20 dezembro 2019

Tabris

Até ao final do ano irei publicar alguns pequenos contos da minha autoria. São histórias mais pequenas, por isso estarão disponíveis na secção "Pescador de Sonhos 2". Ao contrário das novelas e sagas que encontram na página "Pescador de Sonhos 1" e que regressam em Janeiro, estes contos não estão divididos por capítulos, pelo que vocês poderão lê-los de uma só vez. São histórias diferentes e algumas bem inusitadas. 

Espero que se divirtam tanto a lê-las, como eu me diverti a escrevê-las!

O autor



Tabris ⚔️👻💔☄️🏳️‍🌈💢🚀


O dia amanhecera tranquilo. Depois dos acontecimentos que haviam assolado o Mundo inteiro, um amanhecer assim quase parecia um sonho. Só que não. Era a mais pura das realidades.  

O Mundo tinha entrado na 3ª Guerra Mundial, meses antes. Fora algo inevitável, após a surpreendente vitória de um esquizofrénico, para liderar uma das maiores nações do Mundo. Desde que ele chegou ao poder, cedo passou das ameaças à acção, colocando o seu povo à mercê dos seus inimigos. Cego de raiva e com fome de poder, a sua esquizofrenia foi o rastilho que faltava para aquela que foi a maior tragédia que o Mundo conheceu na sua Era moderna. 

O que se pode dizer é que tudo acabou depressa. Assim que os vários países em conflito lançaram armas químicas, entre elas, a temível bomba nuclear, o fim do Mundo chegou, para a maioria dos habitantes do Planeta Terra. Quando as autoridades optaram pela pior das escolhas, a desgraça chegou a todos os Continentes, não fazendo escolhas entre ricos e pobres, nem pessoas de sangue real ou sangue do mais “reles” possível. A vida humana desapareceu quase instantaneamente. 

Porém, esta história não faria sentido se toda a Humanidade tivesse acabado na 3ª Guerra Mundial. É verdade. Morreu quase toda a gente, mas ainda resistiram alguns milhões, espalhados pelo Mundo. 

No entanto, quem sobreviveu, ainda teve uma desagradável surpresa. Entre os sobreviventes, muitos tornaram-se mortos-vivos, devido à inalação e contacto com partículas radioactivas. Houve um pequeno nicho de pessoas que teve a sorte de sobreviver e escapar ileso à radioactividade. Esses sortudos infelizmente não tinham a vida fácil. Como se já não bastasse tudo o que tinham passado e sofrido, agora lutavam para sobreviver. Muitos acabavam por preferir a morte a este cenário.  

Não era o caso de Tabris. 

Ah! Pois é! Ainda não conheces o Tabris! Indelicadeza a minha! Passo então a explicar: 

Tabris era um rapaz dos seus 17/18 anos. Alto e bastante magro. Os seus cabelos eram acinzentados e os seus olhos avermelhados. Tabris tinha a pele extremamente branca. As pessoas olhavam de lado para ele, pois muitas delas nunca tinham visto alguém como Tabris. Ele era um albino. Tabris nunca soubera o que era um albino. Os seus pais haviam morrido durante a guerra. Ele tinha sobrevivido por um acaso do destino e crescido sozinho, alimentando-se daquilo que encontrava nas ruas, do que roubava nos mercados e da bondade alheia. Infelizmente, poucas eram as pessoas que eram generosas para com ele. Ele era escorraçado das aldeias e cidadelas que haviam resistido aos eventos, com medo de que ele pudesse atrair os mortos-vivos. 

Vida miserável.  

Tabris não concordava comigo. Ele sorria mesmo quando o rejeitavam e o expulsavam das aldeias e das cidadelas. Limitava-se a agradecer a atenção e o pão, caso lhe ofertassem algum. Alguns humanos, ao cruzarem-se com ele e perante esta atitude, baixavam os braços e os olhos, envergonhados. Muitos viravam as costas em silêncio, a chorar. 

Um dia, Tabris foi parar a uma terra à beira-mar. Segundo o que ouvira dizer muito recentemente, os mortos-vivos não suportavam água salgada, mas ele tinha dúvidas de que isso fosse verdade. Os boatos que se geravam ultimamente eram muitos. Como as comunicações mundiais tinham sido extintas, voltara o “diz que disse” e o “boca-a-boca”. E como se sabe, “quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto”. Tabris ficou satisfeito por descobrir que aquela terra estava desabitada. Talvez já tivesse sido atacada por mortos-vivos, talvez tivesse sofrido algum impacto da guerra. Os edifícios estavam bastante destruídos e muito lentamente, de forma ténue, a vegetação começava a desabrochar, aqui e ali. 

