele imaginava como seria a voz do irmão, o que teria em comum com ele, se eles se dariam bem, se ele gostaria de compartilhar uma vida com Shade…

- Talvez ele seja tão sozinho quanto eu… E aí ele vai entender-me bem e às tantas, até aceita ficar comigo, poderemos começar de novo em qualquer lado… - suspirou Shade, com ar sonhador.

De repente, o rapaz pontapeou um jornal. A letras garrafais estava escrito:

“O terror continua! Mais duas pessoas mortas em Nova Iorque!”

Aquele inconsciente acto de Shade despertou-lhe algo na memória! Ele pegou no jornal, dobrou-o e guardou-o consigo, encaminhando-se para o Travelodge, um simpático e moderno hotel de 2 Estrelas, perto do centro da cidade, onde ele tinha ficado da última vez. 

Shade queria dar uma hipótese a quem quer que estivesse a segui-lo, de finalmente terem uma oportunidade para conversarem. Chegado ao hotel, ele passou na recepção. Ninguém estava lá. Ele foi directo para o quarto. Ao abrir a porta, encontrou um bilhete no chão. 

Alguém tinha escrito o seguinte:

“Aprendes depressa. Ainda bem! Fico feliz que sejas fã do Super-Homem, eu também sou, como já sabes…! Ainda vamos salvar o Mundo! Vejo que ainda não seguiste o meu conselho. Porquê?”

O coração de Shade bateu com toda a força! Ficou extremamente feliz e só lhe apetecia gritar aos 4 ventos a alegria que sentia por estar no bom caminho para encontrar o último irmão! Fazendo os possíveis para se acalmar, foi tomar um banho, enquanto reflectia nas palavras do bilhete. O que queria o irmão dizer com aquilo? Teria de ler o jornal? Mas o que teria o jornal de especial?

Depois de tomar banho, ele tirou de uma sacola de compras que tinha feito mais cedo um pacote de bolachas, uns pães e presunto. Abriu o pão, colocou fatias de presunto fatiado, abriu as bolachas, tirou algumas, procurou na sacola por sumos e sentou-se na cama a comer e a beber. Durante algum tempo, estava perdido em pensamentos, a pensar naquilo que o irmão dizia no bilhete. Distraído, ligou a televisão. Estavam a dar as notícias num canal nacional. Uma jornalista olhava com ar sério para a câmara.

- “Enquanto isso, em Nova Iorque, aumentam as operações de segurança. Ninguém entra, nem ninguém sai da cidade sem passar numa espécie de controlo, a partir de amanhã, dia 1 de Outubro e para já até ao final do mês que vem, 31 de Outubro. Falamos com o Comissário da Polícia de Nova Iorque, Matthew Andrews.” 

Um homem cinquentão, fardado, musculado e com barba apareceu no ecrã.

- “Pretende-se com esta operação o objectivo de controlar o fluxo de pessoas que entra e sai da cidade, mas depois vamos criar novos postos de controlo a todas as zonas da cidade. Ninguém poderá sair da sua zona se não tiver algum motivo ou razão explícita, sendo necessário apresentar comprovativos de residência e de trabalho. Esperamos, desta forma, persuadir os serial-killers que têm causado o terror na cidade, mas também apertar o cerco aos assassinos que se suspeitam estar relacionados entre si. Eles têm os dias contados!”

A jornalista voltou a aparecer no ecrã.

- “Segundo informações exclusivas que o nosso canal conseguiu obter, junto de fontes seguras, os assassinos em série são um casal e atacam sempre em dupla, não havendo ainda uma explicação lógica, pelo menos dada de forma oficial, que explique o que os leva a actuar de formas tão distintas. A polícia, o FBI e a Segurança Nacional estão unidas na causa comum e já existem dezenas de suspeitos sob custódia judicial, mas a verdade é que os crimes continuam. Ainda hoje foi encontrada morta de forma misteriosa mais uma vítima do conhecido “Assassino das Janelas Partidas”, mas a polícia não quis adiantar mais nenhum pormenor.”

A imagem da jornalista deu lugar a um colorido e animado teatro, onde se via uma série de actores e actrizes em palco, a ensaiarem. Shade quase deu um grito! Damian estava entre os presentes naquela filmagem! O amigo estava mais elegante, muito compenetrado no seu papel, de olhos fechados e a cantar, enquanto dava as mãos a um rapaz. 

- “A novela de Victor Hugo, “Os Miseráveis”, conta agora com uma nova versão musical. A peça estreará num Teatro da Broadway no próximo dia 9 de Outubro. Na estreia contará com a presença de Sua Excelência, a nossa amada Presidente dos Estados Unidos da América, Zelda Washington.” 

Shade desligou a televisão! Ficou todo animado por ver Damian e de repente, encheu-se de saudades. Ainda pensou em ligar ao amigo, mas depois desistiu. Ele devia estar muito ocupado com os ensaios finais da peça, que prometia ser um enorme sucesso!

