29 dezembro 2019

Natal Quando Se É Gay

É certo que muitos de nós já ouviram - certamente alguns até já estarão saturados de falar - da questão do Orgulho Gay. A mim, tal como a tantos de nós por esse Mundo fora, parece-nos tão comum abordar temáticas gays, encontrar-nos com outros gays e por aí adiante, que achamos que tudo vai bem.

Mas a verdade é que as coisas não são bem assim.

Começando pela situação aqui em Portugal, as pessoas de facto estão mais "abertas" e receptivas aos direitos das pessoas gays. Embora continue a ser incomum, a verdade é que cada vez mais me cruzo com casais de namorados de mãos dadas nas ruas. E isso deixa-me feliz. Afinal, até há bem pouco tempo, isso era algo quase impossível. Portugal não tem um quadro de violência homofóbica, mas que ela existe, existe. Muitos casos são abafados. Outros são dados como "incidentes pontuais", muitas vezes associados ao excesso de álcool dos agressores.

Apesar dos avanços nos direitos, existem pessoas que estão contra os mesmos. Eu acho que, a partir do momento em que não se está a invadir a liberdade individual de cada ser, as pessoas têm o direito de serem e de se expressarem do jeito que querem/são.

[Abra-se um parênteses]

Ao escrever isto, recordei-me das críticas de um colega de trabalho, no sítio onde estive a trabalhar até meados deste mês. Um dia, ele comentou com todos que ficara indignado, mesmo revoltado e com vontade de partir para a violência verbal e física por ver um casal gay que passeava de mãos dadas e que a dado momento trocaram um beijo, em plena zona ribeirinha do Porto, no fim de semana. Ele ficou incomodado porque ia acompanhado da filha pequena e achou que aquilo "era demasiado" e que se "queriam ser assim, que o fossem dentro de quatro paredes".

Esta é a realidade nua e crua em Portugal.

A maior parte dos gays ainda tem de se manter oprimido, a fim de evitar mal-estar até no local de trabalho. [Nunca revelei que era para eles, até porque era um ambiente de trabalho extremamente homofóbico]. Sei que se me revelasse como gay, o ambiente, que já de si era difícil, ficaria ainda pior.

Por vezes sinto que apesar de já ter saído do armário, para amigos e alguns familiares, por vezes parece que o meu armário se volta a fechar, ou se abro uma porta e o transponho, logo surgem novas portas, numa espécie de jogo de espelhos onde as portas se estendem quase ao infinito.

O que me custou mais é que estava a lidar com pessoas cultas, que já deveriam ter outra visão das coisas, tanto que uma das pessoas ali tinha um irmão que também era gay. Sinceramente, esperava maior tolerância e consideração. Em boa hora, talvez, não me renovaram o contrato. Foi por motivos externos à minha pessoa. As empresas cada vez mais olham-nos como números e criaturas descartáveis, mas isso será tema para outra reflexão.

O tempo que ali estive foi o suficiente para compreender que em boa verdade, as coisas não mudaram. Está tudo apenas debaixo de uma fina camada de "verniz" de tolerância. Mas, é daqueles vernizes que à mínima coisa, estalam.


[Feche-se o parênteses]


Depois de regressar às Redes Sociais, abri um facebook - se me quiserem adicionar como amigo, cliquem aqui. Ao longo do tempo tenho vindo a conversar com muitos dos contactos que me vão adicionando por lá e por vezes, nascem amizades que vão para além dos típicos pedidos de ajuda, das conversas que levam à troca de nudes e afins, etc.

Foi assim que fiquei a saber, de forma ainda mais pessoal, como é ser gay um pouco por esse Mundo fora. Afinal, que nem todos os países do Mundo aceitam, muitos de nós já sabemos. Falar com pessoas que vivem em países onde ser gay é crime, onde têm de ter todos os cuidados e mais alguns para que ninguém descubra... Isso é o tema que me levou a esta reflexão.




No Natal, ao conversar com vários desses contactos, não pude deixar de me entristecer com os testemunhos que me escreviam. Apesar dos problemas que ainda temos aqui em Portugal e por outros países, a verdade é que pelo menos podemos falar sobre eles. Talvez com menos pessoas do que aquelas que gostaríamos, mas podemos. Do mesmo jeito, temos aplicativos que nos permitem conhecer outras pessoas e quando a "fome aperta", sempre encontramos uma solução para "matar a fome". Ainda podemos expressar, como eu faço com o meu blog, aquilo que eu sou, apesar de considerar que ser gay não me define, é um aspecto de mim. Ainda assim, ser gay é algo importante para mim, pois tornou-me a pessoa que sou hoje. Todas as lutas, todas as dores, todos os amores em silêncio, todos os momentos em que tive de me esforçar para chegar até aqui, para me amar e ter orgulho no que sou. Essa é que é a verdade. Infelizmente, nem todos têm a mesma sorte.

Das pessoas com quem converso, algumas vivem o pesadelo diário de serem descobertas e de poderem ir parar à cadeia ou até mesmo serem mortas. Outras, desejavam receber um carinho de um homem de prenda de Natal, porque nunca tiveram. Pode parecer quase inacreditável, mas é a Realidade de muito boa gente. Muitos deles não tem amigos no local onde vivem, porque ser gay é errado, porque ser gay é um pecado aos olhos da cultura de muitos deles.

Antes de sermos gays, somos seres humanos. Com mais ou menos defeitos, melhores ou menos bons. Ninguém é perfeito. ninguém devia ter o poder de controlar a vida dos outros. No entanto, vivemos ainda num Mundo cheio de injustiças.

E quanto a nós, que pertencemos ao universo gay, a nossa caminhada é constante. Ainda temos um gigantesco caminho a percorrer. Saibamos valorizar o que já conquistamos, mas que nunca nos esqueçamos das pessoas que, por esse Mundo fora, ainda não podem celebrar uma época, que, independentemente das crenças e religiões, deveria simbolizar uma máxima de todos os Deuses e Credos: o Amor.


2 comentários:

  1. Concordo com tudo o que escreveste e sublinho muitas das coisas que disseste...
    Infelizmente nem todos tivemos a mesma sorte de podermos ser gay mais ou menos dentro de um armário... Muitos nunca lá saíram lolololololololol
    Continuo na minha, quando se critica a homossexualidade dos outros, é porque existe um piquinho azedo dentro daquele/daquela que critica, só que não assume... Chama-se Inveja

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    1. Tens toda a razão, cada vez mais as pessoas não suportam a ideia de verem as outras pessoas felizes, o que é uma pena...

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