Tabris deixou-se ficar por ali. Não sabia para onde viajar a seguir e verdade seja dita, ele estava cansado de deambular sem destino. Naquela terra ele podia descansar e ponderar no caminho que optaria por seguir. Ele não tardou a alimentar-se de bagas e cogumelos que foi encontrando nas redondezas. Como tudo era muito escasso, passou a alimentar-se uma vez por dia e depois disso, de dois em dois dias. 

Se perguntassem a Tabris se ele era feliz, ele sorriria e diria sem hesitar: “Sou sim!” E de facto, era isso que ele sentia. Vivia uma vida plena de liberdade. Andava descalço e só vestia algo quando o obrigavam. Não compreendia o que estava errado em andar nu o tempo todo. Achava piada ao seu corpo, principalmente porque tinha algo que, muitas vezes, principalmente ao acordar, estava diferente do habitual, acabando por voltar à normalidade, quando Tabris se aliviava de uma ou de outra maneira. No entanto, para as outras pessoas, Tabris não passava de um doente depravado, o que aumentava a animosidade que nutriam por ele. Confuso, ele fugia rapidamente dessas multidões enfurecidas, acabando por retirar as roupas que forçosamente o obrigavam a vestir e voltando ao seu estado habitual. 

Numa das suas incursões pelas aldeias e vilarejos próximos, Tabris roubou um pote de sementes. Ele sabia que as sementes demorariam o seu tempo a germinar, mas mantinha as esperanças de que sobreviveria para as ver desabrochar e quem sabe, alimentar-se. Assim, ele regressou à sua cidadela abandonada e escolheu um pequeno campo, resguardado, plantando ali as suas sementes. Dia após dia, Tabris procurava criar regos de água, com água das chuvas, poços abandonados, fontes e furos de água. Ele sabia que o mais provável seria a água estar contaminada, mas já aprendera que a água do mar era demasiado salgada para cuidar das suas sementes. 

O tempo parecia querer dar-lhe uma ajuda. Os dias de sol intercalavam-se com dias de chuva. Não estava muito calor, mas também não fazia muito frio. Antes da ruína das estações do ano, provocada pelo aquecimento global, podíamos dizer que Tabris estava a viver um final de Verão bastante ameno. 

Os dias rapidamente deram lugar às semanas. Tabris cedo se apercebeu da mudança. A vegetação começava a escurecer, tornando-se de repente muito colorida. Algumas florestas em volta do local onde ele se encontrava viviam num frenesim de cores: desde o verde vivo, passando pelo amarelo, o laranja cor de fogo e até um vermelho salmão, este nas folhas dos grandes e centenários carvalhos que povoavam aquela zona. As noites, essas tornavam-se cada vez mais agrestes e frias. Tabris procurava abrigo nos vãos de escadas das casas abandonadas, onde sentia que o frio não era tão intenso. 

Numa dessas noites, Tabris sentia-se cansado e com mais frio do que o habitual. Foi com dificuldade que se levantou para procurar mais lenha para a fogueira que criara naquele dia. O seu estômago roncava frustrado. Tabris sabia que aquele dia chegaria, inevitavelmente. A escassez de alimentos naquela zona era tanta que ele já não se recordava quando fora a última vez que se alimentara. Ele seguia devagar, amparando-se nas paredes, quando escutou algo. Parou. Seriam mortos vivos? O barulho que escutara, parara também. Seria a sua imaginação? Como não escutasse mais nada, Tabris prosseguiu, até à entrada da cidadela. Infelizmente, ele já tinha gasto toda a madeira que havia no lugar. Restava-lhe um tronco que teria de servir para aquela noite. Ao pegar nele, Tabris escutou passos atrás de si. Voltou-se. Um vulto mexia-se nas sombras e Tabris não hesitou. Arremessou o tronco com toda a força que lhe restara. O golpe fora certeiro. O vulto colapsou, depois de um profundo gemido de dor.   

Tabris aproximou-se, a medo. Teria morto um animal? Um ser humano? Um morto-vivo? O seu instinto de sobrevivência não se permitiu pensar por muito mais tempo. O vulto, fosse o que fosse, estava morto. A pancada tinha sido certeira. Assim, Tabris puxou o vulto, com dificuldade, até ao seu esconderijo. Tinha pena de ter agido assim, mas precisava de comer!  

