31 dezembro 2019

Era Uma Vez... No Faroeste

Era Uma Vez... No Faroeste ⚔️🐉


- Estamos a chegar a Water Country! - afirmei eu, todo satisfeito, para o meu filho. 

- Finalmente, pai! Vamos passar o fim-de-semana numa cidade fantasma! Isto é tão emocionante! - retorquiu Silver, o meu filho. 

O Silver tem 9 anos. Ele é o melhor filho do mundo, não fosse ele o meu filho. Franzino, de cabelos castanhos cor de palha aos caracóis como os meus, pele dourada pelo sol. Tem os olhos verdes e sardas como a mãe. Ele há-de ser um engatatão de primeira daqui a uns anos. Tenho de dar graças por ele ainda me considerar o seu herói. Desta vez, eu e ele viemos passear a cavalo em terras de índios e cowboys. Eu adoro os momentos que passo na companhia do meu pequenino… 

Chegamos a Water Country passada uma meia hora. Como seria de esperar, eu e o Silver deparamo-nos com uma cidade totalmente abandonada e parada no tempo. Water Country era uma cidade pequena, típica do midwest americano. Toda ela era construída em madeira. Tinha um salloon no centro da cidade, bem ao lado daquela que fora outrora uma estação onde passaram os primeiros comboios. Um reservatório de água enorme jazia, imponente, mesmo ao lado da estação, junto com um moinho antigo que ainda funcionava, vagarosamente. 

Eu e o meu filho saltamos dos cavalos e retiramos as nossas coisas, deixando-as ali mesmo. Experimentamos um poço que havia ao fundo da cidade e para nossa alegria, este tinha água! Trouxemos os cavalos até ali e enchemos alguns baldes de lata com água fresquinha para eles, enquanto nós também matávamos a sede!  

Eu e o Silver passeamos pela cidade, completamente encantados. Os ares do midwest americano eram secos e quentes, pelo que embora a cidade estivesse abandonada há várias décadas e os estragos fossem evidentes, a alma da cidade estava intacta. Bastava-me fechar os olhos para imaginar aquele local cheio de vida. 

- Pai, onde vamos acampar? - perguntou Silver, pouco depois. 

- Ainda não sei, filho… Vamos dar uma vista de olhos e logo se vê! Pode ser que encontremos algum local resguardado… Afinal as noites aqui são muito frias… 

Dito isto, Silver deu-me a mão e lá seguimos os dois. Entramos em casas abandonadas e divertimo-nos durante grande parte do dia a remexer em coisas que os habitantes daquela cidade teriam deixado para trás, por razões que desconheço. Pela quantidade de bens espalhados, imagino que a cidade foi evacuada rapidamente. Talvez por causa de uma tempestade de areia. Ouvi dizer que são frequentes por estes lados. 

Depois de explorarmos várias casas e até duas lojas. Uma delas era uma loja de ferragens. Ela ainda tinha ferraduras, balas e picaretas, totalmente enferrujadas. Silver pegou numa ferradura e disse-me: 

- Papá, vou levar esta como recordação! Posso? 

- Claro que sim, filho! Mas não te esqueças de a pagar! - respondi eu, com uma gargalhada. 

Com ar divertido, o meu filho abriu o porta-moedas dele e atirou uma moeda para cima do balcão. A moeda rolou, saltitou e caiu para trás do balcão. Silver saltou por cima do balcão, pegou na moeda e colocou-a no que restava de uma caixa registadora.  

Saímos dali e fomos até à estação de comboios. Exploramos a estação, imaginando como seria a vida naquela cidade. Será que haveria senhoras bonitas por ali? Seria uma cidade só de trabalhadores das minas mais a norte? Sentei-me num banco em frente das linhas de comboio. Quantas despedidas teriam ocorrido ali? Quantos beijos teriam sido dados? Quantos “amo-te” teriam sido sussurrados? 

A dada altura, Silver queixou-se de que tinha fome. Não foi preciso muito para decidirmos aonde iríamos comer! Regressamos à entrada da cidade, onde deixamos as nossas coisas. Pegamos nas nossas sacolas e dirigimo-nos ao salloon.  

Aquele era o local que eu mais queria conhecer na cidade, mas estava a deixá-lo para o final. Abrimos as portinholas típicas do salloon. Depois de entrarmos, fomos assaltados por uma nuvem de pó que nos fez tossir durante um bocado. Quando a nuvem de pó dissipou-se, eu sorri feliz. O salloon era exactamente como eu esperava. Tinha um bar, com muitas garrafas empoeiradas. Ao fundo, uma pianola. Ao centro, uma série de mesas e cadeiras empoeiradas e carcomidas pelo tempo e por térmitas.  

Eu e o meu filho decidimos fazer a nossa refeição ao balcão do bar. Foi muito divertido. Eu entrei para dentro do balcão e pegando num guardanapo, peguei num copo de vidro e perguntei para o meu filho, com voz forte:

- Então, meu jovem, o que vai ser? 

Entre risos, o meu filho fez ar durão e disse: 

- Quero um copo de leite com chocolate! 

- A sair! - disse eu, abrindo uma garrafa que levava na sacola e enchendo o copo. 

Depois de cheio, lancei o copo com estilo pelo balcão, até que o meu filho o apanhou e levantou, agitando o seu chapéu de cowboy. 

- Obrigado! 