Depois de comer, ele finalmente pegou no jornal que tinha encontrado na rua. O jornal já não era daquele dia. Datava de 25 de Setembro de 2018. Shade folheou as páginas, na esperança de encontrar alguma coisa que lhe saltasse à vista. Nas páginas iniciais, estavam mais duas mortes associadas aos assassinos em Nova Iorque. O Desmembrador tinha levado não só um pedaço de uma perna da sua vítima, um atraente escort masculino de 27 anos, chamado Sam Davis, como também havia removido a sua genitália. Já o assassino das Janelas Partidas tinha sido associado à misteriosa morte de Camilla Kendrings, uma senhora de 78 anos, encontrada morte sem motivo aparente, com uma das janelas de casa partida! De repente, enquanto folheava o jornal, apareceu nas páginas centrais uma notícia que Shade não esperava. Uma foto anunciava:

“Morreu Alicia Sheppard 1953-2018”

Shade começou a ler, em voz alta: 

- “Alicia Keys Sheppard, nascida a 7 de Janeiro de 1953, na nossa estimada cidade de Loveland, foi encontrada sem vida na sua própria casa, na cidade onde vivia actualmente, Fargo. Ela mudou-se para Fargo no ano 2000, depois de se despedir do Hospital Central de Loveland da altura, o antigo UCHealth Medical Center of the Rockies. 

Ela tornou-se uma Técnica de Intervenção Social e ajudou a criar o Centro Comunitário de Fargo, que recentemente, foi palco de grandes obras de renovação e expansão, contando com a inauguração de Sua Excelência, Lord Mikel e a Presidente Interina dos Estados Unidos da América, Zelda Washington.

Ao que tudo indica, Alicia Sheppard foi vítima de um ataque cardíaco fulminante, que lhe tirou a vida de imediato, no passado dia 17 de Setembro de 2018. Quando uma das funcionárias do Centro Comunitário a foi visitar para uma reunião, entrou, porque a porta estava entreaberta e deu com ela já inerte, no chão do apartamento.

O funeral de Alicia Sheppard, que era para ser dividido em duas partes - uma em Fargo, outra em Loveland - acabou de forma lastimável. Durante a cerimónia em Fargo, alguém atirou uma pedra que partiu uma das janelas da basílica de St. Beews, causando o pânico geral. 

Depois de uma vistoria profunda e criado um perímetro de segurança, a polícia declarou ter encontrado apenas a pedra arremessada, considerando o evento uma brincadeira de mau gosto. 

Alguma imprensa em Fargo denunciou casos de corrupção ligados à nossa conterrânea, mas nada ficou provado. A polícia prossegue as investigações. Quando, por fim, foi declarado que o funeral poderia continuar, o corpo da nossa concidadã foi finalmente enviado para cá. Alicia Sheppard não deixou herdeiros, nem tinha mais família. Foi a enterra ontem, no Cemitério de Loley Hill, na zona norte da nossa cidade, assim que o caixão chegou.”

Shade chorou um pouco. Ver a directora Alicia a ser colocada em cheque, por coisas das quais não se podia defender, deixava-o frustrado e revoltado. Do que conhecera dela, Alicia tinha sempre mostrado ser uma senhora íntegra, honesta e humilde. Por outro lado, ele lembrou-se que fora ela quem separara ele dos irmãos e uma raiva crescente inundou-lhe o espírito. Ele pegou nas páginas centrais do jornal e atirou-as para o chão. Acendeu um isqueiro que trazia na mochila e ateou-lhes fogo, colocando-as a arder. Depois, com algum gozo e prazer, apontou o seu falo e lançou um jacto forte o suficiente para apagar os vestígios que o fogo não consumira. Em menos de nada, já não restava nada a não ser cinzas e o chão molhado. Shade pegou na toalha do banho e limpou o chão grosseiramente. Apesar da brincadeira infantil, sentiu-se um pouco melhor. 

Ao voltar a sentar-se a ler o jornal, viu a páginas das palavras cruzadas, que tinham sido completamente preenchidas. Seguiam-se páginas com anúncios, alguns marcados pela mesma caneta. O antigo dono do jornal devia andar a procurar trabalho, pois colocara um visto em 3 ou 4 anúncios. Havia uma secção de carros desaparecidos, com uma lista de matrículas de carros do país todo e que também estava rabiscado. Shade prosseguiu a leitura do jornal, mas não viu mais nada de especial. Deitou o jornal ao lixo, atirou a toalha para a banheira e deitou-se para dormir. Naquela noite, sonhou que era o Super-Homem e que ele salvaria o seu misterioso irmão - um rapaz muito bonito, ainda mais bonito que Jules - das garras do vilão, um mascarado que passou o sonho todo a fugir de Shade, enquanto se ria maquiavelicamente.

[Continua...]