Até aquele momento, Tabris nunca provara carne humana. Ele assassinara uma criança, que pelos vistos, andaria perdida, tal como ele. Já ouvira dizer que a carne humana sabia a carne de porco, mas como ele nunca comera carne de porco, não fazia ideia de qual seria o sabor. Depois de desfazer o corpo com a ajuda de pedras e artefactos que ele tinha encontrado na cidadela, Tabris pôde por fim acalmar os roncos provenientes da sua barriga. Cedo descobriu que os cabelos, longos e pretos como a noite, eram bons para colocar na fogueira. A gordura da carne também ajudava a manter a chama viva. Ele aproveitou alguns utensílios de cozinha e juntou água numa panela, à qual adicionou pedaços de carne e uma pedra. Já ouvira falar de uma sopa chamada “sopa da pedra” que lhe garantiram ser muito fortificante. “Ficarás com uma saúde de ferro!” - disseram-lhe nessa altura. Tabris, que nunca tinha provado carne tão tenrinha, adorou. Teve alimento para vários dias e várias noites.  

Quando se sentiu totalmente saciado - já não restava nada para comer, a não ser as unhas, que ele considerou demasiado sensaboronas - Tabris abandonou aquela cidadela. Caminhou para norte, rumo a novos locais, mais acolhedores. 

Enquanto isso, os mortos-vivos tornavam-se uma pandemia. Eles infectavam as pessoas saudáveis que encontravam, em busca de alimento. Estas por sua vez infectavam outras pessoas, geralmente familiares e amigos. A primeira dentada era crucial. Se os novos mortos-vivos não mordessem ninguém num espaço de 12 horas, o cérebro deles derretia, literalmente. Na verdade, todos os órgãos internos destas criaturas eram liquidificados, devido a um aumento súbito e extremo da temperatura corporal. Isto acabava por ser uma boa notícia para os “Superviventes”. Eles ganharam essa alcunha porque tinham superado coisas tão inacreditáveis como a 3ª Guerra Mundial, os ataques nucleares, o nascimento dos mortos-vivos, os ataques constantes deles, a fome, o frio e a miséria. Como no Mundo inteiro cada vez existiam menos Superviventes, os mortos-vivos começavam a ter dificuldades em sobreviver. 

Tabris caminhou durante vários dias a fio, parando apenas para descansar e comer raízes e o que mais encontrasse. Embora tivesse apreciado a carne humana, ele ficara triste por ter roubado uma vida inocente. Todos os dias ele virava-se para os céus e agradecia por mais um dia de vida. Agradecia pelas forças e pedia alimento. Os céus, generosos, enviam-lhe chuva, que ele tratava de armazenar e beber conforme podia. Até podia morrer de fome. Mas água era coisa que depois de abandonar a cidadela, nunca mais lhe faltou. 

Ao atravessar campos a perder de vista, ele por fim encontrou muito alimento! Campos de milho e trigo, que secavam pela falta de cuidados. Cedo Tabris apercebeu-se que os proprietários daquele campo deveriam ter sido vítimas de algum ataque. Ele procurou chegar até ao celeiro, onde, para sua grande alegria, encontrou feno, milho e muitas alfarrobas agrícolas. Comeu até ficar satisfeito. Depois, com sono, aconchegou-se numa cama feita de feno e dormiu, como já não dormia em muito tempo. Naquela noite, Tabris sonhou com um campo florido e verdejante, onde as suas sementes se desenvolveriam e cresceriam felizes. 

Na manhã seguinte, Tabris foi acordado por um cano longo e frio, encostado à sua cabeça. Uma voz zangada resmungava: 

- Quem és tu? O que é que estás a fazer aqui?     

Assustado, Tabris levantou-se num ápice. O seu falo, erecto, na plenitude da adolescência, endurecia ainda mais. O rapaz que lhe apontara a espingarda riu-se e afastou-se para o lado, enquanto Tabris aliviava a sua bexiga ali mesmo, lançando um jacto a quase 2 metros de distância. Ele sentia-se num misto de sentimentos: tinha medo do que podia vir a acontecer, estava com a bexiga apertada e assustado com o cano da espingarda. 
  
- Caramba! Que potência tens tu! - comentou o rapaz, com um sorriso divertido. - Não te preocupes, que eu não vou fazer-te mal. Pensei que eras uma daquelas coisas que anda por aí, mas nunca ouvi falar que eles façam necessidades fisiolóficas!  

Bem mais aliviado, Tabris sorriu e corrigiu-o: 

- Não é fisiolóficas, mas sim fisiológicas… 

- Além de tudo, ainda és professor? Muito bem, muito bem! - comentou o rapaz, sacando o seu pénis para fora e imitando Tabris.  

O jacto do rapaz foi ainda mais longe que o de Tabris. Este nunca vira um rapaz da sua idade nu, com o seu falo erecto. Ficou curioso a olhar para o pénis do rapaz, que mesmo depois de terminar, ainda se mantinha erecto. 

- Queres mexer nele? Dou-te um prato de comida se o fizeres! - convidou o rapaz, virando-se para Tabris. 