Eu ri-me e depois de limpar o balcão, coloquei comida para o nosso banquete. Como anoitecia cedo e nós queríamos passar a noite a contemplar as estrelas, aquele seria o nosso lanche ajantarado. Deixaria algumas provisões para comermos à luz da fogueira que criaríamos mais tarde. 

Saciados, eu e o Silver exploramos o local, detendo-nos na pianola. Ele sentou-se e arriscou a tocar um pouco, soltando alguns sons arrastados e desgastados. De repente, a folha da pianola rompeu-se. Uma carta amarelecida caiu ao chão. 

- Olha pai! Um bilhete! - exclamou Silver, entusiasmado! 

Foi com emoção que peguei na carta. A letra era quase imperceptível. Datava de 1856. Pelos borrões, percebi que tinha sido escrita com pena e tinteiro. A letra era-me familiar. Muito bonita e redonda, pelo que deduzi que fosse uma carta de uma mulher. 

- Pai… Preciso de ir fazer xixi! Estou apertadinho! - queixou-se Silver, saindo a correr. 

Eu estava tão embrenhado a tentar decifrar a carta que só alguns minutos mais tarde é que levantei a cabeça e me apercebi que o Silver não estava ali comigo. Assustado, chamei por ele. 

- Silver! Silver! 

Não obtive resposta. 

- Silver! Filho! Onde estás? 

Nada. 

Comecei a ficar preocupado. Os cavalos estavam no sítio onde os tínhamos deixado. Corri pela pequena cidade à procura do meu filho, sempre a gritar pelo seu nome. De repente, escuto a sua voz, ao longe. 

- Papá! Estou aqui!  

Intrigado, olho para todos os lados, mas não o vejo.  

- Olha para cima! - grita ele, com voz triunfante. 

Levanto o meu chapéu de cowboy e coloco as mãos em frente dos olhos. O sol está quase a pôr-se. O meu filho acenava para mim, sorridente, do alto do moinho de vento. 

- Silver! Desce já daí! A estrutura pode ruir! - resmunguei eu. 

Apetecia-me rir da audácia do meu filhote, mas não podia permitir que ele soubesse disso. Ele podia de facto ter corrido perigo ao fazer aquela tropelia. Ele obedeceu, com ar constrangido. Percebeu que eu ficara zangado e isso deixara-o triste. Quando chegou à minha beira, abracei-o com força e dei-lhe um beijo. Ele chorou um pouco, assustado. 

- Está tudo bem, o papá não está zangado contigo. Na verdade, foste muito corajoso! O que te deu para subires até ali?      
    
Com naturalidade, ele disse: 

- Aquele menino disse que tinha escondido uma coisa lá em cima e que eu tinha de a ir buscar! 

- Menino? Que menino? - perguntei eu. 

- Aquele ali! - apontou Silver para um local à minha direita. - Ele é o menino que escreveu a carta que tens contigo, papá! 

Confuso, virei a cabeça. O local que o meu filho apontava não tinha ninguém. Intrigado, aproximei-me do meu filho. 

- Olha lá, e o que foi que o menino te deixou lá em cima? Conseguiste encontrar? 

Orgulhoso, Silver respondeu: 

- Sim papá! Está aqui, dentro deste saquinho! 

O meu filho tirou um saco de pano muito velho do bolso dos calções. Ao entregar-mo, levantou-se uma ventania inesperada. 

- Temos de procurar um abrigo! Anda! - gritei eu, dando a mão ao Silver. 

Corremos para o salloon, virando mesas e escondemo-nos por detrás delas. O vento e a areia formaram um turbilhão que varreu a cidade durante alguns segundos. Foi tudo tão inesperado e rápido! Tão depressa se formou, tão depressa o turbilhão se desvaneceu.  

Os cavalos estavam muito agitados, mas felizmente o turbilhão não tinha atingido a zona onde eles se encontravam. Serenados os ânimos, peguei no meu filho e fomos procurar um local onde criar a fogueira para passarmos a noite. Acabamos por nos decidir ficar num descampado perto do poço.  

Depois de criada a fogueira, de colocarmos alguma comida ao lume e de nos termos lavado com a água fresca do poço, enfiamo-nos nos nossos sacos cama, totalmente despidos. As roupas ficaram a secar numa corda improvisada que criei.

O meu filho perguntou pelo pacotinho. Levantei-me e fui buscar o saco e trouxe também a carta. Aconcheguei o Silver para junto de mim, enquanto lia o que descodificara da mesma, com alguma dificuldade. 

Tudo indicava que aquela carta era uma carta de despedida de um pai que fora obrigado a deixar a cidade, depois de perder uma disputa contra outro homem. Ele deixara aquela carta ao seu amado filho, dizendo que o amava muito e que nunca o esqueceria… Ele deixara uma lembrança no saquinho, que o filho deveria guardar sempre com ele. 

Com respeito, abri o saquinho.

Lá dentro estava um pingente fechado. 

Ao abrir, deparei-me com duas fotografias: uma delas era de um rapazinho de cabelos encaracolados, cor de palha. 

A outra fotografia era um retrato meu.  




E com esta história despeço-me de 2019! 

Desejo-vos umas Felizes Entradas e que o ano 2020 seja o melhor ano das vossas vidas até hoje! 

Abreijos,

J. F. Belfort 

2 comentários:

  1. Respostas
    1. É um dos meus contos preferidos! Envolto num certo clima de mistério e com um final totalmente "wtf?", gostei muito de escrever este conto.

      Agora em 2020 vou criar novos contos, intercalando com as histórias das sagas e outras que vou publicar por aqui.

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