Tabris não se mostrou rogado. Sorriu timidamente para o rapaz, observando o pénis deste com muita atenção. O rapaz foi despindo-se, mostrando um tronco desenvolto e braços bastante trabalhados. O rapaz tinha cabelos cor de palha, com fartura. Todo o seu corpo era revestido por uma pelugem da mesma cor, bastante mais intensa junto do seu pénis. 

- Nunca tinhas visto um rapaz nu? - perguntou o rapaz, com curiosidade. 

- Assim como ele, nunca… - respondeu Tabris, não tirando os olhos do pénis do rapaz, enquanto massajava o seu. 

- Nunca tinha visto um rapaz como tu… És estranho, mas acho-te bonito! - comentou o rapaz, aproximando-se de Tabris, entre arfares. - Pára! Não faças mais… Anda comigo, vou dar-te de comer! - respondeu o rapaz, depois de ejacular precocemente. 

Tabris seguiu atrás do rapaz, indignado com o que acabara de ver. O pénis do rapaz lançara algo para cima de si. Um líquido espesso, esbranquiçado, quente, diferente do jacto forte e muitas vezes amarelado que ele lançava, várias vezes ao dia. Aquele líquido saíra, disparado, tal como o pénis dele fazia! Será que isso queria dizer que eles eram iguais? Será que aquele rapaz era albino, como ele? 

- Ainda não nos apresentamos…. - disse o rapaz, entre risos, ao chegarem a uma velha casa em destroços. - Eu sou o Charlie. E tu, tens nome? 

- Eu chamo-me Tabris, muito prazer! 

Charlie convidou Tabris para se sentar no que restava de uma cozinha. Ofereceu-lhe água quente, aquecida numa fogueira e milho.  

- Desculpa não ter nada de especial para te oferecer! Acho que sabes que as coisas não andam fáceis em lado nenhum! Ouvi dizer que os mortos-vivos estão a juntar-se em grupos e preparam-se para atacar todos os humanos que restam ao mesmo tempo! Pensei que tu fosses um deles! 

Tabris aceitou o prato de comida que Charlie lhe colocou à frente. Ainda estava muito surpreso com o que acontecera no celeiro.  
  
- Vives sozinho? 

- Yah… Os meus avós foram mortos quando explodiu uma bomba a umas centenas de quilómetros daqui. Embora não tenhamos levado com a radioactividade, o impacto foi tal que como vês, a nossa casa ficou reduzida a poucas paredes. Eles estavam escondidos no quarto deles quando o telhado lhes caiu em cima… 

- Lamento muito… - gemeu Tabris, triste. 

- Ehhh… Deixa lá… Já passou… - comentou Charlie, tentando fazer-se de forte. - O importante é que pelo menos agora não estou mais sozinho! Ficas comigo, certo? Ou tens outros planos? 

Tabris encolheu os ombros. 

- Não tenho nada em vista. Apenas queria poder plantar as minhas sementes. Gostava de as ver germinar, um dia. Só isso.   

Charlie riu-se. 

- É um sonho bonito! Trouxeste algumas sementes contigo? 

Tabris abriu um saquinho. Restavam-lhe 3 sementes. 

- Só tenho estas… 

- Segue-me! 

E assim, os dois rapazes percorreram o campo de milho e depois de o atravessarem, foram dar a um pedaço de terra, perto de um lago numa floresta verdejante. 
  
- Acho que aqui elas poderiam ficar bem, sabes? Tenho ali um poço, podemos vir cá regá-las todos os dias, o que achas?  

Tabris abraçou o amigo, emocionado. Este sorriu e abraçou-o de volta. Acariciaram-se e desejaram-se ali mesmo. Naquele momento, o mundo era só Charlie e Tabris. 

Alguns meses passaram-se, depois de Charlie e Tabris terem colocado as sementes na terra. Todos os dias, os dois rapazes iam até ao campo, fertilizavam as sementes com os seus fluídos e voltavam para casa, onde contavam histórias e sonhavam com o dia em que as sementes germinassem. 

Na Primavera do ano seguinte, os dois rapazes viram o seu trabalho árduo recompensado. As 3 sementes brotavam da terra. Felizes, os dois rapazes deram urros de alegria, saltaram e dançaram todo o dia.  

O sol já estava a pôr-se, dando fim a um dia colorido e que parecia pintado por uma criança, quando Charlie e Tabris escutaram um murmurar pesado. Olharam em volta. Passos lentos, cadenciados, pareciam vir de todos os lados. Assustados, os dois rapazes deram as mãos, em direcção do lago. Quando viram a multidão de mortos-vivos que se aproximava deles, destruindo a pequena cultura, os dois rapazes choraram de tristeza, dor e raiva. Eles abraçaram-se um ao outro, pela última vez. 

- Obrigado! - disseram um ao outro, trocando um último beijo e fechando os olhos,  enquanto mergulhavam no lago. 



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